O petróleo de Peniche
Já vão quase dez anos desde a primeira visita do Mundial de surf em Peniche. Era só uma etapa itinerante, Search, chamava-lhe a marca que ainda hoje paga a festa e que nessa altura tinha reservada no calendário do campeonato uma etapa cuja localização se esperava remota, quase secreta e desconhecida da maior parte do mundo – em 2009, era Portugal.
Na preparação, abriram-se caminhos novos entre os terrenos que eram apenas de hortas, enterraram-se quilómetros de cabos para garantir a transmissão da prova, na praia instalaram-se palanques, tendas, altifalantes e barraquinhas de fast food. E as ondas apareceram, com estrondo. Fizeram-se sessões de tow-in –o surf de ondas grandes a reboque de motos de água – e as estrelas surfaram Supertubos como até então ninguém tinha feito. Nesse ano vimos o verdadeiro circo pela primeira vez.
Quase dez anos depois, a fama das ondas mudou Peniche. Os surf camps multiplicaram-se numa proporção ainda superior à das casas particulares, que se transformaram em alojamentos locais ou dos restaurantes que foram abrindo. As praias encheram-se de escolas de surf – dezenas, de Peniche e dos arredores, com mais ou menos equipamento, com maior ou menor respeito pelas regras – a construção disparou e o turismo passou a durar todo o ano. Para os da terra, não mudou assim tanto.
As queixas são crónicas. E se umas se ouvem há bem mais de dez anos – da sujidade das ruas à ausência de serviço hospitalar de qualidade ou de oferta cultural –, outras começam a subir de tom. O aumento da insegurança, a falta de condições para acolher enchentes e a falta de alternativas ao surf estão no topo. E no horizonte já se vislumbra uma nova ameaça. Se até agora a riqueza da terra vinha do mar – fosse em forma de peixe fresco ou de ondas perfeitas nos Supertubos –, agora paira a ameaça de uma exploração de petróleo. Avançando, será como o surf – ótimo para os índices económicos e mais um problema para os da terra.