Gaza, Cisjordânia, montes Golã e um lanche com o druso Fouad
Israel mostrou a jornalistas de toda a Europa aqueles que considera os pontos mas críticos das suas fronteiras. Em Gaza, o Hamas e os protestos junto ao muro; nos montes Golã há agitação junto ao Líbano. Uma viagem tensa, com tempo para um lanche memorável.
Se a sirene tocar, têm 15 segundos para chegar ao abrigo mais próximo. Caso não consigam, deitem-se no chão com as mãos a proteger a cabeça. Tenham um dia fantástico. Welcome to Israel.” Nir Natan, diretor de comunicação da Europe Israel Press Association (EIPA), provocou sorrisos gélidos nos 24 jornalistas (de Le Monde, Telegraph, L’Express, ABC, EFE, entre outros) sentados no autocarro, naquela manhã, no primeiro dia desta viagem. Era a primeira etapa de uma visita guiada aos pontos mais críticos das atuais guerras de Israel. Gaza, Cisjordânia, a fronteira com a Síria, o Líbano e a Jordânia, nos montes Golã, Jerusalém – enquadrada por altas patentes militares das Forças de Defesa de Israel (IDF), peritos em segurança, académicos, escritores e até um jornalista palestiniano.
Assentimos a Nir Natan, em sinal de compreensão, e a tensão inicial foi-se diluindo ao longo dos dias que se seguiram, embora sempre com aquelas palavras a ecoar sobre nós. Seguimos para Gaza.
Gaza e um abrigo num parque infantil
Chama-se “ponto de observação” da Faixa de Gaza e é uma zona militar de alta segurança onde nos encontramos. Do outro lado do robusto muro governa o Hamas, uma organização que a União Europeia considera terrorista e foi eleita pelos palestinianos em 2006.
O dia está soalheiro, corre uma brisa com aroma de pinheiro e mar, o qual fica a poucos quilómetros. O silêncio é quebrado regularmente por rajadas de tiros. De treino, explicam-nos. No miradouro há mesas de piquenique, compridas, de madeira escura, com bancos corridos pregados ao chão, à sombra de pinheiros frondosos. Um parque infantil bem equipado, que preenche o espaço, surpreende-nos. “Tentamos levar uma vida normal. As pessoas aqui do kibbutz acham que isto é um paraíso. No fundo, isto é uma área civil com militares cá dentro para a proteger”, esclarece o oficial da IDF que nos acompanha, quando se apercebe do nosso olhar um pouco espantado ao ver aquele espaço. O local é uma janela incrível para Gaza e muitas famílias, como comprovámos daí a minutos, gostam de ali ir passear.
Mas os dois abrigos com paredes espessas de cimento capturam-nos de volta a outra realidade. Sentados à volta de uma mesa, ouvimos o comandante da Divisão Militar (todos pediram anonimato) a elencar o estado da arte naquele momento: “Estamos a meio da Faixa de Gaza e aqui 1+1 não é igual a dois. O campo de batalha é uma zona civil de palestinianos.”
A menos de um quilómetro de nós, junto ao muro que divide os dois territórios, veem-se camiões de obras de um lado para outro. É-nos revelado que está também a ser construído um grande muro subterrâneo de cimento com mais de 50 quilómetros. “Um grande projeto de engenharia civil”, sublinha o oficial. O objetivo é defender o território israelita dos túneis que o Hamas constrói para penetrar no país. Nos últimos anos, as autoridades israelitas destruíram 18 túneis naquela região.
No ar, de vez em quando, vislumbra-se um drone ou um balão de vigilância. Já para não falar no sofisticado sistema antimíssil Iron Dome (Cúpula de Ferro). Tudo o que é possível prevenir tecnologicamente é utilizado. O problema é sempre a “imprevisibilidade” dos comportamentos humanos. “Todas as sextas-feiras vêm junto à vedação – o símbolo da segurança israelita – algumas dezenas de pessoas, espontaneamente organizadas pelo Hamas. Mulheres e crianças são estrategicamente colocadas à frente, porque sabem que não disparamos. Em vez de bandeiras de protesto, trazem granadas, cocktails Molotov, balões de fogo (segundos os números das autoridades, desde março de 2018, 2200 incêndios nos campos foram iniciados desta forma), sublinha este oficial superior. Por isso “avaliar o uso da força é crucial”, acrescenta Tal Rabina, diretor de estratégia da EIA.
Telefonemas e sms a avisar civis
Sentados numa sala demasiado fresca no quartel-general da IDF, bem no centro de Telavive, conhecemos o general da Força Aérea que comanda uma das divisões de helicópteros. A conversa, como quase todas as outras com oficiais da IDF, é off the record. O general, de 45 anos, segue para o grande motivo deste encontro. A garantia da IDF de que faz tudo o que pode – às vezes até pondo em risco os próprios militares – para evitar danos colaterais, diga-se, mortes de civis, sempre que é necessário destruir um alvo terrorista.
Em 2014, Israel foi acusado pela ONU de ter cometido crimes de guerra no ataque a Gaza, tal como o Hamas. Lições aprendidas, jura este oficial superior da Força Aérea. Presentemente, antes de disparar há uma checklist extensa: confirmação do alvo, com máxima precisão; adaptar as munições (se o alvo está num único piso, só esse é destruído e não todo o edifício), garantir que infraestruturas críticas (água, luz, hospitais, por exemplo) não são danificadas; alertas à população, que podem ter três momentos: um aviso geral, através dos media e panfletos atirados por meios aéreos; através de chamadas telefónicas e sms; o último recurso é o chamado knock on the roof,
um pequeno explosivo inofensivo que é atirado para o telhado da casa-alvo. As pessoas sabem que têm 20 minutos para deixar o edifício. Ainda assim, completou este comandante, todos os pilotos estão treinados e têm instruções claras para desviar a mira sempre que detetem civis.
