Imigrantes no Alentejo
Chegam todos os dias a Beja. Vêm de continentes distantes, ou de países como Itália que se tornou hostil à imigração. Em Portugal encontram porto seguro. Por serem a mão-de-obra que nos falta, e barata, Portugal facilita-lhes a vida. E eles agradecem, apa
Os imigrantes que vêm trabalhar para o Alentejo já não são sazonais. Vêm para a azeitona, ficam para o morango. Reportagem sobre uma paisagem em mudança.
Quatro, seis ou mais pessoas por quarto, vivem em casas ou em contentores, e estes últimos nem sempre são os piores. Os que trabalham esperam voltar no dia seguinte. Os que ficam em casa anseiam que lhes digam que vão trabalhar. São mão-de-obra barata e paga à hora, mesmo que recebam à semana, à quinzena ou ao mês. Às vezes, com atrasos. Emigraram do Senegal, da Guiné-Conacri, do Paquistão, da Índia, do Nepal, etc. E dizem que, mesmo assim, nessas condições, vale a pena. Portugal acaba por ser dos poucos países europeus onde se podem legalizar. E em Beja faltam braços para a agricultura. Todos os dias chegam novos. 28 mil estarão neste momento no distrito, grande parte na apanha da azeitona.
Vinte e oito mil, são as contas de Alberto Matos, dirigente da associação Solidariedade Imigrante (Solim) em Beja. Embora este seja um trabalho cada vez menos sazonal, estes números representam o pico dos imigrantes que chegam para a agricultura intensiva do olival – há sempre novas plantações e as máquinas precisam de homens para completar a colheita. Apenas oito mil estarão legalizados, cinco mil em processo de legalização. Os restantes, ilegais. Passam entre eles os contactos de quem contrata, a maioria intermediários, imigrantes da Roménia e do Paquistão.
Até janeiro é a apanha da azeitona, antes foi a amêndoa e a seguir às vindimas. O morango é colhido todo o ano. E há muitas outras culturas e trabalhos: podar, plantar, curar, tratar. Os técnicos do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) atribuem às novas culturas, e ao empreendimento de Alqueva, a permanente necessidade de mão-de-obra. “No passado predominavam as culturas de sequeiro (cereais) no verão e parte do outono e que ocupavam pouca mão-de-obra por serem muito mecanizadas, seguindo-se a azeitona mas em muito menor grau. Atualmente, além de as áreas agrícolas terem crescido exponencialmente (o melhor exemplo será o olival de regadio), as variedades aumentaram, existindo agora na região culturas de verão, primavera, outono e inverno.”
Em consequência, “o Alentejo e o Ribatejo necessitam de grandes fluxos de trabalhadores indiferenciados, nomeadamente para suprir as carências de mão-de-obra local ou regional, em atividades de fruticultura, olivicultura, viticultura, horticultura herbácea e ornamental, tal como a produção de frutos vermelhos”, explica o SEF. Trabalho à hora e ao dia Sunny, de 22 anos, e Jes, de 29, da Índia, chegaram a Portugal há dois meses. A empresa intermediária que os contratou dispensou-os há dois adias. Estão desiludidos. Quem bem conhece o terreno, Alberto, aconselha: “Procurem outra empresa, há muito trabalho e até quem dê melhores condições.” Até porque mesmo os que se mantêm na empresa não têm trabalho garantido. “Chegam e dizem: ‘Tu vais, tu ficas, tu não, tu sim, é complicado’”, exemplifica Ahmad, 23
anos, do Paquistão, com um mestrado em Engenharia. “Claro que gostaria de ter um emprego de colarinho branco, estudei para isso, mas tenho de começar por algum lado.” Chegou a Beja há 20 dias.
Sabir, 58 anos, também paquistanês, está no limite da esperança. Viveu quatro anos em Portugal, a trabalhar na agricultura em Vila Franca de Xira. Regressou ao Paquistão e voltou há sete meses, pelos filhos, para os trazer para Portugal. Já percebeu que irá demorar muito tempo e não tem trabalho regular. “Sempre espera, espera… estou muito desiludido.”
Os quatro homens vivem numa casa térrea à entrada de Baleizão, em apartamentos com uma cozinha e quatro quartos, cada um com quatro camas, 80 euros mensais por pessoa. Preparam o almoço, no muro há roupa a secar. Pagam a comida, o gás, compram água engarrafada para fazer a comida. dizem que a da rede não tem condições. Precisam de 250/300 euros por mês para as despesas. Ficam contentes quando atingem os 500/600 euros mensais. O problema é que nem sempre têm trabalho.
O valor da mão-de-obra depende do trabalho, a apanha da azeitona é mais bem paga: 3,5 a 4 euros à hora, 28, 30 ou 35 euros ao dia. Quem dorme na herdade desconta a renda. A Vale da Rosa, em Ferreira do Zêzere, emprega diretamente e é onde todos querem ir parar. Agora na época de defeso, dispensou os trabalhadores, mas entregou-lhes uma declaração para o Instituto do Emprego e Formação Profissional. Não é comum, sublinha Alberto Matos.
Mussad, 26 anos, do Senegal com passagens pela Guiné-Conacri, há dez meses em Portugal, é um dos dispensados. “Acabaram as vindimas, o patrão disse para voltarmos em dezembro.” Terá de encontrar outro emprego entretanto. “É um bocado difícil, mas a esperança é a última a morrer.”
