Diário de Notícias

Oficial de segurança: o chefe da aldeia que tem escapado ao fogo

Desde abril de 2018 aderiram ao programa Aldeias Seguras um total de 1919 aldeias, numa lista em constante atualizaçã­o. O DN foi ao Vale Florido, a aldeia onde foi criado o primeiro oficial de segurança, que é um elo de ligação com a comunidade.

- PAULA SOFIA LUZ

Silvério Teixeira traz sempre no carro um dos kits que a Autoridade Nacional para a Proteção Civil lhe entregou. “Até hoje, felizmente não foi preciso usar”, conta ao DN numa tarde fresca de agosto, a meio caminho entre a sua casa e o abrigo da aldeia deVale Florido, Freguesia de Alvorge, no concelho de Ansião. Foi ali, na sede da Associação Cultural e Recreativa, que uma comitiva encabeçada pelo ministro da Administra­ção Interna apresentou o programa Aldeia Segura, em abril de 2018. Silvério – aposentado da PSP – foi o primeiro “oficial de segurança” do país.

Lembra-se bem do dia em que o presidente da Junta do Alvorge (eleito pelo PS, tal como o presidente da Câmara de Ansião) lhe ligou para saber se ele podia “ir abrir a associação para ver se tinha condições de receber lá a comitiva”. A sede é o espaço onde agora conversamo­s com Silvério Teixeira: uma única sala, com um bar ao fundo, um palco e umas casas de banho, espaço mais habituado a bailaricos e almoços-convívio. Silvério é tesoureiro da coletivida­de e por isso os autarcas sabiam que “tinha a chave”.

Mas não foi só por isso que o escolheram para esse trabalho de voluntaria­do. Os autarcas locais sabiam bem que estava de regresso à terra (agora aposentado) e que ali na aldeia conhece toda a gente, entre os cerca de cem habitantes que restam. “Penso que assimilei bem tudo o que se pretendia da figura de um oficial de segurança”, recorda, cerca de um ano e meio depois, um tempo que tem sido sereno em matéria de fogos florestais. Nessa altura, Silvério foi falar com cada um dos habitantes porta-a-porta. Não admira que, a 9 de abril, a maioria tenha respondido prontament­e ao bater do sino da capela e participad­o ativamente no simulacro.

De então para cá, não voltaram a fazê-lo. “Até à data não houve necessidad­e de colocarmos nada disso em prática, mas se for preci

so as pessoas estão preparadas para isso”, afirma Silvério Teixeira, que fala de uma comunidade colaborant­e: “Tenho a certeza de que em caso de incêndio até aquelas pessoas que ficam agarradas às casas e resistem a deixá-las viriam comigo. Conheço todos, é muito mais fácil virem comigo do que com um elemento da GNR que não conhecem de lado nenhum, ou alguém da Proteção Civil.” Estão-lhe gravadas as imagens ainda recentes do fogo de Mação e de Vila de Rei, em que vários idosos resistiam à evacuação. E depois ainda há outra questão – “se as pessoas não estiverem em casa, eu sei onde elas se encontram. Sei que o Ti João está no moinho, por exemplo, se não estiver em casa. Ou que a Ti Maria anda no serrado, de volta da horta”.

Alargar a todas as aldeias

“O que acho é que este projeto deveria ser alargado a todas as aldeias do país”, sublinha Silvério Teixeira, ele que é “o elo de ligação entre as pessoas”, que vai conversand­o com cada uma delas, numa espécie de “missão”, como gosta de considerar o seu papel. “As pessoas no interior vivem muito sós. E haver alguém que fale com elas já é muito importante”, enfatiza, ele que aos 62 anos vai todos os dias a casa dos pais para ver como estão.

No Vale Florido ainda predomina uma vegetação serrana, com carvalhos e outras espécies, mas a presença do eucalipto começa a notar-se. O último grande incêndio que ali ocorreu foi há 29 anos. E Silvério lembra-se bem, porque foi o dia em que a filha nasceu. Mas preocupa-o a enorme mancha verde que liga a aldeia às outras vizinhas, que atravessa o vale até Degracias, no concelho de Soure. “Preocupa-me muito porque a maioria dos terrenos estão em pousio. Dantes, era tudo amanhado. E isso é que faz a grande diferença para os fogos florestais. Está a ver aquele terreno cheio de capim seco? Aquilo é um rastilho até às habitações”, aponta.

Por estes dias, Silvério foi surpreendi­do com as notícias sobre o material alegadamen­te inflamável das golas antifumo. Ele e os 1919 oficiais de segurança que aderiram ao programa Aldeias Seguras – Pessoas Seguras. Só nessa altura teve curiosidad­e de perceber que material seria esse. Mas sobre esse assunto prefere não falar.

Papel do oficial de segurança

No todo nacional, a maioria dos aglomerado­s populacion­ais que aderiram ao programa concentra-se nos distritos da Guarda, Bragança e Castelo Branco, sendo o Alentejo a região do país com menos adesão. A principal missão do oficial de segurança é transmitir avisos à população, organizar evacuações e realizar ações de sensibiliz­ação sobre incêndios.

O protocolo foi assinado entre a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), a Associação Nacional de Municípios Portuguese­s (ANMP) e a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) para a concretiza­ção do Aldeia Segura e Pessoas Seguras.

Os programas assentam na “gestão de combustíve­l, plano de evacuação de aldeias e campanha de sensibiliz­ação”, e são a aposta do Ministério da Administra­ção Interna (MAI) para evitar que se repitam situações calamitosa­s como as de junho e de outubro de 2017, em que morreram mais de cem pessoas, no total.

Os programas estabelece­m também a definição de locais de refúgio nas aldeias e a sensibiliz­ação das populações para o que fazer em caso de incêndio e como evitar comportame­ntos de risco, bem como a sinalizaçã­o de caminhos de evacuação nos aglomerado­s populacion­ais. Em Vale Florido, a população sabe bem o que fazer.

De acordo com informação do MAI, só no mês de julho aderiram ao programa 24 aldeias.

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“Conheço todos, é muito mais fácil virem comigo do que com um elemento da GNR que não conhecem de lado nenhum, ou alguém da Proteção Civil”, explica Silvério Teixeira.
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Silvério Teixeira falou com cada um dos habitantes de Vale Florido. Não admira que, a 9 de abril, a maioria tenha participad­o ativamente no simulacro.

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