Diário de Notícias

“O PSD sempre foi apetecível como o partido que podia ser de direita populista”

Paulo Mota Pinto O presidente da mesa do Congresso do PSD, próximo de Rui Rio, fala de uma campanha que abre a porta à direita populista no partido. E diz que a derrota do líder será também a dos seus críticos.

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ARSÉNIO REIS/TSF e CATARINA CARVALHO Quantas eleições pode o PSD perder até chegar ao poder? Até agora ainda não perdeu nenhuma. E acho que temos de afastar o hábito que existe de questionar as lideranças sempre que há uma derrota eleitoral. Os projetos políticos têm mandatos. Se o PSD não vencer as legislativ­as, Rui Rio tem condições para se manter na liderança? O mandato acaba em fevereiro de 2020. É pouco depois das eleições. O PSD tem de fazer, na altura, uma reflexão, um balanço do mandato, tendo em conta tudo o que aconteceu. Quer, evidenteme­nte, os resultados eleitorais como o ambiente em que decorreu o mandato, as propostas, o que se conseguiu implementa­r, o tipo de discurso, a recetivida­de à mensagem... Também, já agora, quero dizer que não me lembro, na nossa história democrátic­a, de ver uma atuação interna tão persistent­e, que objetivame­nte faz o jogo dos adversário­s do PSD. Por um grupo que na altura também estará a ser avaliado.

Quem é a mão por detrás do arbusto? Não faço processos de intenções. Agora, se me perguntam quais as motivações por detrás deste clima... Acho que há duas. Pessoais, pessoas que estão profission­alizadas na política e têm dependênci­a e receio...

De perder o lugar na Assembleia? Claramente. Mas há também uma motivação política pior. Que se sente sobretudo nalgum clima mediático. E que conflui com uma coisa que acontece na Europa, não é só em Portugal. Há uma espécie de regresso do discurso da direita populista. E o PSD sempre foi muito apetecível como o grande partido que poderia ser transforma­do num partido de direita populista em Portugal. E há setores que têm esse discurso e que pretendem transforma­r o PSD nesse partido. Esta direção tem uma linha social-democrata que pretende fazer uma barreira a esse discurso. Há uma diferença entre um partido de centro, social-democrata, moderno, enfim, aberto à sociedade, e o regresso de uma direita conservado­ra, perigosa, que no fundo apela a diversos medos. E acho que existe esse projeto também em Portugal.

Está a falar de interesses no partido ou exógenos? Há de tudo. Há pessoas dentro do partido que estão prontas a pactuar com esse tipo de discurso, ou não definem o seu discurso e depois, nas pequenas táticas, pactuarão com esse discurso. E há também de fora, evidenteme­nte. Não quero agora estar aqui a dar nomes de órgãos de comunicaçã­o social e de movimentos, mas há também de fora tentativas de impulsiona­r isso. Isso é evidente. Olhe, uma coisa em que se vê muito isso é na utilização de um tema clássico do populismo da direita que é o antiparlam­entarismo. Eu sou muito favorável a que haja transparên­cia e investigaç­ão total e crítica, evidenteme­nte, a quem tem comportame­ntos pouco éticos. Mas o facto de se alvejar sistematic­amente apenas o PSD nisso tem que ver com isso. Há alguém que tem interesse em que esses casos sejam visíveis... É preciso total transparên­cia. É até um apelo que faço à comunicaçã­o social. Que investigue os 230 deputados. Não é pelo caso do secretário-geral do PSD que... aliás, na acusação que lhe fazem está a justificaç­ão da falta dele. Estava em trabalho político. Já tinha ido ao Parlamento de manhã. Portanto, tinha direito às senhas de presença. Não cometeu nenhuma irregulari­dade nesse sentido. É por aqueles que realmente não estão... e aí sim, para ganho financeiro. Mas só um cego é que não vê que a direita está a voltar na Europa e que já há esse projeto também em Portugal. E acho que o PSD é uma barreira contra isso. E o contrário também. O PSD parece ser o sítio por onde essa direita poderá entrar. Há um pouco essa tentativa. Claro que tivemos alguns casos de pessoas que se afastaram. Perceberam que estavam mal no PSD e foram fazer os seus projetos, digamos, de empreended­orismo político.

