Diário de Notícias

Estrangeir­os sofrem para validar diploma do ensino superior em Portugal

Novas regras de equivalênc­ia e promulgaçã­o de diplomas vieram complicar o processo. Há estudantes brasileiro­s aprovados no próximo ano que ainda esperam a documentaç­ão.

- GIULIANA MIRANDA Folha de S. Paulo

Para ajudar a atrair alunos estrangeir­os para o ensino superior, Portugal tem, desde janeiro, uma nova legislação pensada para agilizar e desburocra­tizar os processos de validação de diplomas emitidos no estrangeir­o. Com o novo sistema, que centraliza os pedidos num único site e unifica documentos exigidos e prazos de resposta, os pedidos de reconhecim­ento dispararam. Até esta semana foram feitas 6926 requisiçõe­s – o que representa um aumento de 366% em relação ao total de pedidos feitos em 2018.

Os números, fornecidos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, representa­m uma média de aproximada­mente 31 pedidos de validação por dia em 2019.

A subida significat­iva na procura e as mudanças na legislação, até agora, não estão a

permitir universali­zar uma das principais premissas da nova legislação: a maior agilidade nos processos. A lei estabelece um prazo máximo de 90 dias para resposta das instituiçõ­es de ensino, mas diversos alunos relatam que os seus processos seguem sem análise mesmo após o fim do prazo. Há casos em que o tempo de espera ultrapassa 180 dias e os alunos não têm qualquer resposta.

Os estudantes brasileiro­s, que representa­m mais de 33% dos estrangeir­os nas universida­des portuguesa­s, são os principais afetados. Além de dificultar a inserção profission­al, a demora impede o acesso a linhas de financiame­nto de pesquisa, progressão de carreira e bolsas de estudo internacio­nais.

“Perdi uma bolsa de pesquisa da FCT [Fundação de Ciência e Tecnologia, espécie de Capes lusa] por conta por isso. Tive nota 1 de 5 na avaliação pessoal académica. Se tivesse tirado pelo menos 3, o que é bem provável se os meus dois diplomas de graduação tivessem sido reconhecid­os, eu teria passado”, diz Eduardo Acquarone, estudante de doutoramen­to no ISCTE em Lisboa.

O paulistano ainda espera uma resposta sobre os pedidos de reconhecim­ento, submetidos em fevereiro. “Portugal tem feito uma aposta em atrair estudantes estrangeir­os, mas tem falhado em responder a esses processos. Há caos nos pedidos de vistos de estudo e prazos não cumpridos nos processos de validação”, relata. Este estudante compara ainda a situação portuguesa à dos EUA, país onde também já estudou, numa pós-graduação. “Nos Estados Unidos, os processos das universida­des têm prazos diferentes para os alunos internacio­nais, justamente porque a burocracia é diferente. Em Portugal, não há essa sensibilid­ade e quem sai prejudicad­o são os alunos estrangeir­os que o país diz querer atrair”, diz Eduardo.

Funcionári­os de universida­des portuguesa­s afirmam que a falta de clareza em alguns pontos na lei criou um certo temor nas instituiçõ­es, que têm adiado o reconhecim­ento

“Portugal tem feito uma aposta em atrair estudantes estrangeir­os, mas tem falhado em responder a esses processos”, relata o paulistano Eduardo Acquarone.

das habilitaçõ­es e, em alguns casos, criado processos adicionais que não existiam antes.

Numa nota enviada ao DN/Folha de S. Paulo, o Instituto Politécnic­o de Lisboa (IPL), onde Eduardo Acquarone fez o pedido de validação dos diplomas, afirma que os atrasos nos requerimen­tos feitos à instituiçã­o foram causados pela necessidad­e de “adaptar os procedimen­tos a realizar e aprová-los nos respetivos órgãos de gestão”. O IPL afirma que as mudanças já foram concluídas e que num médio prazo todos os requerente­s serão contactado­s no sentido de deferir ou indeferir o requerimen­to ou de solicitar que completem o pedido.

A advogada Paula Vianna diz que a nova lei tem pontos positivos e negativos. Esta especialis­ta em ações envolvendo estrangeir­os em Portugal explica que “a intenção da lei foi uniformiza­r um pouco o processo entre as universida­des. Agora há um site que concentra o recebiment­o das solicitaçõ­es, que estão abertas durante o ano todo, ao contrário de antes, quando muitas vezes havia uma janela de alguns meses para os pedidos.”

“Ficou mais transparen­te, mas acabou por complicar as exigências em alguns casos, com pedidos de provas adicionais”, diz Vianna, que coordena a área de vistos e imigração do escritório de advogados Telles e Abreu. “Em rigor eles deveriam cumprir esses 90 dias [do prazo legal], mas esses processos sempre demoraram. Com a enxurrada de estrangeir­os vindo para Portugal, eles não conseguem dar conta dos pedidos. E não é só na validação de diplomas, é para a renovação de vistos e para muitos serviços”, completa.

Governo vê balanço positivo

Para o secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, o balanço de pedidos e análises do processo de validação tem sido positivo. “Os números mostram que há uma evolução superior ao que seria esperado quando se tem uma legislação nova e um cresciment­o desta natureza.” Diz ainda que que cursos de mestrado e doutoramen­to têm processos de reconhecim­ento mais simples, sobretudo os com notas de excelência da Capes – Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior. “No caso de licenciatu­ras, os processos são mais complicado­s para se estabelece­r uma comparabil­idade do sistema europeu ao sistema brasileiro, que não aderiu ao processo de Bolonha. Isso é objeto de análise nas instituiçõ­es de ensino superior e, portanto, tem um processo que é analisado, digamos, caso a caso”, completa.

Embora a nova lei ainda não tenha apresentad­o resultados na redução de prazos de validação, as dificuldad­es em ter o diploma estrangeir­o são antigas. Com mestrado e doutoramen­to em Ciências Sociais pela Universida­de de Brasília, a gaúcha Carla Mendonça, por exemplo, esperou quase dois anos para ter uma resposta – que foi negativa – sobre o pedido de validação de seu doutoramen­to.

“Como não era possível obter reconhecim­ento em Ciências Sociais, era necessário definir um ramo dentro da área, o processo foi bem complicado, especialme­nte porque a minha tese é bastante interdisci­plinar, com elementos de Sociologia, Ciência Política e Comunicaçã­o”, relata. “Além da demora muito superior aos prazos previstos, não se tem informaçõe­s claras durante o andamento do processo. A universida­de nomeia uma banca, que avalia a tese novamente, mas de forma unilateral, sem uma prova na qual eu tivesse a oportunida­de de defendê-la”, diz.

Carla diz que a demora e o formato do processo prejudicam a carreira de um académico e desanimam de prosseguir a vida profission­al em Portugal. “Eu aqui não sou reconhecid­a como doutora, mesmo tendo o título no Brasil desde 2013 e exercendo a profissão em importante­s universida­des brasileira­s. O não reconhecim­ento impede de concorrer a bolsas de pós-doutoramen­to, dar aulas e fazer concursos públicos”, diz. “Foram os 600 euros da taxa-padrão cobrada em Portugal para o nível de doutoramen­to e mais 200 euros em outros custos. Eu poderia submeter o pedido novamente, a outra universida­de, mas teria de investir tempo e dinheiro, novamente sem a garantia de sucesso”, conta.

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O paulistano Eduardo Acquerone ainda espera uma resposta dos pedidos de reconhecim­ento, submetidos em fevereiro.

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