A polarização à esquerda
Se nas últimas semanas tenho refletido sobre a direita nestes tempos de polarização, é porque esse é o meu espaço político, aquele que quero fortalecer como confluência política da defesa das liberdades. Isso não significa que não detete à esquerda sinais tão ou mais preocupantes de polarização e radicalismo. Pelo contrário, há sinais evidentes disso. São sinais de abandono do espaço da moderação e da tolerância, de retorno a programas económicos que nunca funcionaram senão como antecâmaras de ditaduras, de paulatina adesão a uma visão maniqueísta do sistema político – tudo condições, desta feita à esquerda, para a degradação da democracia liberal.
Procurarei refletir sobre a esquerda nas próximas semanas. Para isso há que traçar um quadro desse contexto de radicalização, mais descritivo do que conclusivo. E não é preciso ir até à Grécia; basta olhar para Inglaterra, França, Espanha, ou até Estados Unidos, para nos darmos conta desses sinais.
Corbyn, o líder dos trabalhistas, vem de uma esquerda mais soviética do que transatlântica, expressando sentimentos antiamericanos, anti-NATO e até mesmo pró-IRA, num caldo ideológico que o leva a defender nacionalizações e coletivismos.
Os socialistas franceses, que fugiram do socialismo moderado com Hamon, foram esmagados pelo trotskista Mélenchon, um homem cujas simpatias por Putin ou Chávez não podem ser ignoradas e cujo programa económico, similar ao de Le Pen, é a receita para o desastre.
Em Espanha, o crescimento do Podemos, com dirigentes financiados pelo Irão e pela Venezuela que dizem que os venezuelanos têm a sorte de comer três vezes ao dia, foi tal que condiciona determinantemente o governo de Sánchez, um homem que tinha jurado nunca depender de radicais de esquerda ou de independentistas para governar.
Sanders, um socialista americano com discurso anticapitalista, quase vencia as primárias do Partido Democrata, colocando-o mais à esquerda do que alguma vez esteve nas últimas décadas.
Em qualquer um destes casos, o panorama está a transformar-se, seja pela mutação dos partidos socialistas ou sociais-democratas, que se encostam à esquerda, seja pelo surgimento de forças ainda mais à esquerda que os condicionam e instintivamente os obrigam a dar provas de esquerdismo, nomeadamente pela afirmação de uma superioridade moral sobre a direita, representante do grande capital.
Em qualquer um destes casos, dizia, a militância dos partidos socialistas ou sociais-democratas procura afastar-se, se não mesmo renegar, o passado reformista dentro do capitalismo, voltando a romantizar com esquerdismos autocráticos. Basta ver a forma pejorativa como fala do legado de Blair ou Schroeder, afinal traidores, e celebra Fidel Castro, um verdadeiro herói. E escreverei especificamente de Portugal noutra semana, mas há muito socialista a renegar o socialismo de Guterres, afinal fraco, não verdadeiramente de esquerda.
E porque é que isto acontece? De onde vem esta mutação, de onde vem a pressão destes partidos radicais? Do meu ponto de vista, isto acontece porque a social-democracia foi incapaz de produzir uma resposta própria aos desafios e riscos do mundo global num contexto de grande concorrência, de enorme pressão demográfica e de resposta à crise de 2008.
Em tempos de confiança, os socialistas puderam adaptar-se à – e adaptar a – economia de mercado defendida pelos conservadores, surgindo como partidos reformadores liderantes. Em tempos de crise, ficaram sem chão, sem resposta.
E, desta vez, e isto é muito relevante, não tinham o Muro de Berlim para os separar dos radicais de esquerda, e muito menos para fazer lembrar dos riscos de algumas ideias. Antes, havia um muro a limitar-lhes o espaço político. Sucede que o Muro de Berlim caiu há quase 30 anos; para todos os efeitos e também para esse.
A isto voltarei na próxima semana.
Advogado e vice-presidente do CDS