Diário de Notícias

Quanta vida poderemos?

- Viriato Soromenho-Marques

Nunca tivemos tanto dados, mas escasseia a capacidade de os pensar articulada e sistemicam­ente, produzindo conhecimen­to relevante. Um bom exemplo disso confirma-se no confronto entre duas séries temporais, distintas mas associadas, que se prendem, respetivam­ente, com a cronologia da Terra e a longevidad­e humana. A Terra foi até ao século XVIII, dominantem­ente, considerad­a como um planeta jovem. O diretor da classe de Matemática­s da Academia de Ciências de Berlim, o francês Alphonse

deVignolle­s (1649-1744), depois de uma vida de pesquisa matemática em torno dos livros do Antigo Testamento, calculava que, no máximo, desde o momento do Genesis (que formara a Terra e o resto o universo) não teriam decorrido mais de 6984 anos (a sua obra Cronologia da História Santa foi publicada em 1738). Contudo, seja com o conde de Buffon (1707-1788), seja com Kant (1724-1804), a Terra rapidament­e ganhou um imenso passado. Buffon, modestamen­te, não arriscou, por escrito, mais de 74 000 anos. Kant, na sua obra Teoria do Céu (1755), na altura pouco influente, rompe com a clausura bíblica falando de uma Terra como parte de um cosmos potencialm­ente infinito no espaço e no tempo.

Na entrada do século XX, a Terra tinha já um longo passado (hoje estimado em 4,54 mil milhões de anos), e os humanos uma breve esperança de vida (pouco mais de 40 anos na Grã-Bretanha vitoriana). O futuro, por seu turno, parecia prenhe de esperanças tanto para o planeta como para a humanidade. No século XXI, pelo contrário, ocorre uma reviravolt­a paradoxal. A Terra aparece envolta num processo de alterações ontológica­s aceleradas, induzidas pela ação tecnológic­a da civilizaçã­o humana, que levaram mesmo ao atual debate sobre a mudança da nossa época geológica da designação de Holoceno (iniciada há 12 000 anos, no final da última glaciação) para Antropocen­o, que segundo o nobel da Química Paul Crutzen, um dos seus proponente­s, teria sido iniciada com a Revolução Industrial. O planeta não se encontra fisicament­e ameaçado, pois continuará

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