À direita, sem pejo
Andaluzia. Tanto Ciudadanos como PP não afastam hipótese de negociar com o Vox, que ganhou 12 lugares no Parlamento andaluz. Governo pede para que não transformem região no “berço da extrema-direita” em Espanha.
Porque é que os partidos da direita espanhola aceitam coligar-se ou fazer acordos com o Vox, o partido extremista que cresceu na Andaluzia.
Em França, face à ascensão da Frente Nacional (atual União Nacional), esquerda e direita apostaram na “frente republicana”. Na Alemanha, negociar com a extrema-direita da AfD está fora de questão para os partidos tradicionais. Mas, em Espanha, após o Vox ter conquistado 12 lugares no Parlamento da Andaluzia, o centro-direita não afasta a hipótese de um acordo. Nem que seja um que passe pela abstenção do partido de Santiago Abascal para garantir o afastamento dos socialistas do poder nesta comunidade, que dominam há 36 anos.
Susana Díaz venceu as eleições autonómicas, mas o pior resultado de sempre dos socialistas na região e um mau resultado do Adelante Andaluzia ( Podemos e Esquerda Unida) faz que uma maioria de esquerdas seja impossível. A repetição do acordo de governo que existia entre o PSOE e o Ciudadanos também não soma apoios suficientes. O Partido Popular (PP, segundo mais votado) também não consegue depender apenas do Ciudadanos (terceiro). OVox e os seus 12 deputados são chave.
E nem PP nem Ciudadanos afastam a aliança com oVox. “A nossa prioridade é que Juan Marín lidere a Junta”, disse o líder do Ciudadanos, Albert Rivera. O objetivo é contar com o apoio do PP e a abstenção dos socialistas na hora de aprovar o governo, para não ser necessário uma aliança com a extrema-direita. Mas o PSOE e Díaz – que vai tentar formar governo – podem não estar disponíveis. “Com cinco partidos políticos seria uma irresponsabilidade descartar todos os cenários em cima da mesa”, referiu Rivera, sobre eventuais contactos com oVox.
Do lado do PP (anterior partido de Abascal), o líder Pablo Casado sempre se mostrou aberto a negociar com a formação de extrema-direita. Contudo, recuou nos últimos dias. “A negociação é com o Ciudadanos”, disse, num “acordo global” para acabar com o “regime” socialista. Será sobre esse acordo – que se depender do PP passa por pôr o seu candidato Juan Manuel Moreno na Junta – que oVox deverá pronunciar-se.
Mas qual será o impacto da aliança a nível nacional? “Só podemos afirmar que uma aliança, ativa ou passiva, entre esses três partidos na Andaluzia permitirá legitimar oVox e demonstra que o PP e o Ciudadanos também poderão unir-se a nível nacional com essa formação”, afirmou ao DN o especialista em relações internacionais FilipeVasconcelos Romão, dizendo não estar certo de que os eleitorados de ambos os partidos se sintam traídos por acordos dessa natureza.
“O eleitorado mais conservador e mais à direita, em Espanha, durante mais de 30 anos votou comodamente no PP e na sua antecessora Aliança Popular (AP). O fundador da AP/PP, Manuel Fraga Iribarne, durante a Transição, estava alinhado com setores que tinham grandes dúvidas sobre uma evolução para um regime plenamente democrático”, explica o professor da Universidade Autónoma de Lisboa e do ISCTE. “O centro-direita democrático, nessa época, era representado por Adolfo Suárez e pela sua União de Centro Democrático. A ausência de um partido de extrema-direta com expressão eleitoral não radicava na ausência de eleitorado, mas sim na acomodação deste na AP/PP”, concluiu.
Contudo, nem todos estão confortáveis com um diálogo com o Vox. O ex-primeiro-ministro francês ManuelValls, nascido em Barcelona e candidato do Ciudadanos à câmara da cidade, rejeita-o. “O Ciudadanos é um partido liberal, progressista e profundamente europeísta. Estou certo destas convicções, não pode haver pacto com o Vox”, disse à Cadena Ser. “Qualquer coligação é legítima, exceto com forças que fragilizam a Constituição”, reiterouValls.
E o governo espanhol pediu a PP e Ciudadanos que não transformem a Andaluzia no “berço da extrema-direita” em Espanha. Mil militantes por dia Segundo FilipeVasconcelos Romão, o resultado do Vox na Andaluzia “poderá ser um sinal da capacidade” do partido “para obter bons resultados nas europeias, autonómicas e municipais de 2019”. Santiago Abascal, que disse que desde as eleições andaluzes o partido está a receber mil novos militantes por dia, já indicou que quer ter candidatos em todos os escrutínios. Nas eleições locais, pelo menos nas capitais de província. O líder do partido disse aos jornalistas, após a reunião da direção, na quarta-feira, que haverá primárias internas para decidir os candidatos e que se poderá contratar uma empresa privada para os validar.
Mas o resultado na Andaluzia abre também a porta “a eleições legislativas antecipadas que venham a celebrar-se em função da incapacidade de Pedro Sánchez para governar”, indicou Vasconcelos Romão. “Não podemos esquecer que o PSOE tem um grupo parlamentar exíguo no Parlamento e que depende, entre outras forças, do nacionalismo catalão para fazer aprovar um orçamento, justamente no momento em que o julgamento do processo independentista está prestes a começar”, acrescentou o professor.
Questionado sobre se a ascensão do Vox não será só um fenómeno, Vasconcelos Romão referiu que “tudo dependerá da reorganização da direita, da capacidade do PP para recuperar o eleitorado e do Vox para se afirmar”. Terá sido a crise do PP e os escândalos de corrupção que marcaram o partido que “abriram portas à emergência de novas formações nesta área”, disse.
“Os problemas do PP e um certo centrismo dos governos de Mariano Rajoy abriram o flanco direito do partido e figuras como o antigo primeiro-ministro José María Aznar alimentaram a nova formação – como alimentaram o crescimento do Ciudadanos. Ironicamente, o PP (como o PSOE com o Podemos) poderá mesmo regressar aos governos nacional e autonómicos pela mão dos que lhe estão a retirar o estatuto de partido federador das direitas espanholas”, acrescentou o perito em relações internacionais.
Em relação a um possível contágio para Portugal, Vasconcelos Romão explicou que o contexto português não parece comparável. “Obviamente, começam a surgir alguns políticos a tentar ‘cavalgar esta onda’ europeia, mas nenhuma sondagem parece ir, neste momento, nesse sentido”, referiu.