“A revolução sexual não aconteceu naquela época e não aconteceu agora”
O questionário que deu origem ao Relatório Hite, reeditado neste ano pela Bertrand com o título O Relatório Hite – Um Profundo Estudo sobre Sexualidade Feminina, tinha 58 perguntas, as primeiras onze sobre orgasmo, as formas de o atingir, as sensações que provoca, a importância que assume, outras tantas, ou mais, dedicadas à masturbação, mas também ao sexo oral – fellatio e cunnilingus – e ao anal. Os relacionamentos emocionais não foram deixados de fora, nas suas diversas formas, nem a forma de viver o sexo nos vários estádios da vida, da infância à velhice. As perguntas abrangiam tanto relações heterossexuais como homossexuais e bissexuais e procuravam enquadrar as respostas dos pontos de vista cultural, intelectual, social e político. Mais de três mil mulheres responderam, com uma honestidade e um pormenor por vezes desconcertante, e foi dessas respostas que nasceu o Relatório Hite, uma pedrada no charco, que, segundo a autora, foi mal recebido, sobretudo pelos homens do seu país, que se “sentiram atacados na sua virilidade”. Afinal, ao longo das mais de 500 páginas, a conclusão a que se chega é que a penetração não é assim tão importante para o prazer feminino. Seja como for, o livro vendeu mais de 50 milhões de cópias, foi traduzido em várias línguas e a sua autora, Shere Hite, nascida no Missouri, feminista, licenciada em História pela Universidade de Colúmbia, que chegou a posar nua para a Playboy para pagar a faculdade, tornou-se o nome incontornável do feminismo e da sexologia. Aos 76 anos, considera que, apesar do muito que tem sido conquistado, a revolução sexual continua por fazer, que o feminismo em parte implodiu-se e que nunca é tarde para o sexo. Em 1976, defendeu no seu Relatório Hite que a revolução sexual ainda não tinha acontecido e era necessária. E agora, acha que já aconteceu? Defender é uma maneira interessante de pôr a questão. Em 1976, como agora, afirmei que, na minha opinião, era necessário uma revolução sexual para tornar igual a posição do homem e da mulher na sociedade. As descobertas do relatório expressaram as vontades, as necessidades e os desejos de uma grande maioria de mulheres, e as suas experiências de prazer e de realização sexual sustentaram essa opinião, de que as mulheres se mantinham insatisfeitas e não reconhecidas no domínio do prazer sexual. A revolução sexual não aconteceu naquela época e não aconteceu agora. Mas houve uma evolução. Houve muitas mudanças no que respeita ao nivelamento no campo do género, mas não no quarto. Nós somos humanas! As mulheres continuam subjugadas aos homens. As mulheres continuam a ser sexualizadas na televisão, no cinema, na publicidade. Ainda não existe controlo de natalidade masculino, as leis de aborto continuam a ser uma forma de controlo sobre as escolhas das mulheres. O que quer dizer com revolução sexual? Quero dizer que as lentes do patriarcado são retiradas e o mundo passa a ser percebido pelos olhos da sociedade, tanto da perspetiva da mulher como do homem. Quero dizer que o prazer da mulher é tão normal e importante como o do homem.