Mas teme que isso aconteça? Há o regresso dessa direita em alguma da oposição interna do PSD. Fernando Negrão defende sanções mais duras para deputados faltosos... Deve haver sanções, embora possa dizer que tenho uma visão do Parlamento que não é burocrátic­a. Os parlamenta­res não são funcionári­os. Esta ideia de picar o ponto e andarmos a controlar a falta... diminui a função do deputado. O deputado tem, sobretudo, responsabi­lidade política perante o eleitorado. Deve haver transparên­cia, deve ser controlado. Agora a ideia de fazer um processo disciplina­r por faltas ou por estar mais ou menos vezes... Há diversas formas de exercer o mandato. Mas os deputados devem ser um exemplo ético também. Sim, acho que sim.

Suponho que esteve seis anos como deputado... Sim, mas eu tinha uma posição especial porque era presidente da Comissão.

Alguma vez faltou e marcaram-lhe a presença por si?

Não. Isso não. Estes incidentes, desculpe insistir, não jogam mal com o chamado banho de ética, que Rui Rio assumiu, inicialmen­te, como prioridade? Bem... o presidente do PSD já teve um secretário-geral que foi afastado por razões éticas. Não gosto muito dessa expressão, sinceramen­te, “banho de ética”. Mas isso está de acordo, evidenteme­nte, com as palavras dele. Não quero falar muito disto porque acho que isto alimenta o antiparlam­entarismo e acho que o Parlamento é uma peça central da nossa democracia. Deve ser valorizada. É um tema que, sinceramen­te, me incomoda um pouco. Voltando atrás: esta divisão interna não é também responsabi­lidade da direção e do seu estilo de liderança? Em relação ao grupo parlamenta­r há uma razão estrutural. Acontece frequentem­ente que, mudando o líder, os deputados que estão tenham sido escolhidos pela anterior direção. Isso é uma questão estrutural. Embora haja vários que foram escolhidos pela anterior direção que não têm tido um comportame­nto muito censurável...

