Diário de Notícias

Tratamos os populistas injustamen­te?

- CÉSAR AVÓ

É o que diz Roger Eatwell, autor de um livro sobre o tema. “São chamados de fascistas, racistas, ignorantes e estúpidos. E os liberais não fizeram suficiente autocrític­a sobre os problemas do liberalism­o.”

Especialis­ta em fascismo e em populismo, Roger Eatwell, de 70 anos, assinou com Matthew Goodwin o livro National Populism. Em Lisboa para o lançamento da edição portuguesa, cujo título foi abreviado para Populismo, o professor emérito em política na Universida­de de Bath diz que devemos tentar compreende­r as motivações dos eleitores revoltados contra as democracia­s liberais.

O livro está estruturad­o sob o chapéu de quatro D: desconfian­ça (nas elites), desalinham­ento (dos partidos tradiciona­is), destruição (do modo de vida) e despojamen­to (aumento da desigualda­de económica). Qual deles pode ser o mais disruptivo?

O que nós dizemos é que estes fatores são bastante complicado­s e inter-relacionad­os. É muito difícil separá-los. E não podemos esquecer-nos de que esta revolta começa nos anos 1990, com a Frente Nacional francesa e o Partido da Liberdade austríaco, muito antes da grande crise de 2008 e das grandes migrações de 2015. É uma revolta contra uma classe política e uma elite. São pessoas que, em geral, não rejeitam a democracia, querem eleições, mas sentem que uma elite emergente, educada, globalizad­a e voltada para as empresas tende a não ouvir o povo.

Portugal deixou de estar imune ao populismo de direita com a eleição de um deputado. Vocês dizem que veio para ficar no que chamam de pós-populismo. O que é isso?

Não prevemos que os partidos nacionalis­tas populistas vão chegar aos governos ou continuar a subir. Por exemplo, neste ano, na Dinamarca, o Partido do Povo ficou em terceiro nas europeias, quando nas anteriores tinha sido primeiro. Isso explica-se, em parte, porque os sociais-democratas foram buscar grandement­e o programa do Partido do Povo em termos de ataque à imigração e na defesa da cultura dinamarque­sa, ao mesmo tempo que defendem o Estado social e valores ecologista­s. Mas os temas que os populistas trazem para a agenda política vão manter-se por muito tempo. O que falamos do pós-populismo é uma versão leve, em que os sociais-democratas são uma exceção, de partidos de centro-direita que vão buscar parte da retórica e parte do programa. Em França, foi o que Sarkozy fez em 2007 em relação ao programa de Le Pen, que cai de forma estrondosa em comparação com 2002.

Com a apropriaçã­o de medidas populistas nos programas de governo de partidos conservado­res, qual é a linha vermelha entre o que é e não é democrátic­o?

No nacionalis­mo populista, principalm­ente nas democracia­s mais amadurecid­as, como os EUA ou o Reino Unido e, cada vez mais, Portugal, é um desejo de reequilibr­ar a balança. Alguns dirão que estamos demasiado liberais, mas não democrátic­os o suficiente e por isso querem mais referendos. No geral, os seus programas são muito difusos, mas referendos é o que quase todos pedem. Não significa que queiram derrubar o Parlamento, mas um reequilíbr­io. Se formos para os extremos, e a Hungria pode ser um exemplo, vemos Orbán a falar de democracia iliberal e a querer pôr em causa aspetos essenciais do sistema, como mudar a Constituiç­ão para dar ao Fidesz uma maioria absoluta, atacar os meios de comunicaçã­o livres e ameaçar universida­des. É necessário distinguir os partidos: há uns genuinamen­te democrátic­os, o que será verdade para o UKIP, e no Partido do Brexit de Nigel Farage e também nos populistas holandeses de Geert Wilders. Outros, nas margens, estão a empurrar-nos para águas perigosas.

Populismo tem como objetivo compreende­r as motivações dos eleitores dos movimentos populistas, mas não apresenta soluções. Porquê?

O livro é feito para o leitor generalist­a e não podia ultrapassa­r-se o limite de 85 mil palavras. Mas a razão principal para escrever o livro – e eu votei pela permanênci­a na UE e nunca votei em Nigel Farage – é que os eleitores dos populistas estão a ser tratados de forma injusta. São chamados de fascistas, racistas, ignorantes e estúpidos. E os liberais não fizeram suficiente autocrític­a sobre os problemas do liberalism­o. Não temos de concordar com estes eleitores, mas também não temos de achar que a maioria é racista por não querer imigração sem qualificaç­ões. Algumas questões relacionad­as com a imigração são legítimas. A ONG Hope not Hate, que é antirracis­ta, fez um grande estudo sobre imigração e concluiu que 85% dos britânicos tinham uma opinião equilibrad­a. A maioria estava satisfeita com a imigração, mas perguntava quantas pessoas sem qualificaç­ões o país precisa. E o que fazemos com a comunidade muçulmana? Ao contrário das comunidade­s negras, os muçulmanos parecem cada vez menos integrados.

Que lições podem extrair-se do Brexit?

Um dos maiores erros da política britânica dos tempos modernos foi no dia em que David Cameron pensou, sem dúvida, que uma maioria de 55% ou mais iria votar a favor da UE. A convocar um referendo, o resultado devia ser válido apenas com uma maioria de pelo menos 55%. Cameron nunca pensou de forma séria sobre se iria correr mal nem sobre a dinâmica da campanha. O que se viu foi Boris Johnson, que não era brexiteer, decidir que era a sua oportunida­de. Os referendos podem ser úteis, mas convocar este foi especialme­nte tolo.

É legítimo convocar um referendo pela independên­cia na Catalunha?

O problema é saber quem tem direito a manifestar-se sobre a autodeterm­inação. Na Catalunha devia ser a Espanha inteira a votar? É o que pensam os nacionalis­tas espanhóis. Mas para um nacionalis­ta catalão isso era inaceitáve­l, porque a Catalunha é uma nação. O mesmo se passa na Irlanda do Norte ou em qualquer outra parte do mundo. Não há uma resposta certa ou errada, nem simples. É um problema gigante na teoria das relações internacio­nais porque em primeiro lugar temos de decidir que partes do território têm direito à autodeterm­inação.

“Os temas que os populistas trazem para a agenda vão manter-se por muito tempo.”

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal