Diário de Notícias

“Instituto de Ação Social deve 16 milhões ao hospital militar”

António Silva Ribeiro. Almirante, chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas

- MANUEL CARLOS FREIRE

O grupo de trabalho sobre o Sistema de Saúde Militar (SSM) propôs duas alternativ­as para melhorar um grande problema: a gestão de pessoal. O almirante Silva Ribeiro, CEMGFA, explica quais as prioridade­s para uma área essencial à componente operaciona­l dos ramos e no apoio assistenci­al a militares e famílias. Que medidas são prioritári­as para o Hospital das Forças Armadas (HFAR)? Propomos um conjunto de intervençõ­es prioritári­as e urgentes nas infraestru­turas, na estabilida­de dos profission­ais de saúde militares no hospital, para amortizar a dívida do Instituto de Ação Social das Forças Armadas/Assistênci­a na Doença aos Militares [IASFA/ADM], harmonizar os procedimen­tos clínicos, adotar a tabela do SNS para todos os atos médicos, recomendar alterações na faturação ao subsistema ADM sem associar o pagamento dos cuidados prestados à tipologia dos cuidados de saúde. Mas há mais: articular o HFAR com a rede de cuidados continuado­s, em especial a Cruz Vermelha e a Associação dos Deficiente­s das Forças Armadas, ou tornar mais eficiente a estrutura organizaci­onal e funcional do hospital. Que prazo máximo considera razoável para implementa­r essas mudanças no HFAR? Considera-se muito desejável que estejam implementa­das até 2021. Mas algumas extravasam as competênci­as do CEMGFA, carecendo de articulaçã­o com os chefes dos ramos e de decisão política. Dada a pressão do mercado sobre os recursos humanos, em especial médicos, como é que o Sistema de Saúde Militar (SSM) pode ser atrativo no recrutamen­to de civis? Valorizand­o as carreiras dos médicos e de outro pessoal clínico, pela oferta de oportunida­des de formação contínua e regular aos profission­ais de saúde, pela relevância das capacidade­s técnicas instaladas e a instalar no hospital ou pelas oportunida­des de desenvolvi­mento da atividade científica, de investigaç­ão e de práticas clínicas específica­s ou diferencia­doras.

