Silvano e os 138 euros
Nesta história, há quem esteja a desprestigiar a classe política, mas não é José Silvano nem Emília Cerqueira.
Omundo é aquilo que é e não aquilo que gostávamos que fosse. Mas quem não gosta do que ele é tem o dever de lutar para que ele mude ou, pelo menos, de não se conformar. Rui Rio, pelo menos desde que é líder do PSD, mostrou ao que vinha. Confessou, por exemplo, que não queria adaptar-se àquilo em que se transformou o ciclo noticioso. Designadamente, à quase obrigação de comentar tudo a todo o tempo. A questão é que ele e o seu círculo mais próximo podem não o fazer, mas há uma indústria que tem de ser alimentada e redes sociais em que as reações são instantâneas.
Falo por mim, profissionalmente tive de falar sobre o caso José Silvano. Os dados estavam à minha frente, as fontes eram de origem respeitável e esperei que houvesse alguma reação das pessoas que estavam a ser postas em causa. Os principais dirigentes estiveram mudos e quedos, José Silvano fez uma declaração que deixou tudo na mesma e Rui Rio, de forma lamentável, exercitou o seu alemão.
Na altura, pensei que este acontecimento encaixava como uma luva na campanha desabrida que uma parte dos deputados do PSD fazem à atual direção e numa parte da imprensa que parece não ter outra agenda que não seja a de atacar Rui Rio. No entanto, havia uma quebra de ética clara e, tendo prometido o ex-presidente da câmara um banho da dita, não era sustentável que mantivesse o seu secretário-geral face ao que era público. Seria um caso em que a campanha tinha acertado num alvo.
Não fui só eu, claro. Basta percorrer as redes sociais, ouvir e ler o que foi dito e está tudo cheio de acusações de hipocrisia a Rio, de piadas sobre o tema, de reflexões sobre o estado do PSD e comentários – perfeitamente justificados nas circunstâncias até àquele momento conhecidas, diga-se – sobre o efeito terrível que isto teria sobre toda a classe política.
Foi preciso chegar a sexta-feira para percebermos o que, de facto, se tinha passado. José Silvano não tinha tentado enganar ninguém, não tinha tentado receber verbas a que não tinha direito e fez o que qualquer deputado faz com alguma regularidade: faltar a um plenário por estar a fazer trabalho político noutro local – o que, sendo Silvano também secretário-geral, ainda mais se justifica.
O que aconteceu é que alguém, devidamente autorizado, tinha entrado no seu computador na Assembleia da República e, dado que os serviços do Parlamento assumem automaticamente a presença de um deputado quando ele acede ao seu terminal, foi marcada uma presença. Teria de haver cuidado e a deputada reportar esse acesso aos serviços? Talvez. Mas o que de facto houve foi um simples procedimento de trabalho, um acesso a material necessário que estava no computador de um colega. As explicações cabais dadas de forma desassombrada por Emília Cerqueira não deixaram dúvidas sobre o que se tinha passado.
No entanto, mesmo depois dos esclarecimentos da deputada houve quem não tivesse mudado uma linha daquilo que antes tinha defendido. Entre manter uma tese conspirativa em que se insinuava que Silvano – cuja seriedade nunca ninguém pôs em causa e que tem um impecável currículo político – pedia a alguém que registasse a sua presença para meter ao bolso 138 euros e uma explicação plausível e lógica para quem já trabalhou em equipa (foi quase hilariante ver a quantidade de pessoas que afirma nunca ter partilhado passwords), houve quem tivesse escolhido a que faz do secretário-geral do PSD um artista que não hesitava em pôr em causa a sua carreira por cinco reis de mel coado. A propósito, alguém se perguntou se houve mais vezes em que o deputado Silvano tenha faltado e lhe tivesse sido averbada presença? Estava só precisado destes 138 euros, era?
Nesta história, há quem esteja a desprestigiar a classe política, mas não é José Silvano nem Emília Cerqueira.
Não há nada de novo neste caso. Os mesmo erros de comunicação de Rui Rio e da sua equipa ou talvez a recusa em embarcar na vertigem mediática deste nosso tempo.
Também já ninguém ignora que há uma campanha bem orquestrada e sem escrúpulos contra a direção de Rui Rio.
Só alguém muito ingénuo pode imaginar que não foi um colega de José Silvano a passar a informação à comunicação social. Há um conjunto de deputados do PSD – os que dizem aos jornais, em off, que estão chocados – cujo único objetivo é a remoção rápida do presidente do partido e, não o conseguindo, estão apostados em que tenha um péssimo resultado eleitoral. Esquecem que esse resultado pode pôr em causa a própria existência do PSD como partido de poder ou, provavelmente, querem mesmo destruí-lo para construir um movimento de direita caceteira à imagem de alguns deputados que ocupam lugares na bancada social-democrata.
Também só um perfeito inocente pode ignorar a sanha com que alguns media atacam a atual liderança do PSD – e não só, infelizmente, o jornal da alt-right portuguesa. É quase diária e tudo é pretexto para a pôr em causa.
O banho ético é curto como discurso e tem muitos riscos – logo porque não podemos exigir a outros os mesmos princípios que exigimos a nós próprios – e a comunicação do PSD continua a querer viver num mundo que já não existe: Rio trabalha para os telejornais das oito dos anos 1980 e nós vivemos na era do tweet. Mas, neste episódio, tentar tirar conclusões sobre possíveis falhas éticas de Rui Rio ou de alguém próximo é manifestamente abusivo.
Rui Rio tem cometido vários erros e a sua liderança está longe de ser, até agora, bem-sucedida. Mas não me recordo de ver um líder do PSD ser alvo de uma campanha tão feroz, e nem vale a pena lembrar quão violentas costumam ser as campanhas, internas e externas, contra líderes deste partido.