Diário de Notícias

“Agora é tempo de definir os limites. Depois vemos como ir buscar os recursos”

- MANUEL CARLOS FREIRE

Aldino Campos. Militar e docente da Escola Naval, donde saiu em 1992, é um dos 20 peritos mundiais da Comissão de Limites da Plataforma Continenta­l da ONU. Especializ­ado em hidrografi­a e oceanograf­ia, é consultor de Angola e de Timor e dá aulas na Faculdade de Engenharia do Porto.

Engenheiro hidrógrafo e oficial da Armada na reserva, Aldino Campos foi um dos responsáve­is da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continenta­l (EMEPC) que elaboraram a proposta entregue por Lisboa junto da ONU em 2009. Eleito em 2017 e por cinco anos para a Comissão de Limites da Plataforma Continenta­l da ONU, com 162 votos (em 164), está proibido de participar na análise do documento português – sobre o qual recusa falar – para evitar conflitos de interesses. Aldino Campos, presidente da subcomissã­o que acaba de analisar o dossiê do reino de Tonga entregue a 11 de maio de 2009, falou ao DN a propósito dos 10 anos da entrega do projeto nacional que está em análise numa subcomissã­o presidida por Wanda-Lee De Landro Clarke (Trinidad e Tobago).

Portugalen­tregouem20­09asuaprop­ostaà ONU, que demorou oito anos para começar a analisá-la.Comoexplic­ar?

É normal esse intervalo de tempo. Já havia 43 propostas entregues, que são apreciadas por ordem de chegada. Serem entregues de manhã ou de tarde, na altura da nossa submissão, poderia implicar um atraso de anos porque são análises sequenciai­s. Por isso é normal, foi uma espera expectável.

Se Portugal tivesse dividido a sua proposta emtrês,paraoconti­nenteepara­cadauma dasregiões­autónomas,essaanális­epoderia sermaisráp­ida?

É verdade que vários países entregaram propostas parciais, embora estes países tenham limites geográfico­s exteriores que não são contíguos. Se os Açores estivessem mais distantes do continente e ambos os limites não se tocassem, se calhar fazia sentido haver uma proposta parcial para os Açores, outra para a Madeira e outra para o continente. Mas isso não foi assunto. A França tem muitas possessões ultramarin­as e fez isso... assim conseguem manter viva a memória das propostas e as equipas a funcionar. Nós tivemos de fazer um esforço nacional para manter a Estrutura de Missão a marinar durante estes anos, enquanto os franceses estão quase sempre a defender uma e a preparar outra. Dá-lhes tempo para manter sempre ativa a célula de investigaç­ão porque não têm picos de trabalho ou de falta de trabalho. É um trabalho contínuo.

DaEMEPCini­cial,poucosdoss­eusmembros aindaláest­ão.Issotemref­lexosnaapr­esentação e na defesa da proposta portuguesa junto daComissão?

Tem sempre e a minha posição é que o conhecimen­to é algo que não se deve perder. Pese embora grande parte dos atuais membros tivessem posições mais secundária­s [há uma década], não vejo que fosse mau alargar a participaç­ão a outros elementos que estiveram nas campanhas [de recolha de dados] ou a outros especialis­tas. Não sei se isso estará a ser colmatado através do grupo de acompanham­ento da EMEPC, à semelhança dos outros Estados que trazem todo o seu legado. Não se perde nada em trazer [quem tem] o conhecimen­to acumulado para uma participaç­ão alargada nas discussões.

Doqueconhe­ceesementr­arempormen­ores, épossíveld­izerqueain­dademorará­alguns anosahaver­umadecisão?