Jonathan Conricus, porta-voz oficial da IDF, sublinha que o Irão apoia várias organizações que atacam Israel, como o Hezbollah, grupos na Síria, o Hamas e a Jihad Islâmica Palestiniana. “Não partilhamos fronteira com o Irão, mas é contra o Irão que estamos a combater”, afiança. Alguns jornalistas questionam se a estratégia militar não tem sido contraproducente ao longo de tantos anos de conflito. Estampa uma expressão cética no rosto. “O conceito de conquistar hearts and minds não é relevante quando se lida com organizações terroristas. E é disso que se trata”, assevera. “Todos os dias deixamos passar camiões com abastecimentos para Gaza, 97% da eletricidade que utilizam vem de Israel – trata-se de uma questão humanitária, não chamamos a isso conquistar hearts and minds”.
Qual é o orçamento e quantos são, afinal, os militares da IDF, questionamos. Sorrisos: “Bem, trata-se de um número confidencial. Apenas posso dizer que temos uma base que multiplica por três com as pessoas na reserva. De resto, os últimos valores que li na Wikipédia não estarão muito longe da realidade” – 176 mil no ativo e cerca de meio milhão na reserva, com 18,5 mil milhões de euros de orçamento, mais 3,1 mil milhões de apoio dos Estados Unidos.
Uma via verde para Jerusalém
O ar quente abafa-nos e são visíveis pequenos remoinhos de pó que emergem das obras. Estamos no checking point de Qalandyia – nome de um campo de refugiados palestiniano – um dos maiores pontos de passagem entre Israel e a Autoridade Palestiniana, na Cisjordânia. A renovação deste terminal começou no início do ano e a fronteira parece um estaleiro. As autoridades israelitas querem exibir-nos o recém-estreado sistema de controlo fronteiriço – uma espécie do português rapid de passaportes. Mostram-se orgulhosos de poder proporcionar esta via verde aos cerca de 130 mil palestinianos que atravessam diariamente aquele ponto para ir trabalhar, estudar ou obter tratamentos médicos em Israel.
“Antes havia filas de uma hora, uma hora e meia e agora não esperam mais de quatro minutos. Basta passar o cartão, que já contém a autorização para entrar, as impressões digitais, fazer a leitura dos dados biométricos e em quatro segundos as portas abrem-se”, explicam-nos. O som metálico dos velhos torniquetes com barras de ferro ainda se faz ouvir, mas chegados aos novos equipamentos os palestinianos que vão passando sorriem ao ver a luz verde acender. Ameen Sandouka, de 18 anos, está a estudar e a trabalhar num hotel em Jerusalém. Outro homem vem com a neta ao hospital.
Em Qalandyia, onde as casas de barro claro parecem encavalitadas umas nas outras a tentar agarrar-se ao monte íngreme, ouve-se a chamada para a oração muçulmana. Um homem que ia passar a fronteira recua e junto a uma parede estende um pequeno tapete no chão e começa a rezar. Um pouco indiferentes a toda a movimentação de jornalistas ocidentais estão três pessoas sentadas num banco, do lado da Cisjordânia. Duas mulheres, uma delas com uma bebé ao colo, e um rapaz. Perguntamos sobre a renovação do terminal. A mulher mais velha, Nahala, vestida de preto, abana a cabeça. “Nada do que vem dali (de Israel) é bom, nada.” Vinha de Jerusalém, onde tinha ido a uma consulta médica e regressava a Hebron. Abdallah, o rapaz ao seu lado, sorri, tem 15 anos e diz que não fala inglês.
Sumo de romã e o saudável ceticismo
A hostilidade e o ceticismo de Nahala são semelhantes aos de Mohamed, que nos vende um fresco sumo de romã acabada de espremer, na cidade velha de Jerusalém. “Eles (os israelitas) só nos sabem complicar a vida, mais nada”, sublinha. Tínhamos perguntado sobre as novas medidas para “facilitar” a obtenção de cidadania israelita aos árabes da Cidade Santa que, minutos antes, DavidWeineberg e David Korem, do Jerusalem Institute for Strategy and Security, nos tinham apresentado.
Fazem parte de um think tank de segurança e são consultores do governo. Recordaram que quando Israel “tomou conta” de Jerusalém Oriental, em 1967, existiam entre 50 e 70 mil residentes árabes, número que subiu para cerca de 400 mil. Ou seja, 38% dos habitantes desta parte de Jerusalém são palestinianos. Mas não são cidadãos israelitas. Votam nas eleições municipais, mas não nas nacionais. Podem circular livremente em Israel, mas não têm passaporte para sair do país. E se, quando se falava de Gaza, o porta-voz da IDF não se mostrou adepto da política de conquistar hearts and minds, aqui é precisamente isso que se pretende. “Jerusalém Oriental foi negligenciada durante muito tempo, há muita pobreza e dificuldades. Estamos agora a tentar diminuir os problemas através de ajuda humanitária, apoio a escolas e à educação”, admite Korem.
Os palestinianos aqui sentem-se uma comunidade especial, diferente dos árabes israelitas (cerca de 1,2 milhões, ou seja , 20%