Campanha de 2015 foi “negativa” mas passou no teste
Os líderes partidários dominam a informação. Os cidadãos pouco são ouvidos. Há conflito, antagonismo, controvérsia. Na campanha de 2015 falou-se mais das características de Passos Coelho e de António Costa do que da crise. Mas, ao contrário do que aconteceu noutros países, o populismo não cresceu.
Para um otimista, é reconfortante saber que só em 0,1% das notícias publicadas durante a campanha de 2015, em Portugal, havia referências a um dos temas que estão no topo do antagonismo político nos maiores países europeus: o conflito religioso, o islamismo, a desconfiança face a uma minoria. Já um pessimista olhará para outro destes números com preocupação. A campanha eleitoral, nos media, é uma espécie de “corrida de cavalos”. Só 3,8% das histórias citaram cidadãos fora das máquinas eleitorais. 65,9% da informação centrou-se nos líderes partidários.
Estas são algumas das conclusões agora publicadas no livro Campanhas Mediáticas e Populismo na Europa (Mediated Campaigns and Populism in Europe, Palgrave, 2019), editado pela cientista política portuguesa Susana Salgado, investigadora do ICS-UL.
O livro estuda as campanhas eleitorais mais recentes em seis países europeus – os mais afetados pela crise do euro (Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda), e dois que tiveram eleições no mesmo período e onde o populismo estava em crescimento (Polónia e Croácia) – e procura perceber de que forma este discurso se alimentou da fragilidade económica e social dos eleitores. “Comparando com os outros países incluídos no estudo, na campanha das legislativas de 2015 em Portugal houve muito menos recurso a retórica populista”, diz Susana Salgado ao DN.
O título do capítulo que escreveu sobre Portugal realça uma “negatividade intrínseca” na campanha eleitoral. Quase dois terços da opinião publicada em jornais, sites noticiosos e TV são de “tom negativo”. Ou seja, controvérsia, conflito entre políticos. Isto resulta de uma tradição local, em que os artigos de opinião não são sujeitos (como nos media anglo-saxónicos) a edição por parte dos meios de comunicação. Resulta ainda de uma outra característica portuguesa: a importância principal que os media atribuem aos partidos e aos seus líderes na campanha.
Sobretudo aos seus líderes, que são a fonte principal das notícias de campanha (58,6%). A segunda fonte mais usada pelos media são os outros dirigentes partidários, candidatos a deputados (17,2%). A terceira são os “especialistas”, analistas, comentadores. E só em quarto lugar surgem os cidadãos, ouvidos em 3,8% das notícias de campanha.
Não foi a crise a dominar a campanha
Isto tem outro efeito. Cerca de 41% das notícias têm, também elas, um tom negativo, de controvérsia. Isto leva a que a campanha pareça ser, mais do que um momento em que os eleitores ponderam uma escolha de propostas, um “diálogo
Líderes partidários são a fonte principal das notícias de campanha (58,6%). Cidadãos só aparecem em 4.º lugar (3,8%).
entre adversários”. Segundo o estudo, o tom negativo é mais visível no jornalismo online. A televisão acrescenta outro detalhe: é mais interpretativa na forma de noticiar, explica a autora.
O resultado é uma personalização evidente das notícias. Pedro Passos Coelho e António Costa foram muito mais importantes do que as suas propostas, nas notícias. “A menção simples ou a discussão de características pessoais, como competência, liderança, credibilidade e confiabilidade, moralidade e veracidade, habilidades retóricas, aparência física, posições ideológicas, carisma ou aspetos da vida pessoal dos candidatos, foram encontradas em 30,1% das notícias. Isso foi muito mais “o tema” da campanha do que aqueles que pareciam ser os mais importantes, como a própria austeridade (15,9% das notícias), ou a situação social (11,6% da cobertura noticiosa). Também a “estratégia dos partidos” e os ecos das suas divisões internas rivalizaram com a importância da crise (13,3% das notícias).
“O dado mais relevante sobre Portugal foi relacionado com a cobertura das consequências da crise do euro e das medidas de austeridade: só esteve presente em cerca de 25% da cobertura da campanha. Dado o peso destes temas no período que antecede as eleições, esperava-se que tivessem sido mais debatidos, quer pelos partidos quer pelos jornalistas”, nota Susana Salgado.
Um “teste importante”
Não por defeito mas por feitio, explica Susana Salgado ao DN, as campanhas vistas pelos media são muito mais do que um exercício de curiosidade. “Na generalidade dos casos, a cobertura jornalística centrou-se sobretudo nas iniciativas dos partidos, nos conflitos interpartidários e nos resultados das sondagens de opinião. Não houve uma grande aposta no debate dos temas sociais e económicos mais prementes e na cobertura das consequências da crise.”
Quando em Espanha, por exemplo, o debate sobre o bipartidarismo surgiu nos media (dando espaço a propostas de partidos recém-criados, como o Podemos ou o Ciudadanos), em Portugal, conclui Susana Salgado, “o sistema partidário manteve-se estável apesar da crise e da austeridade”. Não foi isso que aconteceu nos outros países deste estudo – onde o populismo cresceu. O PDR de Marinho e Pinto e o PNR, de extrema-direita, surgem classificados neste estudo como partidos que usaram as tradicionais estratégias populistas. Ambos falharam, é a conclusão. “Não surgiram propostas e discursos alternativos credíveis o suficiente para convencer os eleitores. Isso não significa obviamente que novos partidos (populistas ou outros) não possam surgir e evidenciar-se no futuro. Em 2015 não foi isso que aconteceu”, ressalva Susana Salgado.
E a eleição de 2015, em Portugal, era vista como “um teste importante ao sistema político tradicional”. Era um período, como o livro sublinha, de “desilusão com as elites e os representantes políticos e também de grande incerteza económica”.
Acabou por ser também uma campanha eleitoral em que se viveu uma “quase completa ausência de sinais de populismo na comunicação política, na cobertura mediática”. Aquele otimista do início valorizará esta frase. Já o pessimista perguntará se terá sido essa a última vez.