Assunção,
Há sempre um momento em que o que já foi pode ser visto à correta luz, em que a força imensa da derrota se esbate para dar espaço ao percurso, ao esforço, à vontade e à entrega, deixando que o julgamento recaia sobre o que demos, como nos demos, porque nos demos, e não sobre o que obtivemos. Há sempre esse momento, e nem precisa de ser um momento final, um epitáfio; basta uma vitória, uma revelação, um acertado escrito em linhas tortas. Está a nossa história cheia disso, a provar que estes nossos dias são sucedidos por novos dias, a lembrar-nos de que não há vitória que se cristalize, prestígio que não vacile, ganho que se não converta em perda.
Não o digo como lamento ou desabafo, porque há nisto uma espécie de ordem, de percurso, que compreendo e aceito. Nem é sequer um ânimo, uma espécie de consolo, porque funcionalizar os nossos dias a esse momento, viver para ele, só pode afastar-nos de uma existência de amor, e eu acredito profundamente que só o amor nos justifica e funda.
Digo-o porque sei que esse momento vai chegar, e vai trazer o coro e o corpo de quem hoje não hesita no ponto final, no derradeiro, desdizendo-se então, cumpliciando-se, somando-se. Também disso está a nossa história cheia – tão cheia que fingimos não reparar.
E eu quero que esse momento chegue, porque é justo que chegue, e que te encontre. Mas não quero que estas palavras, estas que agora escrevo, ainda a quente, apenas se registem nesse momento, apenas se formem na homenagem e no consenso, banais.
Sim, chegará o tempo em que te dirão que não transigiste aos extremos, que impediste que o teu partido se confundisse com aqueles que, dizendo-se da verdadeira direita, em nada partilham da vocação humanista, personalista e pela liberdade, que é a vocação fundacional do CDS.
Será o momento em que se notará que, num tempo de segmentação e radicalização e identitarismo, te bateste pelo equilíbrio de todos nós, com gestos sucessivos de tolerância e abertura, tantas vezes em teu prejuízo.
E registar-se-á que saíste como entraste, em total liberdade, sem te servires de nada, servindo.
E recordar-se-á que não temeste nunca uma máquina feroz e intimidante, a do quem se mete com o PS leva, e tu sabes, de saber sabido, como levaste, e levaste meticulosamente, e como tudo mudou desde o dia em que te viram como ameaça e como isso nunca te abrandou nem desmotivou.
E assinalar-se-á que foste a única a dizer que nenhum país do mundo pode conviver com um sistema partidário em que todos devem fazer beija-mão ao partido do governo e competir pelas suas graças, e vai-se perguntar como foi possível que alguém fosse criticado por dizer que tem de haver oposição, que não há democracia sem oposição.
Chegará esse tempo, e eu não precisarei de dizer coisa alguma, porque tudo o que então parecerá claro fica hoje dito aqui, sem receios, sem medo, com amizade – e com admiração.