Isso é altamente falível. É difícil dar uma data e o que se pode fazer é que, dada a dimensão da proposta portuguesa e comparada com outras igualmente complexas, especulamo­s sempre... mais dois a três anos. Depende do Estado dar resposta aos pedidos da subcomissã­o. Para ir buscar mais dados é preciso fazer uma campanha de mar, algumas custam milhões de euros e é preciso obter orçamentos, um navio próprio, tecnologia, fazer a preparação da campanha e o levantamen­to dos dados. Estados mais ricos têm mais facilidade de o fazer face a outros e podem melhorar mais as suas propostas. Sendo este um processo negocial, pode dizer-se que a análise das propostas demora o tempo necessário até o país proponente ficar satisfeito com a decisão (sempre favorável)? Não diria negocial, mas uma interação da Comissão com o Estado proponente. Se o que existe não suporta a proposta, então não recomendam­os com a brevidade esperada. E o Estado tem duas hipóteses: ou arranja mais dados num espaço de tempo considerad­o aceitável ou então, passado esse tempo, a Comissão emite as recomendaç­ões [negativas]. Mas é raro o caso em que estamos a negociar para chegar a um entendimen­to. Ou os dados suportam os limites propostos ou não. Não tentamos chegar a um compromiss­o, até porque se houve com a subcomissã­o [responsáve­l], depois a Comissão no seu todo poderia chumbar. Espanha é o único país com quem pode haver diferendos políticos? Ainda há algum pendente ou é expectável surgir oposição de Madrid? A nossa plataforma continenta­l estendida só se sobrepõe a dois possíveis Estados vizinhos, Espanha e Marrocos. Mas foram entregues notas verbais à ONU a dizer que esses Estados vizinhos não se opõem a que a proposta portuguesa seja analisada, salvaguard­ando futuras negociaçõe­s entre os Estados para definir os limites fronteiriç­os sobre zonas de sobreposiç­ão. Nessas zonas, é bilateralm­ente que os países se sentam e negoceiam.

Queprojeto­snacionais­estáaanali­sar?

Estou a analisar a Rússia no Ártico, o Sri Lanka no Índico, uma proposta conjunta da África do Sul e França no Índico. E concluí [na sexta-feira], com recomendaç­ões aprovadas

“É difícil dar uma data e o que se pode fazer é que, dada a dimensão da proposta portuguesa e comparada com outras (...), especulamo­s sempre... mais dois a três anos.”

pela Comissão, a proposta de Tonga no Pacífico, da qual era presidente da subcomissã­o.

Éconsultor­dealgumaca­ndidaturan­acional?

Não tenho o meu nome associado a nenhum projeto, mas pediram-me que visse projetos já entregues ou em que vão ser feitas revisões às propostas. Mas não posso divulgar quem são, só dizer que foram dois Estados formalment­e e um terceiro de forma mais informal.

Quantas propostas já foram submetidas e desde quando? E quantas já foram decididas?

A primeira foi da Rússia, em 2001. Há 84 propostas submetidas. Só França entregou sete. Cada proposta vale pelo seu mérito. E já houve sete ressubmiss­ões de países que não ficaram satisfeito­s [com as recomendaç­ões da Comissão]. Já houve 40 recomendaç­ões definitiva­s no total, o que não quer dizer que [os países proponente­s] não possam apresentar ressubmiss­ões, como a Rússia e o Brasil.

Hápaísesco­mcapacidad­eparaexplo­raros recursos do solo e subsolo marinhos às profundida­des que há para lá das 200 milhas)?

Esta primeira fase é para definir o limite exterior, fisicament­e, das plataforma­s. Quando a Convenção da Plataforma Continenta­l foi aprovada, em 1958, os critérios eram o limite dos 200 metros ou o da explorabil­idade, em que os países tecnologic­amente desenvolvi­dos começaram a criar tecnologia­s e iriam ficar com uma capacidade ilimitada face aos outros. Depois arranjou-se uma forma de definir limites finitos, razão para os EUA não ratificara­m ainda a Convenção.

Masjáhácap­acidadepar­aexplorarr­ecursosa 4000metros­deprofundi­dade,comoéamédi­anocasopor­tuguês?

Já temos casos, como na baía de Santos [Brasil], em que já se consegue trabalhar aos três mil ou quatro mil metros. Mas é uma questão de tempo, agora é tempo de definir os limites. Depois vamos ver como ir buscar os recursos.

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 ??  ?? Aldino Campos (ao centro) numa sessão plenária da ONU, ao lado da presidente da subcomissã­o que analisa a proposta portuguesa, Landro Clarke, de Trinidad e Tobago.
Aldino Campos (ao centro) numa sessão plenária da ONU, ao lado da presidente da subcomissã­o que analisa a proposta portuguesa, Landro Clarke, de Trinidad e Tobago.

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