Patrões não negoceiam com motoristas em greve
Falta de proposta concreta bloqueou negociações. Motoristas decidem hoje. Governo em gabinete de crise pronto para chamar militares. Bombas de emergência a 100%. Quem são os voluntários que avisam onde ainda há gasolina.
Leiria, Olhão, Aveiras. Nestas três localidades decorrerão hoje plenários de trabalhadores convocados pelas duas estruturas que marcaram a partir da próxima segunda-feira uma greve por tempo indeterminado dos motoristas de matérias perigosas, o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM).
Motivo da greve: a exigência de aumentos graduais no salário-base até 2022: 700 euros em janeiro de 2020, 800 euros em janeiro de 2021 e 900 euros em janeiro de 2022, o que, com os prémios suplementares que estão indexados ao salário-base, daria 1400 euros em janeiro de 2020, 1550 euros em janeiro de 2021 e 1715 euros em janeiro de 2022.
A primeira reunião, a de Leiria, que decorrerá no estádio municipal, está marcada, segundo a agenda da Lusa, para se iniciar pelas 09.30. O que está em cima da mesa é deliberar se se mantém ou não a greve marcada para começar no dia 12.
Para meia hora depois o primeiro-ministro convocou para São Bento diversos ministros com “tutela” nesta situação. Uma reunião de emergência que juntará a António Costa, os ministros dos Negócios Estrangeiros (Augusto
Santos Silva), da Defesa ( João Gomes Cravinho), da Administração Interna (Eduardo Cabrita), Trabalho (Vieira da Silva), Ambiente ( João Pedro Matos Fernandes). A princípio, a informação dizia que o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, de férias, não estaria na reunião, fazendo-se representar por um seu secretário de Estado, Jorge Delgado. O ministro, porém, mudou de ideias. Hoje estará também em São Bento – disse-o o próprio ao DN, já perto da hora do fecho desta edição.
A reunião não tem hora para terminar. Foi convocada, segundo fonte do gabinete do PM, para “coordenar os trabalhos do governo para fazer face aos efeitos da greve dos motoristas”. Uma certeza: António Costa falará no fim.
Todos os passos dados pelo governo ao longo desta semana foram no sentido de ir criando uma sensação de crescente dramatização do problema. Na segunda-feira, o ministro das Infraestruturas – que depois se retirou do espaço público – fazia apelos ao diálogo entre os sindicatos grevistas e os respetivos patrões (representados pela Antram, a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias). Mas a associação recusava dialogar com os sindicatos enquanto estes mantivessem o pré-aviso de greve; e os sindicatos, por seu turno, recusaram retirá-lo. Situação bloqueada. E começou a escalada (ver cronologia). Para isso serviu a informação, por exemplo, de que há mais de 500 elementos das forças de segurança e das Forças Armadas – a esmagadora maioria agentes da PSP e GNR – aptos para conduzir camiões de combustível em substituição dos grevistas. O estado de crise energética decretado pelo governo permite esta mobilização. O Expresso avançou inclusivamente que estão contingentes preparados para eventuais situações de bloqueios no trânsito que venham a ser criados pelos grevistas (sendo que nenhum dos sindicatos grevistas falou em tal iniciativa).
Para a dramatização contribuíram também as notícias, a partir de quinta-feira, dando conta de postos de combustível já esgotados. Ontem, o governo disse, em conferência de imprensa, que desencadeará imediatamente requisição civil se os serviços mínimos não forem cumpridos. Para isto concorreu um parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República considerando que os serviços mínimos decretados pelo governo não são excessivos.
Tranquilidade na geringonça
Ao mesmo tempo que ia gerindo a comunicação de forma a criar uma sensação crescente de dramatização, o governo preocupou-se também em manter os partidos da geringonça do seu lado, dentro do possível. O PCP fez um discurso do género uma no
cravo, outra na ferradura. Por um lado, solidarizou-se com os trabalhadores e com os motivos da greve. Mas ao mesmo tempo afirmou que a paralisação estava a ser “impulsionada por exercícios de protagonismo e por obscuros objetivos políticos”, procurando “atingir mais a população do que o patronato”. “Uma ação cujos promotores se dispõem para que seja instrumentalizada para a limitação do direito à greve”, disseram os comunistas, em comunicado. A Fectrans, próxima do PCP, foi a única das três estruturas sindicais do setor que não convocou greve.
O BE também foi moderado nos protestos – passando aliás a maior parte do tempo em silêncio total, sobretudo depois de o governo ter divulgado que os serviços mínimos poderiam ter de abranger cem por cento dos trabalhadores em greve (para o abastecimento, por exemplo, da REPA, a Rede de Emergência de Postos de Abastecimento).
Questionada sobre a declaração de crise energética, a líder do BE disse ontem que, embora haja “algumas medidas que parecem claramente exageradas face às necessidades”, “o governo terá de fazer o que for fundamental para o país funcionar em setores essenciais”. Portanto, há que “compreender” que haja “medidas fundamentais que têm de ser tomadas num setor tão sensível”.
No seu entender, este caso revela que há “muita gente com vontade de ter uma crise”, mas “poucas pessoas concentradas” na solução para os motoristas”. Ou seja: o que “importa é garantir que estes trabalhadores têm um contrato coletivo de trabalho segundo o qual a sua remuneração seja digna e com descontos para acautelarem a sua carreira contributiva”. “Em vez de estarmos a criar crise, era bom estar toda a gente a fazer a negociação necessária para a solução do problema.”
O ministro Pedro Nuno Santos estava para não participar hoje na reunião de emergência em São Bento. Ontem à noite mudou de ideias.