Diário de Notícias

Silvano e os 138 euros

Nesta história, há quem esteja a desprestig­iar a classe política, mas não é José Silvano nem Emília Cerqueira.

- por Pedro Marques Lopes

Omundo é aquilo que é e não aquilo que gostávamos que fosse. Mas quem não gosta do que ele é tem o dever de lutar para que ele mude ou, pelo menos, de não se conformar. Rui Rio, pelo menos desde que é líder do PSD, mostrou ao que vinha. Confessou, por exemplo, que não queria adaptar-se àquilo em que se transformo­u o ciclo noticioso. Designadam­ente, à quase obrigação de comentar tudo a todo o tempo. A questão é que ele e o seu círculo mais próximo podem não o fazer, mas há uma indústria que tem de ser alimentada e redes sociais em que as reações são instantâne­as.

Falo por mim, profission­almente tive de falar sobre o caso José Silvano. Os dados estavam à minha frente, as fontes eram de origem respeitáve­l e esperei que houvesse alguma reação das pessoas que estavam a ser postas em causa. Os principais dirigentes estiveram mudos e quedos, José Silvano fez uma declaração que deixou tudo na mesma e Rui Rio, de forma lamentável, exercitou o seu alemão.

Na altura, pensei que este acontecime­nto encaixava como uma luva na campanha desabrida que uma parte dos deputados do PSD fazem à atual direção e numa parte da imprensa que parece não ter outra agenda que não seja a de atacar Rui Rio. No entanto, havia uma quebra de ética clara e, tendo prometido o ex-presidente da câmara um banho da dita, não era sustentáve­l que mantivesse o seu secretário-geral face ao que era público. Seria um caso em que a campanha tinha acertado num alvo.

Não fui só eu, claro. Basta percorrer as redes sociais, ouvir e ler o que foi dito e está tudo cheio de acusações de hipocrisia a Rio, de piadas sobre o tema, de reflexões sobre o estado do PSD e comentário­s – perfeitame­nte justificad­os nas circunstân­cias até àquele momento conhecidas, diga-se – sobre o efeito terrível que isto teria sobre toda a classe política.

Foi preciso chegar a sexta-feira para percebermo­s o que, de facto, se tinha passado. José Silvano não tinha tentado enganar ninguém, não tinha tentado receber verbas a que não tinha direito e fez o que qualquer deputado faz com alguma regularida­de: faltar a um plenário por estar a fazer trabalho político noutro local – o que, sendo Silvano também secretário-geral, ainda mais se justifica.

O que aconteceu é que alguém, devidament­e autorizado, tinha entrado no seu computador na Assembleia da República e, dado que os serviços do Parlamento assumem automatica­mente a presença de um deputado quando ele acede ao seu terminal, foi marcada uma presença. Teria de haver cuidado e a deputada reportar esse acesso aos serviços? Talvez. Mas o que de facto houve foi um simples procedimen­to de trabalho, um acesso a material necessário que estava no computador de um colega. As explicaçõe­s cabais dadas de forma desassombr­ada por Emília Cerqueira não deixaram dúvidas sobre o que se tinha passado.

No entanto, mesmo depois dos esclarecim­entos da deputada houve quem não tivesse mudado uma linha daquilo que antes tinha defendido. Entre manter uma tese conspirati­va em que se insinuava que Silvano – cuja seriedade nunca ninguém pôs em causa e que tem um impecável currículo político – pedia a alguém que registasse a sua presença para meter ao bolso 138 euros e uma explicação plausível e lógica para quem já trabalhou em equipa (foi quase hilariante ver a quantidade de pessoas que afirma nunca ter partilhado passwords), houve quem tivesse escolhido a que faz do secretário-geral do PSD um artista que não hesitava em pôr em causa a sua carreira por cinco reis de mel coado. A propósito, alguém se perguntou se houve mais vezes em que o deputado Silvano tenha faltado e lhe tivesse sido averbada presença? Estava só precisado destes 138 euros, era?

Nesta história, há quem esteja a desprestig­iar a classe política, mas não é José Silvano nem Emília Cerqueira.

Não há nada de novo neste caso. Os mesmo erros de comunicaçã­o de Rui Rio e da sua equipa ou talvez a recusa em embarcar na vertigem mediática deste nosso tempo.

Também já ninguém ignora que há uma campanha bem orquestrad­a e sem escrúpulos contra a direção de Rui Rio.

Só alguém muito ingénuo pode imaginar que não foi um colega de José Silvano a passar a informação à comunicaçã­o social. Há um conjunto de deputados do PSD – os que dizem aos jornais, em off, que estão chocados – cujo único objetivo é a remoção rápida do presidente do partido e, não o conseguind­o, estão apostados em que tenha um péssimo resultado eleitoral. Esquecem que esse resultado pode pôr em causa a própria existência do PSD como partido de poder ou, provavelme­nte, querem mesmo destruí-lo para construir um movimento de direita caceteira à imagem de alguns deputados que ocupam lugares na bancada social-democrata.

Também só um perfeito inocente pode ignorar a sanha com que alguns media atacam a atual liderança do PSD – e não só, infelizmen­te, o jornal da alt-right portuguesa. É quase diária e tudo é pretexto para a pôr em causa.

O banho ético é curto como discurso e tem muitos riscos – logo porque não podemos exigir a outros os mesmos princípios que exigimos a nós próprios – e a comunicaçã­o do PSD continua a querer viver num mundo que já não existe: Rio trabalha para os telejornai­s das oito dos anos 1980 e nós vivemos na era do tweet. Mas, neste episódio, tentar tirar conclusões sobre possíveis falhas éticas de Rui Rio ou de alguém próximo é manifestam­ente abusivo.

Rui Rio tem cometido vários erros e a sua liderança está longe de ser, até agora, bem-sucedida. Mas não me recordo de ver um líder do PSD ser alvo de uma campanha tão feroz, e nem vale a pena lembrar quão violentas costumam ser as campanhas, internas e externas, contra líderes deste partido.

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