Encontrar trabalho não é a maior das dificuldades para Mussad. Pior é encontrar casa, e já nem fala nos preços elevados. “As pessoas não alugam a imigrantes.” Ele paga 150 euros por uma cama à entrada da cidade de Beja. Habitação é o maior problema Nos seis contentores da herdade PaxBerry, empresa na zona do Alqueva especializada na produção de morango, vivem os trabalhadores que são ali colocados por intermediários. São eles que lhes pagam, e nem todos a horas. Um contentor serve de cozinha coletiva, outro tem as casas de banho, os restantes são quartos onde dormem seis pessoas em cada um, 24 no total, incluindo uma mulher. Trabalham das 08.00 às 17.00, com uma hora para almoço. Descansam ao fim de semana. Há quem diga que o alojamento é gratuito, outros que lhes são descontados 55 euros mensais. Recebem cerca de 580 euros por mês.
“Essas não são as piores condições”, diz Ana Soeiro, assistente social da Cáritas de Beja, muitos anos a acompanhar imigrantes. “Há espaços com 200 imigrantes, em que cada um paga 100 ,150 euros mensais. Casas que são alugadas por 2000 a 2500 euros mensais. Vivem em condições sub-humanas.” Além disso, os estrangeiros têm dificuldade em arrendar casa – os senhorios preferem alugá-las a estudantes –, confirma a técnica. Os senhorios temem que as transformem em casernas, porque há casos em que uma habitação custa cerca de 400 euros mensais, e o imigrante que a consegue acaba por ali dar alojamento a muitos outros.
Ana Soeiro defende que o melhor é conseguir alojar os trabalhadores nas herdades, como acontece em Odemira. Mesmo que em contentores. Quem vive no local de trabalho também prefere. “Não perdemos tempo nos transportes e temos mais garantias de ter trabalho.”
À hora das refeições regressam às suas culturas. Paquistaneses, nepaleses e indianos preparam o chapati para fazer uma tortilha. E todos bebem sumo, o que une os muçulmanos e os hindus. A hora é de troca de experiências, neste lugar tão longe das suas casas. Muitos dizem ter experiência de agricultura, outros eram estudantes, alguns têm formação superior, como Babu, 39 anos, economista. Os nepaleses Abhismek, 23 anos e há três meses em Portugal, e Bishal, da mesma idade e que chegou há um ano, e Sudip, 24 anos, há oito, estudavam. Ambos têm a marcação do SEF para fevereiro e maio, respetivamente. Sudip ainda não tratou dos papéis. Aproveitam a presença dos jornalistas para fazer perguntas sobre as leis do país e como devem regularizar-se. É sempre assim, também, quando Alfredo Matos, da associação de apoio aos imigrantes, se apresenta. Ele aconselha: “Se o SEF vos vir, não fujam, neste momento estão a ajudar, querem que as pessoas estejam regularizadas.” Manifestação de interesse As últimas alterações à lei dos estrangeiros (n.º 23/2007) datam de 2017, e entraram em vigor a 1 de outubro deste ano. Em geral, os imigrantes são regularizados ao abrigo do artigo 88.º (89.º se trabalharem por conta própria), o que permite a concessão de autorização de residência a quem tenha um contrato de trabalho, entrada legalmente no país e esteja inscrito na Segurança So-
Quem dorme nas herdades desconta a renda do salário. Cá fora, é difícil arranjar casa: os senhorios têm receio dos subarrendamentos.
cial. Não é obrigatório começar o processo apenas quando se tem toda a documentação, o imigrante pode, e deve, iniciá-lo logo que tenha trabalho, numa “manifestação de interesse” que pode ser feita até pela internet. Recentemente, um decreto regulamentar veio permitir a regularização de quem tenha um ano de descontos mesmo sem entrada legal. O comprovativo do início do processo evita a ordem de expulsão.
O processo de regulação está esgotado até ao final de junho e em todo o país, até porque este é feito a nível nacional. O SEF justifica com o elevado número de pedidos. Em junho foi lançado um novo sistema de agenda e, entre o dia 25 deste mês e 25 outubro, foram registados 138 603 agendamentos nos balcões de atendimento, destes 42% foram online e 20% referem-se a novos pedidos de residência. No mesmo período de 2016 houve 122 655 agendamentos.
São agendamentos para o atendimento presencial de todas as situações, embora uma grande parte sejam novos residentes. Alberto Matos estima, assim, “que 2019 e 2020 sejam anos em que se vai notar um grande acréscimo do número de imigrantes, o que já aconteceu em 2017 e se estima para 2018”. Pessoas que este professor de Matemática (em licença) gosta de ajudar. Os dias de atendimento entram pelo dia seguinte, com boleia a quem mora no seu percurso para casa, em Serpa. Um início de processo demora uma hora.
É o caso de Ismail Dialla, 34 anos, da Índia, que chegou há oito meses a Portugal, depois de ter vivido em Dakar. Trabalha na apanha a azeitona. Acompanhada do filho de 4 anos, prepara a sua manifestação de interesse, ao mesmo tempo que ajuda outros compatriotas. Parece feliz. “Não tive dificuldade em arranjar trabalho e gosto da agricultura, trabalho ao ar livre.”
Recentemente, surgiu outro fenómeno. São os imigrantes que estavam em Itália, e que, com a entrada do governo de Giuseppe Conte, com um discurso anti-imigração, se sentiram em risco. Muita gente do Senegal, também da Guiné-Bissau e da Guiné-Conacri. Abdoulaye, 27 anos, do Senegal, marinheiro, vivia em Itália desde finais de 1999, primeiro em Palermo, depois em Nápoles e Milão, mas não conseguiu regularizar-se. Está há quatro meses em Portugal. “Aqui tenho trabalho, menos quando chove”, diz. Partilha uma casa com seis quartos, divide o dele com outros dois imigrantes. Apanhou amêndoa, podou, agora está na azeitona. Portugal continua a ser um porto seguro.