Populismo faz soar alarmes até na Feira do Livro de Frankfurt
Na maior feira do livro do mundo, que termina neste domingo, várias vozes alertaram para a violação dos direito humanos e para os riscos da vaga populista e nacionalista em curso. Na Alemanha, na Europa e no mundo em geral. AfD, partido de extrema-direita alemão, deverá pôr em causa a maioria absoluta da CSU nas eleições deste domingo na Baviera. Pela primeira vez no pós-Segunda Guerra Mundial. E, em duas semanas, ter importantes ganhos nas eleições no estado do Hesse.
Precisamos de falar.” Este é um dos slogans da Feira do Livro de Frankfurt. E quando alguém nos diz que precisamos de falar é porque o assunto é sério e precisamos mesmo falar. Thorsten Dönges, por exemplo, fala sobre livros de autores alemães ou que escrevem em alemão. Trá-los debaixo do braço, uns oito ou nove, espalha-os por cima da mesa e começa a explicação.
Um dos que apresentam com maior eloquência é Der Reisende e o autor é Ulrich Alexander Boschwitz. Nasceu em Berlim em 1915 e morreu em 1942. “Ele escreve sobre Berlim de novembro de 1938, quando os na- zis começaram o verdadeiro progrom, começaram a ir a casa dos judeus, a espancá-los. É um romance. É sobre um judeu que tenta fugir, apanha vários comboios mas não consegue. E depois desaparece”, explica o crítico literário a um grupo de jornalistas estrangeiros numa das salas da Messe Frankfurt.
“O que é mais curioso sobre este livro é que foi publicado no Reino Unido em 1939 e em França em 1945 e só agora, em 2018, é que foi publicado na Alemanha. Mesmo com a intervenção do Nobel da Literatura alemão as editoras diziam que o livro não tinha interesse para os alemães. Ora o que ele descreve no livro é o que está a acontecer agora com as pessoas nas nossas fronteiras. A situação que ele descreve é tão moderna e ao mesmo tempo tão arcaica. Mas
A AfD continua a subir, mesmo em tempos de prosperidade económica naquela que é a maior economia da UE.
não importa o quão moderna a sociedade é, nunca estamos seguros, estes modelos arcaicos podem voltar”, sublinha o especialista do centro Literarisches Colloquium Berlim.
Visivelmente apreensivo com a situação do seu país, o crítico literário alemão afirma: “Há três anos, se me perguntassem, diria para não se preocuparem com a Alemanha. Mas hoje a verdade é que já não sei o que dizer. Muita gente faz comparações com os anos 1920-1930. Em termos do tom do nacionalismo. Isto tem que ver, acho, com a fragilidade do Estado nacional.”
Thorsten Dönges não é único a manifestar preocupação. “A questão é que tipo de narrativa queremos deixar aos nossos filhos? Queremos falar de “turismo de asilo” como fez o ministro da Baviera? Ou queremos continuar
uma história de respeito pela diversidade? E de projetos de integração que existem por todo o país e revelam uma sociedade aberta?”, questionou Heinrich Riethmüller, presidente da Associação de Editores e Livreiros Alemães, na cerimónia de abertura da 70.ª edição da Feira do Livro de Frankfurt (desde que foi retomada depois do final da Segunda Guerra Mundial, em 1949).
Riethmüller referia-se a Markus Söder, ministro-presidente do estado da Baviera, o homem a quem chamam o Donald Trump da Alemanha e está no cargo desde março, depois de o líder da CSU (congénere bávara da CDU de Angela Merkel), Horst Seehofer, ter integrado o governo federal da Grande Coligação como ministro do Interior. Más notícias na Baviera A Baviera vai a votos neste domingo e, segundo as sondagens, as notícias não são as melhores. Nem para Söder nem para Seehofer. E potencialmente nem para Merkel. A CSU poderá perder a maioria absoluta pela primeira vez desde o pós-guerra. E tudo por causa da ascensão do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
As sondagens apontam que esta formação que nas eleições federais do ano passado ficou em terceiro lugar, tendo conseguido entrar no Bundestag, terá entre 10% e 14% dos votos. A CSU poderá descer dos 48%, que teve há cinco anos, para 32% a 34% dos votos dos eleitores bávaros. O SPD pode cair de 21% para 12% e osVerdes sobem dos 9%, que conseguiram em 2013, para 19%.