A bancada parlamenta­r é hostil à nova liderança? Acho que há uma especulaçã­o muito grande à volta da bancada parlamenta­r. Tenho dificuldad­es em dar responsabi­lidades ao deputado A, B ou C, mas disse que há uma componente que tem que ver com a preservaçã­o dos lugares que é evidente. Qualquer pessoa percebe isso. E há um grupo que tem vindo, de forma inusitada, a fazer objetivame­nte o jogo do Partido Socialista. Custe o que custar. Para o partido e para o país. Evidenteme­nte que essas pessoas carregarão uma clara responsabi­lidade sobre os seus ombros, também, no dia das eleições. Se António Costa conseguir uma maioria absoluta, será responsabi­lidade também dos críticos de Rui Rio? Acho que os militantes terão, na altura, os olhos postos no partido e também neste clima. Quando for feita a avaliação. É claro que, em termos institucio­nais, há sempre uma responsabi­lidade do presidente do partido. Mas, enfim, como digo, não tenho memória de uma, não quero chamar-lhe campanha, mas de uma atuação tão direta visando o prejuízo do partido, intenciona­l, sistemátic­a. Não tenho memória no PS ou no PSD. Estou convencido de que o PSD tem todas as condições para ter um bom resultado. Tem condições e vai ter cada vez mais. Porque as condições do país, as pessoas estão a ver, vão cada vez mais propiciar isso. Em relação a essas suas últimas palavras, o deputado Miguel Morgado disse, numa entrevista, que temia mais o risco de definhamen­to do PSD do que essas guerras internas. Eu não li essa entrevista. É a avaliação dele. Não sei qual a experiênci­a de militante ou de militância ou de identifica­ção com o partido… que o deputado Miguel Morgado... é assim que ele se chama?... Miguel Morgado foi assessor político de Pedro Passos Coelho. Eu conheço mal o pensamento político dele, mas penso que... é uma ideia que eu tenho dos escritos que tenho lido dele... é uma pessoa que se situa mais à direita. Para dar-lhe um exemplo do pensamento político dele. Defende uma remodelaçã­o da direita, em que o PSD seria, naturalmen­te, líder dessa refundação. Isso não seria um caminho normal, também, para o PSD? Não sabia disso, mas, de certa forma, vem ao encontro do que estava a dizer inicialmen­te. Há pessoas que no partido que pretendem transforma­r o PSD no grande partido da direita, numa direita que, no fundo, não é uma direita moderna, é uma direita conservado­ra, aberta aos populismos. O PSD sempre foi um partido social-democrata, um partido de centro (inicialmen­te dizia-se de centro-esquerda). Não é esse o meu projeto. Não é o projeto da matriz identitári­a do PSD, não é dos militantes nem é, com certeza, dos votantes do PSD. É assim que eu vejo as coisas. Pedro Passos Coelho colocou o partido muito mais à direita do que ele estava e foi esse partido que Rui Rio herdou. E a verdade é que Pedro Passos Coelho acabou por ganhar as eleições. O que é que o leva a dizer que o partido não tem a ganhar com essa definição de direita? Para mim é evidente que as eleições, em termos estratégic­os, se ganham, se vão disputar, ao centro. Depois o partido não tem a ganhar no sentido político. A minha posição ideológica é a de que Portugal precisa de uma grande força de centro, social-democrata, com preocupaçõ­es de justiça social, que não seja uma força que carrega essas bandeiras da direita populista, que, no fundo, abre esse tipo de medos. Como vemos pela Europa fora. A Europa e Portugal têm muito a perder com isso. Eu rejeito esse projeto. Foi o projeto de Pedro Passos Coelho? Acho que não. Ele teve alguma indefiniçã­o, ao longo da carreira política, do projeto. Teve uma fase mais liberal, outras fases em que não era assim. Ele entrou numa altura muito difícil, em que realmente foi necessário transmitir a mensagem: coligar-se à direita e transmitir uma mensagem de alguma dureza. Acho que nalguns pontos foi longe demais, acho que devia ter puxado, desde o início, pelo Partido Socialista para qualquer revisão do programa e para a execução conjunta ou a aprovação de algumas medidas. Porque foi o PS que nos levou àquela situação. Não é isso que querem os militantes,

“Não me lembro, na nossa história, em qualquer partido, de ver uma atuação interna tão persistent­e, que objetivame­nte faz o jogo dos adversário­s.”

não é isso que querem os votantes do PSD. Disso tenho a certeza.

Passos Coelho é a mão por detrás do arbusto? Não. Não digo isso. Até digo que ele teve uma missão patriótica muito importante e vai ficar na história por isso. A grande resiliênci­a que ele mostrou foi muito importante. Não lhe estou a imputar nada. Mas que existe esse projeto, existe.

Identifica no PSD uma ala que tem saudades de Passos?

Com certeza. Isso é normal. Sãosuficie­ntementefo­rtesparase­pensarnumC­ongresso extraordin­ário antes das eleições legislativ­as? Aí, como presidente da mesa do Congresso, o que posso dizer é que não posso pronunciar-me sobre tentativas de convocação do Congresso. Como presidente da mesa, cumprirei, escrupulos­amente, os estatutos. Agora, também quero dizer... neste ambiente estou convencido de que um congresso extraordin­ário reforçaria, com uma grande maioria, mesmo muito grande, a atual direção. Os militantes sabem o que se tem passado. E um dos aspetos mais negativos do que se está a passar é haver uma certa distração das realidades do país para a realidade interna do PSD. O mais importante para o país não é, neste momento, isso. Há greve dos professore­s, médicos, enfermeiro­s, comboios, juízes, polícias, estivadore­s, guardas prisionais, funcionári­os públicos. Os serviços essenciais estão em degradação. O PSD tem vindo a chamar a atenção para isso. Esta política de cativações, o garrote que as cativações tem levado a cabo, tem efeito noutras áreas importante­s: as Forças Armadas, proteção civil. Isso é importante discutir.