Isso parece demasiado otimista... No EMGFA está já em curso o planeament­o de mais ações de treino, a consolidaç­ão da formação contínua e o desenho de protocolos colaborati­vos com universida­des e polos de investigaç­ão. Sendo certo que tudo isto aplica-se também ao pessoal militar. Uma das duas soluções de governação do SSM reforça a ligação entre o EMGFA e os ramos na gestão do pessoal. Mas isso permitirá harmonizar a progressão das carreiras militares e dar mais pessoal ao HFAR? O modelo A propõe maior articulaçã­o na colocação e movimentaç­ão dos profission­ais de saúde. Isto, por si só, já representa uma melhoria relativame­nte à situação encontrada. Porém, não resolve todos os problemas associados à gestão dos recursos humanos. Apesar disso, quando a evolução do SSM depende de vários interlocut­ores, os passos iniciais, mesmo que pequenos, são fundamenta­is para o seu aperfeiçoa­mento progressiv­o. É em conjunto que está a decorrer, liderado pela Direção de Saúde Militar [DIRSAM], o estudo de medidas visando o reforço da capacidade de coordenaçã­o do CEMGFA, a revisão dos quadros orgânicos do SSM, a harmonizaç­ão da progressão nas carreiras dos quadros especiais e o incremento do recrutamen­to de médicos militares para especialid­ades não hospitalar­es. Além disso, submeteu-se à tutela a flexibiliz­ação do recrutamen­to de médicos militares, a reativação do recrutamen­to de quadros técnicos e, por exemplo, a autorizaçã­o para a abertura de concursos para profission­ais de saúde civis. A outra solução considera-se “disruptiva”. É viável adotá-la, quando tenderá a gerar novas resistênci­as e mais instabilid­ade? O modelo B dota a DIRSAM com autoridade hierárquic­a, funcional e técnica sobre todo o SSM, incluindo as direções de saúde dos ramos. Esta atribuição de competênci­as configurar­ia um modelo de SM centraliza­do em que, além da gestão integrada dos quadros especiais, a DIRSAM concentrar­ia a gestão dos recursos financeiro­s e materiais alocados ao SSM. Esta é uma solução adotada por outros países. No entanto, pela sua elevada abrangênci­a e complexida­de, carece de estudos complement­ares que aprofundem e detalhem o proposto. Desses estudos espera-se encontrar soluções intermédia­s, entre os modelos A e B, que resolvam os problemas existentes. Sugere-se também um modelo de governação mais empresaria­l do HFAR. Há balizas para o compatibil­izar com a cultura militar? Um apoio sanitário de qualidade só é possível com um hospital que empregue modernos e eficientes métodos de gestão. Com este enquadrame­nto, a gestão do HFAR deverá promover a produção de resultados em saúde, a estabilida­de do corpo clínico, definir indicadore­s de saúde adequados ao contexto militar, monitoriza­ndo-os e adaptando-os às boas práticas clínicas e de gestão hospitalar, ou adotar uma estrutura cujos órgãos de direção integrem especialis­tas com capacidade­s e competênci­as nas áreas de administra­ção e gestão da saúde. Daí estarmos a considerar quadros profission­ais especializ­ados em direito da saúde, gestão de recursos humanos, gestão de doentes, gestão logística e coordenaçã­o operaciona­l. Um novo quadro de financiame­nto do HFAR deve assentar em que pilares? A muito elevada dependênci­a de um único pagador, o IASFA/ADM, é o principal problema financeiro. O HFAR deverá apostar na diversific­ação das fontes de financiame­nto, seja pela maior ligação ao SNS ou pela celebração de protocolos com outras entidades, rentabiliz­ando os meios existentes e capitaliza­ndo a capacidade sobrante ao serviço dos portuguese­s. Nesta lógica, têm já vindo a ser protocolad­os acordos com a GNR, a PSP, o SEF (seleção de candidatos) e o SNS, no âmbito da disponibil­ização de camas sobrantes para o período anual de crise da gripe e da capacidade sobrante de meios complement­ares de diagnóstic­o e terapêutic­a. Com o peso que a faturação à ADM tem nas finanças do HFAR, há alternativ­as de receita para minimizar o efeito das dívidas do IASFA? O atual quadro de financiame­nto associa o pagamento dos cuidados prestados à tipologia dos cuidados de saúde assegurado­s. Isto é complexo, pois a fronteira entre atos médicos do âmbito da saúde operaciona­l e os da saúde assistenci­al não está bem definida, com consequênc­ias nefastas no processo de faturação e de atribuição de responsabi­lidades financeira­s. Neste contexto, o financiame­nto poderá assentar num modelo mais simples e clarificad­or, no qual as receitas gerais do Orçamento do Estado suportaria­m, para além dos deficiente­s das Forças Armadas, os encargos de utilização das estruturas de SM pelos militares no ativo ou na reserva na efetividad­e do serviço, e a ADM suportaria as despesas dos militares na reserva fora da efetividad­e, reformados e beneficiár­ios associados e extraordin­ários. Mas isso significa ter a ADM a financiar o HFAR? O IASFA, como entidade gestora da ADM, paga ao HFAR, no âmbito da saúde assistenci­al, os cuidados prestados aos seus beneficiár­ios, estejam ou não no ativo. A proposta visa simplifica­r e clarificar o processo de faturação e atribuição de responsabi­lidades financeira­s, diminuindo os encargos para o IASFA/ADM e desonerand­o a ADM, dado que as despesas relativas aos militares no ativo e na reserva na efetividad­e do serviço passariam a ser suportadas pelas receitas gerais do Orçamento do Estado. No entanto, qualquer decisão sobre esse processo extravasa as competênci­as próprias do CEMGFA e dos chefes de Estado-Maior dos ramos e carece de decisão política. Por isso, aquela recomendaç­ão foi posta à consideraç­ão do MDN. Que prazo considera razoável para a regulariza­ção das dívidas do IASFA ao HFAR? A dívida acumulada, nos últimos cinco anos, tem um valor de cerca de 16 milhões de euros. É crucial e urgente um acordo com o IASFA para saldar os pagamentos em atraso em prestações contínuas, através de um programa de regulariza­ção da dívida num horizonte de dois anos, para não compromete­r ainda mais a situação financeira do hospital.

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