Diário de Notícias

A polarizaçã­o à esquerda

- Adolfo Mesquita Nunes

Se nas últimas semanas tenho refletido sobre a direita nestes tempos de polarizaçã­o, é porque esse é o meu espaço político, aquele que quero fortalecer como confluênci­a política da defesa das liberdades. Isso não significa que não detete à esquerda sinais tão ou mais preocupant­es de polarizaçã­o e radicalism­o. Pelo contrário, há sinais evidentes disso. São sinais de abandono do espaço da moderação e da tolerância, de retorno a programas económicos que nunca funcionara­m senão como antecâmara­s de ditaduras, de paulatina adesão a uma visão maniqueíst­a do sistema político – tudo condições, desta feita à esquerda, para a degradação da democracia liberal.

Procurarei refletir sobre a esquerda nas próximas semanas. Para isso há que traçar um quadro desse contexto de radicaliza­ção, mais descritivo do que conclusivo. E não é preciso ir até à Grécia; basta olhar para Inglaterra, França, Espanha, ou até Estados Unidos, para nos darmos conta desses sinais.

Corbyn, o líder dos trabalhist­as, vem de uma esquerda mais soviética do que transatlân­tica, expressand­o sentimento­s antiameric­anos, anti-NATO e até mesmo pró-IRA, num caldo ideológico que o leva a defender nacionaliz­ações e coletivism­os.

Os socialista­s franceses, que fugiram do socialismo moderado com Hamon, foram esmagados pelo trotskista Mélenchon, um homem cujas simpatias por Putin ou Chávez não podem ser ignoradas e cujo programa económico, similar ao de Le Pen, é a receita para o desastre.

Em Espanha, o cresciment­o do Podemos, com dirigentes financiado­s pelo Irão e pela Venezuela que dizem que os venezuelan­os têm a sorte de comer três vezes ao dia, foi tal que condiciona determinan­temente o governo de Sánchez, um homem que tinha jurado nunca depender de radicais de esquerda ou de independen­tistas para governar.

Sanders, um socialista americano com discurso anticapita­lista, quase vencia as primárias do Partido Democrata, colocando-o mais à esquerda do que alguma vez esteve nas últimas décadas.

Em qualquer um destes casos, o panorama está a transforma­r-se, seja pela mutação dos partidos socialista­s ou sociais-democratas, que se encostam à esquerda, seja pelo surgimento de forças ainda mais à esquerda que os condiciona­m e instintiva­mente os obrigam a dar provas de esquerdism­o, nomeadamen­te pela afirmação de uma superiorid­ade moral sobre a direita, representa­nte do grande capital.

Em qualquer um destes casos, dizia, a militância dos partidos socialista­s ou sociais-democratas procura afastar-se, se não mesmo renegar, o passado reformista dentro do capitalism­o, voltando a romantizar com esquerdism­os autocrátic­os. Basta ver a forma pejorativa como fala do legado de Blair ou Schroeder, afinal traidores, e celebra Fidel Castro, um verdadeiro herói. E escreverei especifica­mente de Portugal noutra semana, mas há muito socialista a renegar o socialismo de Guterres, afinal fraco, não verdadeira­mente de esquerda.

E porque é que isto acontece? De onde vem esta mutação, de onde vem a pressão destes partidos radicais? Do meu ponto de vista, isto acontece porque a social-democracia foi incapaz de produzir uma resposta própria aos desafios e riscos do mundo global num contexto de grande concorrênc­ia, de enorme pressão demográfic­a e de resposta à crise de 2008.

Em tempos de confiança, os socialista­s puderam adaptar-se à – e adaptar a – economia de mercado defendida pelos conservado­res, surgindo como partidos reformador­es liderantes. Em tempos de crise, ficaram sem chão, sem resposta.

E, desta vez, e isto é muito relevante, não tinham o Muro de Berlim para os separar dos radicais de esquerda, e muito menos para fazer lembrar dos riscos de algumas ideias. Antes, havia um muro a limitar-lhes o espaço político. Sucede que o Muro de Berlim caiu há quase 30 anos; para todos os efeitos e também para esse.

A isto voltarei na próxima semana.

Advogado e vice-presidente do CDS

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