Enfermeiros ameaçam levar greves até às eleições
Com as posições extremadas, Associação Sindical dos Enfermeiros equaciona a hipótese caso não haja abertura do governo para negociar. Braço-de-ferro vem já desde novembro.
Com posições extremadas, Associação Sindical dos Enfermeiros equaciona a hipótese caso não haja abertura do governo para negociar. Braço-de-ferro já vem desde novembro.
Asegunda greve cirúrgica dos enfermeiros dura há três dias e as posições estão cada vez mais extremadas. Se de um lado o governo admite usar todos os meios legais para travar esta paralisação, referindo-se à requisição civil, com o primeiro-ministro, António Costa, a apelidar as greves cirúrgicas de “selvagens” e “ilegais”, já do lado dos enfermeiros admite-se a possibilidade de prolongar o protesto até às eleições legislativas de outubro.
Esta é, pelo menos, uma possibilidade que está a ser equacionada pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), uma das estruturas sindicais que convocaram a greve às cirurgias programadas. “Está a ser apreciado em reunião da direção da ASPE e, seja qual for a decisão que for tomada, não vai ser pública até o momento em que se se concretize. É verdade que o assunto está em cima da mesa”, admite ao DN Lúcia Leite, presidente da ASPE.
Para a dirigente sindical o objetivo é, e sempre foi, negociar com o governo, e quanto mais cedo isso acontecer, mais cedo acaba a paralisação. “Se a greve tem como objetivo obrigar o governo a negociar com os enfermeiros, o que estamos a prever é que ao fim destes dias de greve sejam precisos mais para que o governo se decida a negociar”, explica.
Na passada quarta-feira, sindicatos e o Ministério da Saúde não chegaram a acordo. Faltou consenso sobre o aumento do salário-base, de 1200 para 1613,42 euros em início de carreira, a antecipação da idade de reforma para os 57 anos com 35 de serviço e o descongelamento das progressões para todos os enfermeiros. Partiu-se, então, para a segunda greve nos blocos operatórios, suspensa devido às negociações, que abrange o Centro Hospitalar São João (Porto), Centro Hospitalar e Universitário do Porto, Entre o Douro e Vouga, Gaia/Espinho, Tondela/Viseu e os hospitais Garcia de Orta (Almada) e Braga.
Acusações de Costa “lamentáveis”
O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), que a par com a ASPE convocou as greves cirúrgicas, não admite a hipótese de levar o protesto até às eleições legislativas , mas está “disposto a continuar a luta”. “A greve vai prolongar-se até 28 de fevereiro, depois voltaremos a avaliar a situação e tudo vai depender da disponibilidade do ministério para dialogar e negociar de uma forma justa”, afirma Carlos Ramalho, presidente do Sindepor. “Se se chegou a este ponto foi porque houve um acumular de muitos anos de injustiças de incerteza e até mesmo de falta de diálogo. Só chegamos a este ponto porque os sucessivos governos, e nomeadamente este, nunca mostraram abertura para dialogar a sério”, lamenta.
As vozes contra a luta destes profissionais de saúde e a sua duração não se fizeram esperar, atingindo o ponto máximo com as declarações do chefe do governo. “Não podemos confundir aquilo que é o exercício da atividade sindical, o exercício legítimo do direito à greve com práticas que não são de greves cirúrgicas, mas são greves selvagens, que visam simplesmente atentar contra a dignidade dos doentes e contra as funções do Serviço Nacional de Saúde, que são absolutamente ilegais e em relação às quais as instituições não podem ficar impassíveis”, acusou António Costa.
Declarações “absolutamente lamentáveis”, reage o presidente do Sindepor. “Afirmações injustas e injustificadas”, adianta ainda Carlos Ramalho garantindo, tal como a presidente da ASPE, que os serviços mínimos estão a ser garantidos. “Esta greve é em tudo semelhante à anterior, que nem era ilegal nem foi selvagem”, afirma, referindo-se à paralisação que decorreu de 22 de novembro até ao final de dezembro do ano passado, tendo sido adiadas mais de 7500 cirurgias.
Para este novo protesto, o primeiro-ministro admitiu que o governo irá recorrer a todos os meios legais para travar a greve, e avançou ser necessária uma clarificação sobre a forma de financiamento das greves, referindo-se ao movimento de enfermeiros, denominado Greve Cirúrgica, que criou uma plataforma de crowdfunding. Angariou 360 mil euros para a primeira para a primeira greve e mais de 420 mil euros para a que está a decorrer.
Juristas dizem que greve é “ilícita”
Carlos Ramalho diz que os sindicatos nada têm que ver com esta recolha de fundos e que se trata de “uma resposta solidária dos enfermeiros”. “Nunca se pagaram greves”, sublinha.
Certo é que a ministra da Saúde, Marta Temido, já tinha admitido a hipótese de recorrer a meios jurídicos para combater esta nova greve, que “convoca para uma reflexão sobre questões éticas, deontológicas e sobre o exercício do direito à greve”, observou em entrevista à RTP.
Contactados pelo DN, vários juristas consideram que o governo pode declarar ilícita a greve, e com isso recorrer da decisão dos serviços mínimos. Jorge Reis Novais, constitucionalista e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, afirma que a greve “é ilícita” e aponta duas razões: “Os serviços mínimos não garantem necessidades sociais de satisfação impreterível, e por outro lado é uma greve self-service, o que é uma fraude à lei.” Também Maria do Rosário Ramalho, do Instituto do Direito do Trabalho, considera que esta greve suscita “um problema de licitude”. Considerando que os serviços mínimos são “o recurso que a lei prevê para combater o direito à greve”, Rosário Ramalho alerta para o facto de serem outros os meios de recurso quando a greve é ilícita, dando lugar a “procedimentos disciplinares”.
No meio deste braço-de-ferro, e mesmo sem comentar em concreto a greve cirúrgica, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fez ontem um apelo aos enfermeiros: para que se pese o custo social das paralisações. Falou “genericamente” para quem exerce “o seu legítimo direito de greve”, considerando que “devem pensar, sobretudo quando se trata de processos muito longos no tempo, a vantagem que retiram do ponto de vista da defesa dos seus direitos e a desvantagem que se traduz na reação dos portugueses que são mais diretamente atingidos nesses processos”.