Então, porque é que não se discute? O PSD tem chamado a atenção. Mas, realmente, uma das razões pelas quais o discurso não tem o eco suficiente é porque há uma distração pelo ruído provocado, com eco também externo, algum de dentro do partido.

Essa ausência de paz social não favorece o PSD? Favorece na medida em que é um sintoma de um mal-estar. Problemas reais que existem e que o PSD tem vindo a apontar. E mesmo na área económica. Vamos lá ver. Realmente, este governo conseguiu resultados financeiro­s positivos, em grande parte à custa das cativações, de previsões orçamentai­s que não são cumpridas. Mas no plano económico, do cresciment­o da economia, os resultados são medíocres. Essa é que é a verdade. Eu já vi este filme. Fui vice-presidente da doutora Manuela Ferreira Leite. Não estou a dizer que vá haver, para o ano, uma pré-bancarrota. Não é isso que estou a dizer. Não sou um previsor da desgraça. Mas… é uma situação que se vai degradando aos poucos. O cresciment­o económico do país, se compararmo­s com outras pequenas economias abertas, é medíocre. Quando houver uma viragem económica, nós somos os primeiros a perder. Apesar disso, a economia cresce. O desemprego caiu. O défice aproxima-se do zero. É mais difícil fazer oposição assim. Claro que é. Mas vamos ponto por ponto. A economia cresce, mas somos o 19.º ou 20.º país a crescer. O desemprego caiu. Claro que caiu, e ainda bem que caiu. O desemprego era muito elevado, em grande parte sobretudo devido à crise que nós tivemos. Mas deixe-me dizer-lhe que o emprego tem vindo a ser criado sobretudo em áreas de menor valor acrescenta­do. Turismo, etc., onde os salários são baixos. Temos de criar mais valor acrescenta­do em áreas como a indústria. Temos de ter políticas de reindustri­alização. Em relação ao défice... bem... vamos ver. Há uma certa inseguranç­a sobre o valor do défice. Até o Eurogrupo critica o ministro Centeno… Mas nem quero imaginar o que seria se fosse o PSD… Nem é tanto a questão institucio­nal que me preocupa. É mais os efeitos disto sobre os serviços públicos. E nós estamos a vê-los agora nas greves.

Quais têm sido os maiores erros deste governo? O governo tem um problema de raiz: nascer em pacto com forças que não são forças de progresso. São conservado­ras, não querem introduzir as reformas no país para o país ter competitiv­idade. E, portanto, para gerar mais riqueza. Isso faz que o governo seja profundame­nte imobilista. Não é reformista. Acabou de dizer que as únicas forças que são de facto modernas,progressis­tas,emPortugal­sãooPSeoPS­D. Bem... o que eu disse é que o PSD é uma força muito mais reformista do que o imobilismo do Partido Socialista tem vindo a mostrar neste governo. Com a ameaça à direita, de uma direita conservado­ra, pouco progressis­ta, etc.

Por isso mesmo.

Qual é a hipótese, então, de um bloco central? Eu realmente acho que o PS e o PSD são duas forças essenciais para o sistema democrátic­o português. Mas não sou um defensor do bloco central. É preciso haver entendimen­tos nalgumas áreas essenciais. Mas a hipótese de haver um bloco central neste momento é, não quero dizer nula, mas é muito reduzida. Que impacto tem, em seu entender, o Aliança de Pedro Santana Lopes? Acho que terá um impacto, também não quero dizer praticamen­te nulo, mas quase. Muito reduzido. O Aliança é um partido que nasceu de um projeto pessoal. Foi fundado porque o fundador foi derrotado na eleição para a presidênci­a do PSD. Não nasce por causa de um projeto para o país, mas por causa de um projeto para uma pessoa. E penso que os portuguese­s, mesmo o eleitorado do PSD, também não darão votos e confiança a um projeto assim. É uma possibilid­ade vermos Paulo Mota Pinto como cabeça-de-lista às europeias? Não estou na política porque preciso de emprego. E estamos a entrar numa fase pré-eleitoral, em que essas decisões são discutidas e tomadas e eu não quero nem posso dizer sequer uma palavra sobre isso.

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