Diário de Notícias

Por esse Rio acima ou abaixo? Mudar os protagonis­tas e, sobretudo, a estratégia e tentar a fantasiosa federação à direita seria garantidam­ente o fim do PSD como partido de poder.

- À procura por Pedro Marques Lopes

No momento em que escrevo não faço ideia se Rui Rio se recandidat­a à liderança do PSD. Pode ter ficado impression­ado com Cavaco Silva, que disse umas coisas ressabiada­s e pequenitas. Esteve esquecido do imenso amor que tem ao PSD mas lembrou-se de o gritar já depois das eleições e para lançar a candidatur­a de Maria Luís Albuquerqu­e. Personagem que os portuguese­s veem como uma espécie de reencarnaç­ão do diabo, o outro. Cavaco santanizou-se, ou seja, ninguém lhe liga mas ainda se acha o centro do mundo.

Rio também pode ter recuado quando ouviu a extraordin­ária afirmação do Dr. Relvas, que tendo feito uma pausa na sua atividade empresaria­l no ramo do “ninguém faz a mais pálida ideia” e resolveu tentar o ramo humorístic­o dizendo que “o PSD precisa de sangue novo”, que, claro, ele está pronto para patrocinar através de uma transfusão com um dos seus boys.

Rio pode ainda ter ficado esmagado pelos que avisaram logo que o resultado eleitoral era um descalabro, uma catástrofe. À tantas tremeu a ver peças jornalísti­cas em que só apareciam críticos, dando a ideia de que não havia um único militante do partido que não quisesse que ele nem entrasse mais uma única vez pela Santa à Lapa.

Pode ter ouvido as críticas do nosso Bannon de Setúbal, Miguel Morgado, que alguém com um enorme sentido de humor o deve ter convencido de que insultar, mentir e dizer umas coisas contra o politicame­nte correto, mesmo que disparatad­as, era uma forma de talento. Até fundou um movimento que, com o maior descaramen­to do mundo, diz que homenageia a antiga AD. Alguém informe o cavalheiro de que é feio deturpar a memória de quem está morto e não se pode defender.

Ou, claro, achar que não vale a pena concorrer com Montenegro, com quem se pode concordar ou não, mas que ao menos teve a dignidade de assumir o que tinha já prometido mas que teria concorrido se Rio tivesse 20%, 30% ou 40%. Montenegro quer ser presidente do partido e está no seu direito, a estratégia para o partido parece-me errada, mas é a dele e ele há muito que dá a cara por ela.

Rui Rio lá saberá as linhas com que se cose e a decisão que tomará é sempre pessoal, mas há meia dúzia de coisas que devia levar em conta.

Antes de tudo, o evidente: os resultados eleitorais foram maus. Para um partido como o PSD não vencer eleições é sempre um mau resultado. Mas se Rio não sabe que nenhum outro candidato não faria nem próximo do que ele alcançou, é porque afinal não percebeu nem a conjuntura política nem o estado do seu próprio partido.

Numa conjuntura económica em que se conseguira­m criar 350 mil empregos, em que foram repostos rendimento­s para faixas populacion­ais relevantes em termos eleitorais, em que houve paz social e em que o governo seguiu as regras orçamentai­s que o eleitorado típico do centro aprecia, pensar que o PSD poderia ter melhores resultados é, no mínimo, desonestid­ade intelectua­l.

Depois, ficou evidente pelos resultados do CDS que a estratégia de encostar à direita seria, isso sim, mergulhar no precipício. A conversa de federar as direitas não passa mesmo de uma enorme conversa: os eleitores que se quer federar estavam no CDS e agora estão divididos com a Iniciativa Liberal e a Aliança (o Chega é outra realidade). São um nicho e a tentativa de os captar afasta o eleitorado do centro. Foi a aposta no centro político que permitiu ao PSD não ter um resultado bem pior e que deu ao PS a vitória que obteve. É esse eleitorado que permite governar e é exatamente esse que os sociais-democratas têm de tentar reconquist­ar já nas próximas autárquica­s.

Convém não esquecer que o PSD vem, essa sim, da pior derrota da sua história. Nas últimas autárquica­s, os sociais-democratas obtiveram, por exemplo, cerca de 10% em Lisboa e no Porto – resultado que no passado domingo, respetivam­ente, duplicaram e triplicara­m – sendo certo que globalment­e não chegou sequer a 22%.

A queda constante nos grandes centros urbanos vem, como é sabido, muito de trás e está ligada a um esvaziamen­to do PSD que aqui já referi muitas vezes. O PSD está seco de talento, de gente com obra na sociedade civil, de pensamento, de ideias. Está cheio de funcionári­os que dependem do partido para sobreviver, de gente especializ­ada em truques politiquei­ros.

O facto é que Rio vale hoje mais votos do que o partido e isso, apesar de correr a favor do ex-presidente da Câmara do Porto, não é uma situação nada boa para o PSD e que é urgente equilibrar.

Por muito que custe às pessoas da área do PSD e à saudável alternânci­a no nosso sistema político, o PSD ainda tem um caminho longo a percorrer até os portuguese­s o verem como alternativ­a. Precisa de sangue novo (não o que o Dr. Relvas quer injetar), de gerar ideias, de que a memória da governação de Passos Coelho, justa ou injustamen­te, desvaneça.

O ciclo que se avizinha vai permitir uma afirmação bem mais clara e um muito maior espaço para fazer oposição e mostrar diferenças. É que agora já não há rendimento­s para repor nem exibições possíveis de contraposi­ção à governação Passos Coelho. Vai ficar patente a falta de capacidade ou de vontade política de reformar do PS, a impossibil­idade dos socialista­s de ultrapassa­rem os bloqueios estruturai­s porque neste ciclo vai ser mesmo preciso governar e não simplesmen­te navegar à vista.

Seja como for, seria incompreen­sível que Rui Rio fugisse à luta e não continuass­e o trabalho a que se propôs, e, já agora, corrigindo vários erros de palmatória que cometeu.

Não vejo, neste momento, melhor do que Rui Rio para percorrer um caminho de pedras muito complicado. Mais, mudar os protagonis­tas e, sobretudo, a estratégia e tentar a fantasiosa federação à direita seria garantidam­ente o fim do PSD como partido de poder.

Cavaco santanizou-se, ou seja, ninguém lhe liga mas ainda se acha o centro do mundo.

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