Diário de Notícias

O ministro disse pouco sobre o diesel

- Catarina Carvalho

O ministro do Ambiente foi criticado por ter dito, numa entrevista mas dirigindo-se aos portuguese­s, que esquecesse­m os carros a diesel, que daqui a quatro ou cinco anos não teriam valor de mercado. Foi pouco o que disse o ministro. E, diga-se, atirou ao alvo errado. Na verdade, um ministro do ano de 2019 não precisava de se preocupar com os valores de mercado de um carro a gasóleo. Pela qualidade de vida dos seus eleitores, um ministro do Ambiente, no ano de 2019, devia ir mais longe, dizendo quando e como pretende o governo de que faz parte limitar as vendas e a circulação de carros a diesel. Ou de carros a gasolina, já agora. Ou como vai fazer para embaratece­r os elétricos e massificar a sua utilização. “Qual é o plano?” era a pergunta que se impunha, a um ministro do Ambiente, no ano de 2019, e na semana em que mais uma tempestade pôs Portugal em alerta vermelho. Em que as temperatur­as atingiram nos Estados Unidos recordes negativos, a ponto de congelar o café nos copos. E, na Austrália, recordes positivos a ponto de fazer amolecer gelados mal saem das lojas. Mas no pequeno Portugal de 2019 nada disto foi perguntado ao ministro. Pelo contrário, houve quem achasse que ele devia ter estado calado. Ou não ter falado deste assunto. Choveram críticas, não por o ministro ter dito uma lapalissad­a, mas por ter afirmado… uma verdade inconvenie­nte. E todos os ataques chegaram dos lugares onde essa verdade é mais inconvenie­nte. Com pouca vergonha e muito facciosism­o. Com muita política de interesses e pouca honestidad­e intelectua­l. Em Portugal, continuamo­s a assobiar para o lado. Achamos que nos protege o mesmo português suave que nos leva a dizer que “um” ministro não pode, não deve dizer certas coisas. Numa espécie de pensamento mágico, achamos que se não se falar das coisas elas não acontecem. Olhamos com pavor para todos os sinais do tempo a mudar, mas depois criticamos um ministro, ainda por cima do Ambiente, que chama a atenção para eles. Gostamos de rir, ou ironizar, sobre a ignorância do outro lado do Atlântico, com mais um tweet de Trump sobre o frio – “Que raio se passa com o aqueciment­o global? Por favor volta depressa, precisamos de ti” –, mas depois chocamo-nos quando um ministro, ainda por cima do Ambiente, revela conhecimen­to realista e moderno sobre o assunto. No estado em que nos encontramo­s, do ponto de vista do clima, será pouco tudo o que fizermos e de mais tudo o que não fizermos e não dissermos. Todos os sinais indicam que poderemos não ter tempo para mudar, mesmo com as metas que traçámos – um estudo da Greenpeace diz que, para cumprirmos a meta de aumentar apenas 1,5 graus à temperatur­a terrestre, os carros vendidos nos EUA tinham de reduzir-se de 15 milhões para cinco milhões em 2022. E, em 2028, produzir-se-ia o último carro a diesel. Para já, as regras europeias estão a apontar para 2030 o começo da quebra. Já há muitas cidades a limitar a circulação de carros a gasóleo, e algumas estão tão perto de nós como Madrid. Isto porque, de facto, além das emissões, descobriu-se que este combustíve­l produzia partículas que afetavam diretament­e a saúde humana. Entretanto, os carros evoluíram, e fazem menos mal. Mas isso não quer dizer que os defendamos. Como dizia o escritor americano Jonathan Franzen, num ensaio publicado no The Guardian, “o aqueciment­o global é o assunto do nosso tempo, o maior assunto da história da humanidade. O nosso mundo está destinado a mudar em grande escala, de forma pouco previsível e na maior parte das coisas para pior”. Seria bom que olhássemos de frente este problema, em vez de criticar os que o fazem.

No estado em que está o clima, será pouco o que fizermos e muito o que não fizermos, e sobretudo o que calarmos.

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