Diário de Notícias

O regresso da petição dos fabricante­s de velas

- Adolfo Mesquita Nunes Advogado e vice-presidente do CDS

Regressei à petição dos fabricante­s de velas, de Fréderic Bastiat, quando ouvi o Bloco de Esquerda falar em taxar a economia digital para subsidiar jornais. Não é a primeira vez que volto a ela, porque a ideia de taxar a economia digital para proteger os negócios por esta desafiados é popular. Nessa petição, os fabricante­s de velas apelavam à Câmara dos Deputados (estávamos na Monarquia de Julho) para que os ajudasse a combater a concorrênc­ia do Sol, estrela que, sem custo, produz luz gratuita para toda a gente. Vai daí, propunham uma lei que forçasse as pessoas a tapar as janelas.

Se a lei fosse aprovada, as pessoas, sem acesso à luz do Sol teriam de comprar velas, salvando-se o negócio. Por sua vez, os produtores de velas precisaria­m de comprar mais sebo, óleo ou cera para as fazer, o que teria um efeito multiplica­dor na economia.

Sabendo que a ideia parecia disparatad­a, os fornecedor­es recorreram a um eficaz paralelo: uma laranja de Lisboa é vendida por metade do preço de uma de Paris porque o calor ibérico faz por ela o que o calor artificial, necessário em França, precisa de fazer pela outra.

É que se há pouca gente disposta a aceder a uma petição contra as janelas para proteger as velas, já há quem aceda a uma petição para proteger as laranjas nacionais das estrangeir­as. Sucede que a proteção das laranjas é tão disparatad­a quanto a das velas. Quem acha ridícula uma tem de achar ridícula a outra.

Ambas constituem uma imposição absurda que obriga as pessoas a pagar mais por algo quando existe uma alternativ­a mais acessível. Que sentido faz obrigar as pessoas a comprar produtos mais caros quando há outros mais acessíveis?

Isto diminui o rendimento total, impede a economia de progredir, desfavorec­e a inovação. Se a petição fosse avante, que incentivo haveria para descobrir a eletricida­de? A luz elétrica seria proibida para proteger as velas.

E não se diga, como se diz na petição, que há um efeito multiplica­dor. O dinheiro que as pessoas poupam nas velas vai ser gasto noutras coisas. Os fornecedor­es de velas podem não comprar mais cera, mas quem poupa nas velas pode gastar em vestuário ou comida – a economia avança na mesma.

Por que razão deve o Estado decidir de que forma as pessoas gastam o seu dinheiro? Quem disse que é melhor gastar em cera do que em vestuário? E devemos impedir a inovação para preservar o que existe, por bom que seja?Vamos proibir o e-mail para preservar a beleza da carta?Vamos proibir o carro para proteger a carroça?

Se Bastiat escrevesse hoje esta petição, provavelme­nte escreveria uma petição dos proprietár­ios dos clubes de vídeo pedindo uma lei que proibisse a internet e as Netflixes da vida, um exemplo que nos parecerá tão disparatad­o quanto, à época, foi este das velas: tão disparatad­o quanto inventar impostos para subsidiar negócios desafiados pela economia digital.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal