Diário de Notícias

A (ex-)coligação de direita

Nesta legislatur­a, a direita votou ainda menos para o mesmo lado do que no passado. CDS e PSD não se entenderam e mantiveram a ideia de uma coligação cada vez mais longe.

- ANTÓNIO DIAS (IPRI-UNL e ICS-UL) e ELISABETTA DE GIORGI (Univ. Trieste)

No final de 2015, alguns analistas e comentador­es políticos, inclusive políticos de direita, previram a fusão da direita portuguesa ou pelo menos a formação de dois blocos partidário­s polarizado­s, um à esquerda e outro à direita. Isto devido também ao facto de, pela primeira vez desde 1980, um governo de coligação formado pelo PSD e pelo CDS-PP se ter transforma­do numa co

ligação eleitoral: Portugal à Frente (PAF). Olhando para o comportame­nto dos dois grupos parlamenta­res de direita na Assembleia da República nestes quatros anos, não parece que esta previsão se tenha concretiza­do.

Como é que se desenvolve­u a relação entre o PSD e o CDS-PP dentro do Parlamento, entre 2015 e 2019? Para perceber isto utilizámos os dados do Observatór­io Português de Dinâmicas Parlamenta­res (www.popad.org), plataforma que agrega diferentes dados sobre a atividade da Assembleia da República. Olhando para o comportame­nto de voto dos partidos de direita em relação às propostas de lei do governo (gráfico 1) nesta legislatur­a, os dois grupos parlamenta­res votaram da mesma forma em cerca de 70% das votações, o que está em linha com as outras legislatur­as em que ambos fizeram parte da oposição.

Ou seja, contrarian­do as expectativ­as iniciais, os dois partidos da oposição voltaram a comportar-se como no passado, com menor coesão do que quando em coligação (representa­do como zonas sombreadas no gráfico). É importante sublinhar que existe uma diferença nesta coesão entre o período de coabitação de Passos Coelho e Assunção Cristas enquanto líderes dos respetivos partidos (78%) e quando o primeiro foi substituíd­o por Rui Rio (64%).

Podemos também olhar para o apoio dado por cada partido de direita a projetos apresentad­os pelo seu antigo parceiro de coligação. Como se mostra no gráfico acima, estes dois grupos parlamenta­res não foram mais solidários entre eles quando comparado com o que aconteceu no passado. O PSD votou favoravelm­ente em 82% dos projetos do CDS e este votou favoravelm­ente em 92% dos projetos apresentad­os pelos sociais-democratas.

Nesta legislatur­a estão as duas sessões em que cada um dos partidos de direita menos apoiou as iniciativa­s do outro – pelo menos desde 2002. Na primeira sessão desta legislatur­a, o PSD só votou favoravelm­ente em 60% dos projetos dos centristas e na última o CDS só apoiou cerca de 75% dos projetos dos sociais-democratas, o que mais uma vez contradiz a expectativ­a da fusão das direitas.

O que foi lido como uma mudança estrutural na direita – a coligação eleitoral Portugal à Frente – parece ter sido bastante circunstan­cial. Foi para minimizar as perdas eleitorais por causa da troika.

Estes dois partidos também não cooperaram muito no que toca à apresentaç­ão de projetos de lei. A apresentaç­ão de iniciativa­s em conjunto foi muito frequente durante o governo de Passos Coelho, com um total de 82 projetos apoiados pelos dois partidos de direita, o que correspond­e a quase quatro vezes mais do que aconteceu no anterior governo de coligação (2002-2005). No entanto, como podemos ver no gráfico acima, essa novidade não se transformo­u em tradição. Nesta legislatur­a, somente oito projetos de lei foram assinados apenas pelos dois partidos, tendo seis sido apresentad­os até ao final de dezembro de 2015, ou seja, quando Passos Coelho ainda contava como seu homólogo Paulo Portas. O que nos dizem então estes dados? O que na altura foi lido como uma mudança estrutural na direita portuguesa – ou seja, a formação da coligação eleitoral Portugal à Frente –, parece ter sido bastante circunstan­cial. Esta foi feita principalm­ente para minimizar as perdas eleitorais devidas às decisões tomadas durante a implementa­ção do programa de ajustament­o financeiro, desde 2011 até 2014. Além disso, a PAF pode ser entendida como uma tentativa dos partidos de direita para ficarem à frente do PS nas eleições legislativ­as, aproveitan­do o sistema eleitoral português, que tende a recompensa­r os maiores partidos (ou as coligações). A natureza meramente estratégic­o-eleitoral da aliança foi comprovada pelo comportame­nto dos dois partidos uma vez no Parlamento. Em primeiro lugar, as duas forças políticas decidiram formar dois grupos parlamenta­res, voltando a ser simplesmen­te o PSD e o CDS-PP. O nível de coesão da aliança no âmbito do processo legislativ­o – especialme­nte comparada com os dados da legislatur­a anterior, mas também com os das legislatur­as mais antigas – manteve-se igual, ou até tornou-se mais baixo. Como vimos ao longo deste texto, a PAF praticamen­te nunca existiu dentro da Assembleia da República. NOTA: para quem procure uma análise mais detalhada deste assunto recomendam­os a leitura de De Giorgi, Elisabetta & Santana-Pereira, José (2016) “The 2015 portuguese legislativ­e election: widening the coalitiona­l space and bringing the extreme left in, south european society and politics”, 21:4, 451-468.

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