Estes dados revelam que toda a radicalização do discurso e de posições de Seehofer teve um efeito boomerang contra a CSU. Desde desafiar Merkel com o não cumprimento da sua política para os refugiados. Desde ameaçar a chanceler democrata-cristã com a demissão se ela não conseguisse que os seus aliados europeus aceitassem refugiados que entraram na Alemanha via Áustria. Desde promover o ex-chefe das secretas que Merkel demitiu, pressionada pelo outro parceiro de coligação, o SPD, depois de serem conhecidas as suas ligações a grupos de extrema-direita no país.
A AfD, que já entrou nos parlamentos de outros estados federados alemães, continua a subir, mesmo em tempos de prosperidade económica naquela que é a maior economia da UE. Depois do teste da Baviera, que pode voltar a fazer tremer a Grande Coligação de Merkel, dentro de duas semanas, no dia 28, segue-se o teste do Hesse, estado a que pertence Frankfurt. Aí, dizem as sondagens, a AfD poderá conquistar 13% dos voos, osVerdes sobem de 5,2%, em 2013, para 18%, o SPD desce de 31% para 23% e a CDU cai de 37% para 29%.
O atual ministro-presidente do Hesse – e candidato à reeleição – é Volker Bouffier da CDU. Na sessão de abertura da Feira do Livro de Frankfurt lembrou como, depois da guerra, o certame ajudou a Alemanha, então destruída e excluída da cena internacional, a voltar à civilização. “Esta feira não é só um sítio de trocas comerciais. Não pode ser apenas isso. Esta feira deve ser um manifesto pela liberdade”, declarou o político do partido de Merkel, pedindo: “Tenhamos todos a coragem de confronto e de não virar o olhar para o outro lado.”.
“Não queremos antissemitismo, iliberalismo, não queremos racismo, xenofobia e intolerância em Frankfurt”, declarou, por seu lado, Peter Feldmann, presidente da Câmara de Frankfurt am Main, membro do SPD. “A Feira de Frankfurt é um lugar de liberdade e de respeito mútuo. Se alguém usar os nossos palcos para promover o contrário, iremos protestar de imediato”, avisou Jürgen Boos, CEO da Feira do Livro de Frankfurt.
O recado destinava-se a simpatizantes da extrema-direita, como a editora Jungre Freiheit. E a oradores como Björn Höcke, líder da AfD na Turíngia, que na sexta-feira esteve na feira para participar numa conversa sobre o seu novo livro Nie Zweimal in Denselben Fluß (não duas vezes no mesmo rio). A protegê-lo, dezenas de agentes da polícia, sob o olhar reprovador de muitos dos participantes.
O certame termina neste domingo. Contou com mais de sete mil expositores. Oriundos de 102 países.
À entrada da Messe Frankfurt, o eurodeputado e líder do partido satírico Die Partei, Martin Sonneborn, surgiu mascarado de Claus Schenk Graf von Stauffenberg, o oficial do Exército alemão que tentou assassinar Hitler mas falhou, para protestar contra a presença de Höcke na feira. Por todo o Pavilhão 4, onde o dirigente do partido de extrema-direita falou, foram espalhados panfletos a explicar “porque está certo contradizer Höcke”, financiados pelo Centro Educacional de Anne Frank. Este está localizado no bairro de Dornbusch, Frankfurt am Main, onde a jovem vítima do Holocausto nasceu.
“I’m on the same page” é outro dos slogans da feira. Destina-se a assinalar quase sete décadas de certame e sete décadas da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Presente na feira, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros noutra Grande Coligação de Merkel, afirmou que para lidar com a ascensão de populismos e nacionalismos na Alemanha, na Europa e no mundo em geral esta declaração “é necessária [e serve] como base de intervenção”.
Adotada na ONU a 10 de dezembro de 1948, a declaração consiste em 30 artigos. “Na primeira feira de Frankfurt”, sublinhou no seu discurso o ministro-presidente do Hesse, “ninguém sonhava com a internet ou com o Twitter. Mas há uma coisa que permanece a mesma: A Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
*A JORNALISTA VIAJOU A CONVITE DO GOETHE INSTITUT