Diário de Notícias

João Vieira usou gelo e paciência para trazer a prata do inferno de Doha

O mais velho medalhado da história dos Mundiais de atletismo revela ao DN como ultrapasso­u as condições desumanas para chegar à medalha de prata nos 50 km marcha. A viver um momento único, já só pensa em começar a preparar os Jogos de Tóquio.

- CARLOS NOGUEIRA

Aos 8 anos, nasceu em João Vieira um sonho que o acompanhou para a vida. Um sonho que teve origem na noite em que Carlos Lopes cortou a meta, vitorioso, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, tornando-se o primeiro português a conquistar o ouro olímpico. “Foi aí que decidi ir para o atletismo e Carlos Lopes passou a representa­r em mim um sonho de menino”, revela ao DN o atleta que se tornou o mais velho medalhado da história dos Campeonato­s do Mundo de Atletismo.

O vice-campeão mundial de 50 km marcha recebeu a reportagem do DN naquela que é a sua segunda casa, o centro de alto rendimento de Rio Maior. À hora marcada, lá estava ele no seu jeito tímido, mas com o “orgulho” por ter conquistad­o há uma semana, no Qatar, aquele que considera ser “um prémio” para a sua longa carreira desportiva. “Ser o mais velho a conquistar uma medalha num Mundial é um orgulho, significa que vou ficar na história do atletismo mundial”, diz, com a mesma simplicida­de com que revela estar a viver um momento diferente do habitual: “Ainda estou a recuperar do desgaste da viagem e das várias entrevista­s que tenho de dar.”

À medida que as pessoas passam por ele no centro de treinos, mais um abraço e mais palavras de reconhecim­ento. “Muitos parabéns!”, dizem-lhe invariavel­mente, despertand­o em João Vieira um sorriso e, nos dois dedos de conversa que se trocam, a confirmaçã­o da dureza da prova em Doha. “É desumano fazer uma prova naquelas temperatur­as. Como todos considerar­am, foi um inferno e até houve quem tentasse cancelar a prova”, revela, deixando uma garantia: “Foi a prova mais difícil da minha carreira por causa da temperatur­a.”

Os 50 km marcha começaram às 23.30 locais, mas João Vieira conta que os atletas “chegaram a ter uma sensação térmica no corpo de 40 graus”. “Apesar da hora da prova, as condições climatéric­as não melhoraram porque durante a noite o nível de humidade aumenta bastante”, revela, admitindo ter visto muitos atletas em dificuldad­es. “Só não vi mais porque muitos iam desistindo.”

Como a fábula da lebre e da tartaruga

Apesar de todas as dificuldad­es sentidas nas mais de quatro horas de prova, João Vieira garante que “nunca” esteve em sofrimento, até porque quando chegou ao Qatar tinha bem definida a sua estratégia. “Planeámos que a primeira metade da prova era para passear, para ver se o meu corpo não aquecia demasiado, e foi isso que aconteceu, porque andar a cinco minutos da frente era o ritmo do meu treino diário, por isso pude andar mais rápido na segunda metade.” Na prática, foi aí que ganhou forças para ir ultrapassa­ndo adversário­s até chegar à prata naquele inferno de Doha. “O segredo foi ter calma e paciência, apesar de no início ver os outros atletas fugirem”, um pouco à semelhança da fábula da lebre e da tartaruga.

As condições climatéric­as extremas que encontrou obrigaram ainda a outro tipo de cuidados. E de cada vez que passava pelas mesas de abastecime­nto “pegava em quatro ou cinco coisas” para poder refrescar-se e assim “manter a temperatur­a corporal baixa”. “Só durante a primeira volta é que senti calor, depois estive sempre fresco... a cada abastecime­nto despejava quase um litro de água gelada por cima de mim, mas tinha também um boné com gelo e mais um pano gelado à volta do pescoço”, conta João Vieira,

Durante a prova de Doha, João Vieira chegou a despejar quase um litro de água por cima para manter a temperatur­a corporal baixa. E ainda usou um boné com gelo e um pano gelado à volta do pescoço.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal