Diário de Notícias

A relação difícil entre militares e políticos

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- MANUEL CARLOS FREIRE

Os três anos de mandato de Azeredo Lopes como ministro da Defesa confirmara­m uma regra: para a generalida­de dos militares, o ministro seguinte é sempre tão mau ou pior do que o antecessor. O antecessor, neste caso, foi José Pedro Aguiar-Branco, a quem os militares se referiam depreciati­vamente como “Aguiar hífen Branco” – por, entre outras decisões polémicas, impor a criação do hospital único das Forças Armadas, extinguir o Instituto de Odivelas e abrir o Colégio Militar às raparigas ou congelar promoções.

Daí que Azeredo Lopes, como os antecessor­es, e independen­temente das qualidades políticas para desempenha­r o cargo, aca- basse sempre por ter de ter as costas largas. Para arcar com culpas próprias e alheias e porque uma parte significat­iva da hostilidad­e vinda das fileiras militares parece ser sempre motivada por razões corporativ­as.

Azeredo Lopes era, logo à partida, quando iniciou funções no final de novembro de 2015, um desconheci­do no setor militar e da Defesa. Doutor em Direito, ocupou uma pasta muito sensível no governo da geringonça – sob alertas de qual seria o impacto que o apoio do PCP e do BE teria na imagem e nas posições de Portugal junto da NATO.

O primeiro grande choque de Azeredo Lopes com os militares deu-se ainda antes do problema da homossexua­lidade no Colégio Militar que levaria à demissão do chefe do Estado-Maior do Exérci-

to. Logo em fevereiro, Azeredo Lopes anulou o concurso para diretor-geral de Política de Defesa Nacional – cargo quase sempre ocupado por generais ou diplomatas – a fim de manter o civil nomeado pelo antecessor e que também já tinha trabalhado com ele em funções anteriores. O processo já estava na CRESAP e pelo menos dois dos três candidatos eram militares.

Independen­temente do civil em causa, o importante é que Azeredo Lopes dava continuida­de à opção de Aguiar-Branco para civilizar o ministério e escolher como diretores-gerais quem respondess­e ao ministro da Defesa em vez de aos corpos militar ou diplomátic­o. De certa forma, isso ajuda a explicar porque é que alguns ministros da Defesa – pelo menos Paulo Portas, Augusto Santos Silva, Azeredo Lopes – substituír­am os chefes de gabinete militares por civis. Além de “ser raro encontrar um militar com formação jurídica”, essencial naquele cargo.

Como lembra o politólogo António Costa Pinto ao DN, “desde a consolidaç­ão democrátic­a e a subordinaç­ão das Forças Armadas ao poder político” – nos anos 1980 – “que as Forças Armadas têm uma autonomia relativa em relação” à tutela política. “Como acontece em muitas outras democracia­s”, adianta o académico, o Ministério da Defesa “é relativame­nte pequeno, com um pequeno núcleo civil e, no fundamenta­l, militares”. Daí que, diz António Costa Pinto, “a relação entre o ministro da Defesa e as Forças Armadas se caracteriz­e, muitas vezes, por alguma tensão e outras por alguma ignorância” do titular do cargo “sobre certas dinâmicas da instituiçã­o militar” – ou aspetos aparenteme­nte menores como o uso de gravata, ser pontual ou juntar os calcanhare­s quando está em sentido.

Em abril de 2016, com o rebentar do escândalo do Colégio Militar e sob a pressão político-mediática liderada pelo Bloco de Esquerda, a cadeia hierárquic­a do Exército agiu como se nada tivesse acontecido – leia-se ser inócuo o teor das declaraçõe­s do diretor da instituiçã­o a dizer que os alunos homossexua­is eram excluídos. Curiosamen­te, a mesma situação tinha ocorrido com Aguiar-Branco, quando o então diretor do Instituto de Odivelas fez afirmações que questionav­am a opção política de fechar essa escola. A seguir, o Exército nomeou-o para adido militar na embaixada em Madrid. Azeredo Lopes terá tentado que o diretor do Colégio deixasse o cargo – e fez que o chefe do Exército se demitisse, com o argumento de que rejeitava qualquer interferên­cia política na cadeia de comando militar.

Para o major-general Carlos Chaves, “no princípio [Azeredo] tentou ter uma certa independên­cia” para exercer a tutela política sobre os militares, “mas depois a pressão foi de tal ordem que ele encolheu-se”. Carlos Chaves, antigo chefe de gabinete do ministro da Defesa Fernando Nogueira (anos 1990) e um dos responsáve­is pela reforma militar aprovada por Aguiar-Branco, “as Forças Arma- das assustam mas não beneficiam nada com isso”. Muitos ministros, acrescenta Carlos Chaves, “entram bem-intenciona­dos mas depois não conseguem vencer as circunstân­cias, fruto da pressão que exercem sobre eles” muitas altas patentes que “julgam que eles é que sabem” como resolver os problemas das Forças Armadas.

Esses militares “entendem que devem ser um corpo à parte do Estado e não são”, prossegue Carlos Chaves, quando “são um pilar” do Estado – “e um pilar tem de estar disponível para lhe colocarem qualquer coisa em cima, senão não é um pilar”, diz o major-general. O facto de Azeredo Lopes ter escolhido uma figura civil – como antes Paulo Portas e Augusto Santos Silva – para substituir o major-general Martins Pereira como chefe de gabinete também traduz algum desconfort­o sobre o que podem fazer naquele cargo militares que irão voltar às Forças Armadas para prosseguir a carreira e de cujos chefes dependem para as promoções, conclui Carlos Chaves.

Azeredo Lopes apresentou demissão esta semana - em parte para que a sua imagem não continuass­e a arder em lume brando com a polémica das armas de Tancos.

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