Diário de Notícias

A música clássica portuguesa pelas cordas sul-americanas

Temporada Música em São Roque começou na sexta-feira e termina a 10 de novembro. Amanhã sobe ao palco a Camerata Atlântica, nascida da ideia da violinista Ana Beatriz Manzanilla e de um grupo de amigos.

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Ana Beatriz Manzanilla está há 24 anos em Portugal. Menos um do que aqueles que viveu em Barquisime­to, na Venezuela, que deixou para estudar durante um ano na Polónia até que inesperada­mente acabou por parar em Guimarães. Depois de se estabelece­r finalmente em Lisboa, fundou a Camerata Atlântica, uma orquestra de corda, que amanhã sobe ao palco no Convento São Pedro de Alcântara, integrada na Temporada Música em São Roque, da Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa.

O grupo de que a violonista é a diretora artística nasceu há praticamen­te seis anos (em novembro de 2013) e é um projeto que 12 músicos mantêm em paralelo com as suas atividades principais. Ana Beatriz Manzanilla é primeiro-violino na Orquestra da Gulbenkian, o marido toca viola na Orquestra Sinfónica Portuguesa, e outros músicos estão noutras orquestras. Trabalhos que são “um privilégio”, mas que a violonista diz precisarem de ser acompanhad­os por projetos especiais como a Camerata Atlântica. Porque respondem a “alguma inquietude” comum a todos os músicos. “Uma inquietude em ter um grupo mais pequeno, seja de música de câmara ou mesmo completame­nte fora da música erudita, jazz, étnica.” É uma forma de se sentirem livres e realizar projetos mais individuai­s. A própria Camerata já tocou desde barroco a tangos, boleros e música latino-americana, em geral, explica Ana Beatriz Manzanilla.

Uma bolsa para a Polónia acabou em Guimarães

“Nunca imaginei viver em Portugal e ter filhos portuguese­s, nasci na Venezuela. Estudei sempre no sistema de orquestras infantis e juvenis da Venezuela. Sou natural de Barquisime­to, a mais de 300 quilómetro­s de Caracas, mas uma cidade com muita tradição musical”, começa por descrever Ana Beatriz Manzanilla.

A sua carreira faz-se dos 8 aos 25 anos nas orquestras venezuelan­as, pontuada por algumas vindas à Europa para cursos esporádico­s, “nas férias da Páscoa e assim”.

Até que chega aos 25 anos e decide, juntamente com o namorado de então – hoje marido – fazer uma experiênci­a de mais tempo na Europa. Saíram com uma bolsa de um ano para Cracóvia, na Polónia, em 1995, para uma academia de música de câmara. “Foi uma vivência muito rica. Só tínhamos de estudar e ensaiar. Não tínhamos filhos, era só isso. Aproveitám­os muito bem o tempo, viajámos, demos concertos.”

Perto do fim da bolsa, quando pensavam que iam regressar à Venezuela, onde tinham trabalho na sinfónica da cidade natal, receberam um convite para a Orquestra do Norte, que ficava em Guimarães. “Recebemos um fax com esse convite”, recorda Ana Beatriz, que nunca tinha vindo a Portugal “nem sabia onde ficava Guimarães”.

A oferta de trabalho era para primeiro-violino (para Ana Beatriz) e primeira-viola (para o marido). “Quando se é jovem, não se tem medo de grandes desafios. Não tínhamos compromiss­os e pensámos: vamos conhecer.” Estiveram seis meses em Guimarães, “uma cidade lindíssima que adorámos, foi uma entrada em Portugal muito linda”.

Passado meio ano, decidiram rumar a Lisboa, para tentar a sua sorte. “Havia vagas na Orquestra Sinfónica para primeira-viola e o meu marido ganhou a audição”. O que fez que Ana Beatriz não quisesse voltar para o norte sozinha. Então ligaram para a Orquestra Sinfónica e souberam que havia uma audição na Gulbenkian duas semanas depois. A violinista acabou por conseguir o lugar, depois de uma viagem de Guimarães a Lisboa num carro alugado. “Ficou decidida a nossa vida. Estamos há 24 anos a ver como é que vai correr a estada em Lisboa”, justifica, entre risos.

Dessa habituação não poderia resultar um balanço melhor: “Temos ótimos trabalhos, ótimas oportunida­des e fomos ficando apaixonado­s pela comida, pelas pessoas, pela cultura. Depois vieram as amizades, os filhos, que nasceram cá há 21 e 18 anos, e a seguir vieram os projetos mais pessoais de música.” O regresso à Venezuela será difícil, uma vez que os filhos já nasceram cá, mas a violonista reconhece que gostava de ir com mais frequência à sua terra, não fosse a situação política não complicada.

Uma Camerata que amanhã mostra apenas sons nacionais

Em 2013, tiveram a ideia de começar a Camerata Atlântica que os tem mantido ocupados e felizes. Um dos pontos altos com esse grupo vai ser sem dúvida a participaç­ão na Temporada Música em São Roque, já amanhã, domingo, às 16.30.

A participaç­ão acontece depois de terem vencido o concurso anual da Santa Casa. Neste ano, foram “61 concorrent­es” para conseguire­m “nove lugares”, refere o diretor

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A venezuelan­a Ana Beatriz Manzanilla está em Portugal há mais de 20 anos. Nasceu em Barquisime­to, uma cidade a 300 quilómetro­s de Caracas com grande tradição musical.
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 ??  ?? Filipe Carvalheir­o é o diretor artístico da Temporada Música em São Roque, uma das mais antigas temporadas de música erudita de Lisboa, com palcos espalhados por toda a cidade.
Filipe Carvalheir­o é o diretor artístico da Temporada Música em São Roque, uma das mais antigas temporadas de música erudita de Lisboa, com palcos espalhados por toda a cidade.
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