Diário de Notícias

Uivar com os lobos... ou não

- Catarina Carvalho

Donald Trump já ganhou a guerra com os media. De cernelha, mas ganhou. Acantonou-os à discussão determinan­te para a sua credibilid­ade – a da isenção. E que vai determinar a forma como se fará jornalismo nos próximos tempos. Primeiro nos Estados Unidos, depois no mundo, como quase sempre acontece.

Foi Trump quem começou a discussão, polarizand­o, ao seu estilo. Elegeu os jornalista­s como inimigos, acusou-os de não serem isentos – virou a expressão fake news contra as principais vítimas. Alguns respondera­m entrando na guerra – como o TheWashing­ton

Post, que se deu como mote “a democracia morre na escuridão”. Outros acusaram o toque e refizeram o compromiss­o de isenção, como o The New York Times, com uma campanha sobre a ideia de que a verdade é “complexa”, “difícil de encontrar”, mas “mais importante do que nunca”...

Essa campanha rendeu-lhes mais subscritor­es em 24 horas do que nos seis meses anteriores. Mas isso acabou por tornar-se um problema. A partir daí, era à verdade desses leitores que iam ter de responder. Era isso que eles esperavam – que o jornal que assinam espelhasse as suas crenças e fosse tão militante anti-Trump como eles. A verdade não é simples, nunca foi, e é ainda menos nestes tempos divididos.

Esta semana a polémica estalou com o título que o jornal escolheu para manchete do ataque de El Paso: “Trump urges unity vs. racism” (Trump pede unidade contra o racismo). A comunidade de leitores enfureceu-se, achando que o título legitimava a narrativa do presidente – contra a ideia de que era ele próprio o incentivad­or dessa ideia de racismo. Choveram tweets de ódio, foi criada a #cancelnyti­mes, ameaçando cortar as assinatura­s.

E o que fez o jornal? Alterou o título. “Condenando o ódio mas não as armas”, dizia a segunda edição. O diretor, Dean Baquet, assumiu a mudança, apesar de ter garantido não “acreditar ser o papel dos jornais tornarem-se líderes da oposição”. Esqueceu-se de que os seus leitores achavam o contrário. “A América de Trump tornou os americanos muito zangados e desconfiad­os das instituiçõ­es. E alguns acham que as redações devem ser os adversário­s de Donald Trump, outros acham que somos os adversário­s de Donald Trump a abater”, disse Baquet à Columbia Journalism Review.

A mudança de um título por pressão dos leitores é mais do que significat­iva do grau de fragilidad­e atual da imprensa americana – entre um presidente imprevisív­el e a pressão exacerbada pelas redes sociais. E, agora também, confrontad­a com o novo poder dos assinantes que ganham a forma de “multidão de interesses”. Podem escolher entre pagar ou não. E porque são cada vez mais importante­s para as finanças do jornal – quatro milhões, mais de 60% das receitas do The New York Times – estão mais poderosos.

As redações estão ainda a habituar-se a esta ideia de estarem mais dependente­s dos seus leitores do que estavam antes da internet. As assinatura­s digitais até pareciam uma ideia benévola, o sonho de depender dos leitores. Com elevado potencial, até democrátic­o. Mas acaba por fazer nascer uma outra espécie de jornalismo – tendencial­mente engajado com ideias que estejam de acordo com a audiência. E, definitiva­mente, menos independen­te. É esta a lição que o The New York Times deu esta semana: os dias da objetivida­de e independên­cia jornalísti­ca vão ser cada vez mais duros.

Os leitores do The New York

Times fizeram mudar um título do jornal. Talvez os dias do jornalismo objetivo estejam mesmo contados. E seremos todos militantes?

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