A (ex-)coligação de direita
Nesta legislatura, a direita votou ainda menos para o mesmo lado do que no passado. CDS e PSD não se entenderam e mantiveram a ideia de uma coligação cada vez mais longe.
No final de 2015, alguns analistas e comentadores políticos, inclusive políticos de direita, previram a fusão da direita portuguesa ou pelo menos a formação de dois blocos partidários polarizados, um à esquerda e outro à direita. Isto devido também ao facto de, pela primeira vez desde 1980, um governo de coligação formado pelo PSD e pelo CDS-PP se ter transformado numa co
ligação eleitoral: Portugal à Frente (PAF). Olhando para o comportamento dos dois grupos parlamentares de direita na Assembleia da República nestes quatros anos, não parece que esta previsão se tenha concretizado.
Como é que se desenvolveu a relação entre o PSD e o CDS-PP dentro do Parlamento, entre 2015 e 2019? Para perceber isto utilizámos os dados do Observatório Português de Dinâmicas Parlamentares (www.popad.org), plataforma que agrega diferentes dados sobre a atividade da Assembleia da República. Olhando para o comportamento de voto dos partidos de direita em relação às propostas de lei do governo (gráfico 1) nesta legislatura, os dois grupos parlamentares votaram da mesma forma em cerca de 70% das votações, o que está em linha com as outras legislaturas em que ambos fizeram parte da oposição.
Ou seja, contrariando as expectativas iniciais, os dois partidos da oposição voltaram a comportar-se como no passado, com menor coesão do que quando em coligação (representado como zonas sombreadas no gráfico). É importante sublinhar que existe uma diferença nesta coesão entre o período de coabitação de Passos Coelho e Assunção Cristas enquanto líderes dos respetivos partidos (78%) e quando o primeiro foi substituído por Rui Rio (64%).
Podemos também olhar para o apoio dado por cada partido de direita a projetos apresentados pelo seu antigo parceiro de coligação. Como se mostra no gráfico acima, estes dois grupos parlamentares não foram mais solidários entre eles quando comparado com o que aconteceu no passado. O PSD votou favoravelmente em 82% dos projetos do CDS e este votou favoravelmente em 92% dos projetos apresentados pelos sociais-democratas.
Nesta legislatura estão as duas sessões em que cada um dos partidos de direita menos apoiou as iniciativas do outro – pelo menos desde 2002. Na primeira sessão desta legislatura, o PSD só votou favoravelmente em 60% dos projetos dos centristas e na última o CDS só apoiou cerca de 75% dos projetos dos sociais-democratas, o que mais uma vez contradiz a expectativa da fusão das direitas.
O que foi lido como uma mudança estrutural na direita – a coligação eleitoral Portugal à Frente – parece ter sido bastante circunstancial. Foi para minimizar as perdas eleitorais por causa da troika.
Estes dois partidos também não cooperaram muito no que toca à apresentação de projetos de lei. A apresentação de iniciativas em conjunto foi muito frequente durante o governo de Passos Coelho, com um total de 82 projetos apoiados pelos dois partidos de direita, o que corresponde a quase quatro vezes mais do que aconteceu no anterior governo de coligação (2002-2005). No entanto, como podemos ver no gráfico acima, essa novidade não se transformou em tradição. Nesta legislatura, somente oito projetos de lei foram assinados apenas pelos dois partidos, tendo seis sido apresentados até ao final de dezembro de 2015, ou seja, quando Passos Coelho ainda contava como seu homólogo Paulo Portas. O que nos dizem então estes dados? O que na altura foi lido como uma mudança estrutural na direita portuguesa – ou seja, a formação da coligação eleitoral Portugal à Frente –, parece ter sido bastante circunstancial. Esta foi feita principalmente para minimizar as perdas eleitorais devidas às decisões tomadas durante a implementação do programa de ajustamento financeiro, desde 2011 até 2014. Além disso, a PAF pode ser entendida como uma tentativa dos partidos de direita para ficarem à frente do PS nas eleições legislativas, aproveitando o sistema eleitoral português, que tende a recompensar os maiores partidos (ou as coligações). A natureza meramente estratégico-eleitoral da aliança foi comprovada pelo comportamento dos dois partidos uma vez no Parlamento. Em primeiro lugar, as duas forças políticas decidiram formar dois grupos parlamentares, voltando a ser simplesmente o PSD e o CDS-PP. O nível de coesão da aliança no âmbito do processo legislativo – especialmente comparada com os dados da legislatura anterior, mas também com os das legislaturas mais antigas – manteve-se igual, ou até tornou-se mais baixo. Como vimos ao longo deste texto, a PAF praticamente nunca existiu dentro da Assembleia da República. NOTA: para quem procure uma análise mais detalhada deste assunto recomendamos a leitura de De Giorgi, Elisabetta & Santana-Pereira, José (2016) “The 2015 portuguese legislative election: widening the coalitional space and bringing the extreme left in, south european society and politics”, 21:4, 451-468.