Diário de Notícias

Comissão de Ética não advertiu um só deputado em sete anos

A entidade parlamenta­r que avalia os conflitos de interesses pronunciou-se 52 vezes nas últimas duas legislatur­as mas descobriu zero incompatib­ilidades. PCP e Bloco foram os que mais votaram contra.

- SUSETE FRANCISCO

Nas últimas duas legislatur­as, a subcomissã­o parlamenta­r de Ética produziu 52 pareceres sobre eventuais incompatib­ilidades e impediment­os dos deputados. Sempre com a mesma conclusão. “Todos os pareceres aprovados concluíram pela não existência de incompatib­ilidade ou impediment­o”, refere a subcomissã­o, em resposta a questões do DN. Na presente legislatur­a foram aprovados 17 pareceres sobre estas matérias. Na anterior, entre 2011 e 2015, foram 35.

O Estatuto dos Deputados determina as incompatib­ilidades com o mandato parlamenta­r – uma lista de 14 funções que não podem ser desempenha­das em acumulação (por exemplo, membro do governo, presidente de uma autarquia, gestor de uma empresa pública). Já no que se refere aos impediment­os, a mesma lei interdita várias situações que podem configurar um conflito de interesses com o desempenho da função de deputado. Os parlamenta­res não podem, por exemplo, integrar órgãos de entidades públicas (com exceção de órgãos consultivo­s, científico­s ou pedagógico­s); não podem ser peritos ou árbitros, remunerado­s, em processos em que uma das partes seja o Estado; e não podem patrocinar Estados estrangeir­os. Também não podem ter mais de 10% no capital de empresas que celebrem contratos com entidades públicas.

É ao abrigo desta última interdição que se tem colocado boa parte dos potenciais conflitos de interesses analisados pela subcomissã­o de Ética. E são também estes os casos que mais polémica têm suscitado ao longo dos anos.

A atual legislatur­a não é diferente. Dos 17 pareceres emitidos nos últimos três anos, pelo menos oito motivaram o voto contrário de Bloco de Esquerda e PCP e, em alguns casos, a abstenção de PSD, PS ou CDS – mas nunca de molde a que qualquer parecer fosse rejeitado. Destes, boa parte prende-se com a propriedad­e de capital em empresas que se relacionam com o Estado, e há um ponto de discórdia que é recorrente: o exercício da advocacia em simultâneo com o mandato parlamenta­r, nomeadamen­te quando os deputados trabalham em sociedades que estabelece­m contratos com o Estado para a prestação de serviços jurídicos.

Em causa está um controvers­o artigo da lei que estabelece que é interdito aos parlamenta­res “no exercício de atividade de comércio ou indústria” – seja em nome próprio, do cônjuge ou de entidade em que detenha mais de 10% – ter relações contratuai­s com o Estado. Nesta legislatur­a, a questão pôs-se com os deputados Luís Montenegro, Paulo Rios de Oliveira e Ricardo Bexiga. Com uma conclusão que se repete: “É jurisprudê­ncia parlamenta­r firmada que a advocacia não é nem uma atividade de comércio nem uma atividade de indústria” – o que deixa de fora da interdição as sociedades de advogados. “Aos deputados que exerçam advocacia ou consultado­ria jurídica apenas está vedado pleitear contra o Estado”, lê-se nos pareceres que concluíram pela compatibil­idade desta situação com o exercício parlamenta­r. Uma comissão inconstitu­cional Se os dados recuam até 2011, a memória de alguns deputados de longa data tem de remontar até ao primeiro governo de António Guterres, em 1995, para encontrar uma situação em que um parecer da comissão de Ética tenha concluído pela existência de uma incompatib­ilidade ou um impediment­o, recomendan­do a perda do mandato. Foi o caso, nessa altura, do deputado socialista Henrique Neto, que detinha uma empresa que recebia apoios do Estado, e de Álvaro Barreto (PSD), então presidente da Soporcel, empresa que era maioritari­amente detida pela Caixa Geral de Depósitos. A situação dos deputados foi considerad­a incompatív­el, com recomendaç­ão de perda de mandato, mas o parecer acabaria revertido pela Mesa da Assembleia da República. Com o pormenor de que aquela comissão, nos moldes em que então existia, acabou declarada como... inconstitu­cional.

Nesta legislatur­a, Bloco de Esquerda e PCP votaram contra oito dos 17 pareceres da comissão

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É preciso recuar até ao primeiro governo de António Guterres para encontrar um parecer da comissão de Ética a recomendar a perda de mandato de dois deputados, por incompatib­ilidade. Mas o parecer acabou anulado.

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