Diário de Notícias

Assunção,

- Adolfo Mesquita Nunes

Há sempre um momento em que o que já foi pode ser visto à correta luz, em que a força imensa da derrota se esbate para dar espaço ao percurso, ao esforço, à vontade e à entrega, deixando que o julgamento recaia sobre o que demos, como nos demos, porque nos demos, e não sobre o que obtivemos. Há sempre esse momento, e nem precisa de ser um momento final, um epitáfio; basta uma vitória, uma revelação, um acertado escrito em linhas tortas. Está a nossa história cheia disso, a provar que estes nossos dias são sucedidos por novos dias, a lembrar-nos de que não há vitória que se cristalize, prestígio que não vacile, ganho que se não converta em perda.

Não o digo como lamento ou desabafo, porque há nisto uma espécie de ordem, de percurso, que compreendo e aceito. Nem é sequer um ânimo, uma espécie de consolo, porque funcionali­zar os nossos dias a esse momento, viver para ele, só pode afastar-nos de uma existência de amor, e eu acredito profundame­nte que só o amor nos justifica e funda.

Digo-o porque sei que esse momento vai chegar, e vai trazer o coro e o corpo de quem hoje não hesita no ponto final, no derradeiro, desdizendo-se então, cumplician­do-se, somando-se. Também disso está a nossa história cheia – tão cheia que fingimos não reparar.

E eu quero que esse momento chegue, porque é justo que chegue, e que te encontre. Mas não quero que estas palavras, estas que agora escrevo, ainda a quente, apenas se registem nesse momento, apenas se formem na homenagem e no consenso, banais.

Sim, chegará o tempo em que te dirão que não transigist­e aos extremos, que impediste que o teu partido se confundiss­e com aqueles que, dizendo-se da verdadeira direita, em nada partilham da vocação humanista, personalis­ta e pela liberdade, que é a vocação fundaciona­l do CDS.

Será o momento em que se notará que, num tempo de segmentaçã­o e radicaliza­ção e identitari­smo, te bateste pelo equilíbrio de todos nós, com gestos sucessivos de tolerância e abertura, tantas vezes em teu prejuízo.

E registar-se-á que saíste como entraste, em total liberdade, sem te servires de nada, servindo.

E recordar-se-á que não temeste nunca uma máquina feroz e intimidant­e, a do quem se mete com o PS leva, e tu sabes, de saber sabido, como levaste, e levaste meticulosa­mente, e como tudo mudou desde o dia em que te viram como ameaça e como isso nunca te abrandou nem desmotivou.

E assinalar-se-á que foste a única a dizer que nenhum país do mundo pode conviver com um sistema partidário em que todos devem fazer beija-mão ao partido do governo e competir pelas suas graças, e vai-se perguntar como foi possível que alguém fosse criticado por dizer que tem de haver oposição, que não há democracia sem oposição.

Chegará esse tempo, e eu não precisarei de dizer coisa alguma, porque tudo o que então parecerá claro fica hoje dito aqui, sem receios, sem medo, com amizade – e com admiração.

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