Bolsonaro jamais será poeta
Bolsonaro fez saber que assinará o diploma do Prémio Camões a Chico Buarque até 2026. Ou seja, à maneira dos novos arrivistas do populismo, pratica a promessa que deixa no ar apenas a atmosfera da ameaça. Buarque já agradeceu o duplo louvor e eu afirmo que Camões certamente secundaria a ironia. Alguém duvida de que Camões, hoje em dia, faria poesia com a democracia? Para mim, é certo que sim.
A democracia, no mundo e como regime, vive cada vez mais o debate com os princípios que a defendem e lhe servem de suporte. Nós não somos exceção. Das eleições de domingo, a primeira conclusão tem de ser mesmo a de que Portugal votou, em todos os aspetos, pela pluralidade. Cabe a todos, como em 2015, interpretar esse voto. A diferença, agora, é talvez que essa perceção vai sempre ter de ser feita à luz do que foi a última legislatura e os resultados que Portugal alcançou. A geringonça foi inovadora na sua génese e na sua prática e alcançou projeção também por isso. A articulação em campanha dos seus integrantes despertou, por consequência, natural curiosidade. Essa atenção acabou, no entanto, por se esbater no mesmo horizonte da prática governativa recente – a lógica do diálogo construtivo. Todavia, isso não pode esconder o contexto hostil em que a oposição mergulhou a última campanha eleitoral. É claro que evidenciá-lo é tão útil como escondê-lo e, por isso, o melhor será refletir sobre o mesmo. O que ganharam todos os que se dedicaram a ignorar a revolução na economia portuguesa que nos mostrou a revisão, pelo INE, dos números do PIB desde 2016? E o que ganharam os portugueses com a austeridade e o correspondente desprezo pela necessidade de interpretar o contexto macroeconómico e a perceção das medidas e decisões adequadas, em função do mesmo, à indução do crescimento social pleno? Portugal votou pela recusa da proposta eleitoral cuja única sustentação era a redução da despesa sem especificar onde e em quê e sem outro âmbito de explicação que não o do milagre. Com a revisão em alta do crescimento económico e um crescimento acima do de Espanha desde 2017, como pôde a oposição reclamar mérito, falar do diabo ou dizer que o crescimento não era, afinal, “estrutural”?
Ao PSD e ao CDS resta a prestação de contas interna. O mito das “meias derrotas”, tal como o dos copos “meio cheios ou meio vazios”, já não ilude ninguém. O protagonismo da derrota só se ameniza pela dignidade com que se assume o mesmo. Às restantes forças políticas cabe lutar pela estabilidade plural para que Portugal as mandatou. A democracia, mais do que um resultado, é sempre um processo e, como a própria geringonça nos ensina, nunca poderá ser dada por finda. Como Buarque explica, é um pouco como a poesia, que nunca se poderá dar verdadeiramente por atingida.