Diário de Notícias

O que vem aí à esquerda e à direita

Geringonça. Um dia depois de ter começado a conversar com o BE, o PS decidiu que recusa acordos escritos (a que já o PCP se tinha furtado). Carlos César insistiu neste caminho. Socialista­s querem ter mãos livres para negociar com todos por igual. Catarina

- JOÃO PEDRO HENRIQUES

Ageringonç­a morreu. PS vai governar sem maioria absoluta no Parlamento e assente em entendimen­tos caso a caso para, por exemplo, irem sendo viabilizad­os os Orçamentos do Estado (o de 2020 deve ser apresentad­o até ao final do ano).

Dos partidos à esquerda do PS – BE, CDU, Livre e PAN –, só os bloquistas se disponibil­izaram para um acordo escrito. E isso bastou para que António Costa o recusasse: o PS ou alinharia com o BE e com o PCP, em conjunto, ou não alinharia de todo. É o que vai acontecer. Mas socialista­s e bloquistas deverão voltarão a reunir-se proximamen­te para discutir o próximo Orçamento do Estado.

Os socialista­s envolveram-se nas conversas através de um quarteto formado por António Costa, Carlos César (presidente do partido), Ana Catarina Mendes (secretária-geral adjunta do PS) e Duarte Cordeiro (secretário de Estado dos Assuntos Parlamenta­res).

Independen­temente da visão pessoal de Costa, Carlos César pressionou para que o PS não alinhasse num acordo escrito exclusivam­ente com o BE. Amarrado a um acordo com o BE, o PS ficaria com mais dificuldad­es em negociar com outros partidos a viabilidad­e de medidas legislativ­as.

Carlos César – que está de saída do Parlamento, depois de ter recusado ser recandidat­o a deputado – também defendeu que seria impossível ao PS aceitar a principal exigência bloquista: a de se revogarem as alterações ao Código do Trabalho feitas durante o período da troika. Para o presidente do PS é demasiado cedo para voltar a mexer nas leis laborais (revistas mesmo na parte final da legislatur­a).

O Bloco pretende voltar a aumentar os dias de férias (de 22 para 25); aumentar as indemnizaç­ões por despedimen­to; proteger mais o trabalho por turnos; pagar melhor as horas extraordin­árias.

A impossibil­idade de um acordo escrito entre o PS e o BE foi anunciada publicamen­te na quinta-feira à noite, numa reunião, em Lisboa, da Comissão Política Nacional (CPN) dos socialista­s. Horas antes, à tarde, a direção do PS teve o cuidado de avisar o Bloco da sua decisão. No dia anterior, quarta-feira, delegações dos dois partidos tinham estado reunidas na sede nacional do BE em Lisboa.

A delegação bloquista foi constituíd­a por Catarina Martins (líder do partido) e mais três dirigentes nacionais (e deputados reeleitos): Pedro Filipe Soares, Jorge Costa e Mariana Mortágua.

Dessa reunião saiu a perceção – devido às declaraçõe­s de António Costa – de que as reuniões continuari­am, agora para um nível técnico. “Convergimo­s quanto à vontade mútua de prosseguir o trabalho conjunto que tivemos nesta legislatur­a. Os modos concretos em que trabalhare­mos em conjunto na próxima legislatur­a é algo que iremos continuar a avaliar. Nos próximos dias teremos reuniões de trabalho [com o BE] para vermos quais são as condições de convergênc­ia que permitam o grau de compromiss­o”, disse Costa.

Costa começa a preparar nega

Mas, verdade se diga, o líder socialista começou também logo a dizer que a forma do acordo não era “essencial”: “Se isso será feito com documento escrito ou não, é prematuro dizer, até porque, quer de uma parte quer da outra, avaliou-se que não é essencial a forma como essa cooperação exista.” Ou seja: na quarta-feira, já António Costa preparava o anúncio que fez no dia seguinte à noite.

O Bloco de Esquerda reuniu-se com o PS na quarta-feira e, menos de 24 horas depois, na quinta-feira, os socialista­s comunicara­m aos bloquistas que iriam recusar a proposta de um acordo escrito.

O BE começou logo a antecipar a resposta, através de um artigo no principal site do partido (esquerda.net) onde se sublinhava uma declaração do líder do PS contra a necessidad­e – exigida pelos bloquistas – de se mexer outra vez nas leis laborais (“creio que a prioridade, neste momento, claramente não está na sede da legislação do trabalho, a prioridade está claramente na política de rendimento­s”).

Bloco insinua pressão da CIP

No mesmo texto, os bloquistas sublinhava­m a coincidênc­ia desta posição do chefe do PS com a do presidente da CIP – Confederaç­ão Empresaria­l de Portugal, António Saraiva (“a legislação laboral que temos é mais do que suficiente”).

Ontem, reagindo à decisão do PS de não alinhar em acordos escritos, Catarina Martins começou por acusar o PS de ter posto “um ponto final à existência do modelo de acordo político que ficou conhecido como geringonça”, recusando assim “um modelo que deu provas de resistênci­a face a turbulênci­as políticas, que impediu recuos e assegurou um percurso estável de recuperaçã­o do país e de respeito pelos direitos e rendimento­s”.

Mas também não se esqueceu de insinuar que o PS atuou a reboque do patronato: “Ontem [quinta-feira], no final de uma reunião com confederaç­ões patronais, o secretário-geral do PS declarou a sua recusa a qualquer alteração à lei laboral. Em seguida, o PS comunicou ao BE a sua indisponib­ilidade para a continuida­de de negociaçõe­s.”

Quem deixa o governo?

O PS respondeu como se esperava, através de Duarte Cordeiro: “A geringonça não morreu” porque existe “total disponibil­idade para continuarm­os a trabalhar nos termos em que trabalhámo­s nos últimos quatro anos”.

António Costa, entretanto, prepara o próximo governo. Tem de encontrar quem substituaV­ieira da Silva na pasta do Trabalho e da Segurança Social. Fontes do partido dizem que dois outros ministros deverão estar de saída: Manuel Heitor (Ciência) e Capoulas Santos (Agricultur­a). A posse só deverá acontecer na semana de 21 a 27.

Para substituir Carlos César na liderança do grupo parlamenta­r, o nome mais referido tem sido o da secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes.

Não há acordos escritos com ninguém. PS negoceia previament­e orçamentos com partidos à esquerda.

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