Ainda há 113 portugueses a casar-se antes dos 18 anos
Nações Unidas alertam Portugal para a necessidade de aumentar a idade mínima dos casamentos para os 18 anos. Embora tenham vindo a descer, em 2018 celebraram-se 113 matrimónios.
João Vieira Pinto casou-se com Carla (de quem se divorciaria) quando ambos tinham 16 anos. Nesse ano de 1987, quando o ex-futebolista ainda jogava nas camadas jovens do Boavista, casaram-se 1645 jovens com menos de 17 anos (dados disponíveis no INE). Nos últimos anos o número de casamentos antes dos 18 anos tem diminuído, acompanhando as quebras de demográficas – menos nascimentos e menos matrimónios em detrimento da união de facto – mas ainda assim realizam-se anualmente mais de uma centena de casamentos antes de os nubentes atingirem a maioridade. No ano passado, foram 113, de papel passado, em que pelo menos um dos noivos era menor de idade.
Uma questão que, já mais de uma vez, levou o Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças a alertar Portugal para a necessidade acabar com as exceções legais que permitem o casamento a partir dos 16 anos (artigos 1600 e 1601 do Código Civil). O recente relatório sobre a aplicação da Convenção dos Direitos das Crianças volta a bater nesta tecla.
Ou seja, mesmo que o número de matrimónios tenha vindo a descer, a ONU entende que estão em causa os direitos das crianças. Vejam-se os números, para se ter noção da diminuição do número de casamentos infantis em 20 anos: em 1998 registaram-se 1827 matrimónios em que pelo menos um dos cônjuges tinha idade inferior a 18 anos, em 2018 esse número era bastante mais baixo – 113. Ainda assim, uma estatística superior à registada nos anos da crise em que houve, por exemplo, 63 casamentos em 2014.
Se forem analisados os mesmos dados por sexo, conclui-se que no ano passado houve 152 pessoas com menos de 18 anos a casar-se (110 raparigas e 42 rapazes) – quer isto dizer que em alguns matrimó
nios dois dos cônjuges eram menores de idade, segundo dados fornecidos ao DN pelo INE.
Esta descida não destoa dos números gerais de casamentos em Portugal: 66 770 matrimónios em 1998 contra 34 637 em 2018, sendo que nesta contabilidade já entram os casamentos entre pessoas do mesmo sexo (607). Ou até dos dados sobre as gravidezes na adolescência (ver infografia).
França aumentou para 18 anos
Embora em Portugal o assunto não tenha ocupado a agenda política, outros países da Europa já alteraram a idade núbil – a França resolveu a questão em 2005, quando aumentou a idade mínima de casamento dos 15 para os 18 anos. Bélgica e Suécia também só permitem o casamento a partir dos 18.
A Espanha era até 2015 o país europeu com a idade mínima de casamento mais baixa, mas nessa data alterou dos 14 para os 16 anos. O PP propôs entretanto que subisse para os 18. Alemanha, Inglaterra e Itália, à semelhança de Portugal, estabelecem os 16 anos como a idade mais baixa.
João Vieira Pinto casou-se com Carla aos 16 anos, com autorização expressa dos pais. Uma gravidez precoce acelerou o matrimónio. “Foi muito difícil, aos 16 anos ninguém está preparado para assumir aquela responsabilidade, muito menos para ser pai”, diz ao DN.
O assunto não está devidamente estudado, mas as gravidezes, a necessidade passar à vida adulta ou legitimar uma relação podem justificar a emancipação dos jovens.
Por isso, o ex-futebolista não tem dúvidas de que a idade mínima do casamento devia ser alterada. “Mesmo assim, aos 18 anos é cedo para assumir um compromisso. Seja quem for, não está preparado para se casar aos 18 anos.”
Quando João Vieira Pinto se casou foi viver um ano na casa dos sogros, só depois o casal teve a sua própria casa. Ainda aos 16 anos foi pai de Tiago e aos 19 de Diana.
“Casar-se com esta idade marca muito, perdemos a infância. Tudo o que os amigos fazem deixamos de fazer, mas continuamos a ser reféns dos pais. Eu era casado, tinha um filho, mas continuava a precisar da assinatura dos meus pais para poder ir ao estrangeiro para os jogos da seleção”, conta.
Ser um homem casado e pai de uma criança colidia não só com a necessidade de pedir autorização aos pais para jogar no estrangeiro, como com outras faculdades que lhe estavam interditas por lei: tirar a carta ou votar, duas coisas que os jovens portugueses só estão habilitados a fazer a partir dos 18 anos.
“Utilizamos com frequência a expressão superior interesse da criança, mas quando nos confrontamos com os casamentos antes da maioridade vemos que alguma coisa está a falhar. Pensamos muito na primeira e na segunda infância, mas esquecemos que as convenções internacionais dos direitos das crianças vão até aos 18 anos”, diz Alice Frade, da P&D Factor (Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento).
E vai mais longe: “Isto do que é o superior interesse da criança não pode valer apenas em sede de tribunal. Temos de fazer uma internalização em todos os setores – escola, centros de saúde, organizações dos direitos humanos – para que o combate aos casamentos infantis seja um combate civilizacional e não da cultura de A ou B.”
Ciganos privilegiam a palavra
De facto, ainda pode subsistir a ideia de atribuir os casamentos infantis a algumas comunidades, como a cigana. Mas, embora aconteçam, dificilmente entram nas estatísticas, porque esta comunidade privilegia sobretudo a festa. Além disso, a tradição dos casamentos infantis é secular em Portugal, desde os tempos da monarquia – Carlota Joaquina, por exemplo, casou-se aos 10 anos com o
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