Tudo ligado
Avida adulta tem-me mostrado muitas coisas que são mais difíceis do que parecem e outras que são o contrário, são bem mais fáceis do que parecem. Das mais difíceis, uma das mais, é conseguir ter um template de PowerPoint que funcione. Claro que isto interessa pouco aos leitores, uns porque não usam PowerPoint, outros que usam mas a quem basta o que o Microsoft lhes dá, e outros que são de empresas tão grandes e tão estabelecidas que os departamentos de marketing e de aiti já lhes personalizaram os templates. Ora sendo a minha chafarica recente, é coisa com a qual ainda não conseguimos atinar. Mas está-se a fazer o caminho. A imagem já está no ponto – agora apenas falta as funcionalidades todas.
Na semana que passou estreámos a nova imagem em conferências públicas. A primeira de todas foi no lançamento do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, pela Ordem dos Contabilistas Certificados. Ora uma das coisas mais fáceis do que parece e que se parece muito com a idade é ver as ligações entre as coisas. E está tudo ligado. O lançamento do Anuário Financeiro era a prova que me faltava do grand slam autárquico. Já tinha feito o congresso da ATAM, o da ANAFRE (o mundo autárquico é cheio de siglas). E faltava-me este. Mas esta piada, que vale o que vale, ficou mesmo bem, porque a conferência calhou precisamente no dia, e até na hora, em que quatro anos antes tinha tomado posse como secretário de Estado das Autarquias Locais, no XX governo, o dos 27 dias. O tema da minha intervenção era impostos e descentralização, em que mais uma vez voltei a defender impostos verdadeiramente locais e poderes de confirmação dos impostos por parte dos municípios ou daquelas entidades que ninguém ousa dizer o nome, as regiões [shhhh]. Mas disse mais, que é preciso termos verdadeira política fiscal municipal ligando as duas partes da expressão, a política e a fiscal. E aquilo em que devemos pensar é como dotar os municípios de instrumentos que permitam ligar as duas áreas de atuação com os seus poderes tributários. Se um município tem de facto de resolver o problema da habitação, porque não ter poder sobre os rendimentos prediais, incentivando ou desincentivando o arrendamento. Por falar nisso, a ideia de englobar obrigatoriamente os rendimentos de rendas, sujeitando-os às taxas gerais, parece uma medida feita para dificultar ainda mais o acesso à habitação em Lisboa e no Porto.Vai levar a mais casas vendidas e casas vendidas mais depressa no curto prazo e menos no arrendamento, pois não me parece que possam ser entretanto criados programas de rendas controladas ou acessíveis em escala necessária para que sejam atrativas para os proprietários. Ora bem, nessa conferência conheci a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, que, além de estar a desempenhar um excelente mandato, me disse que em jovem era minha vizinha e que se lembrava de mim pequeno a entrar e sair de casa pela janela (cresci num rés-do-chão, não se trata de ter sido homem-aranha). Primeira coincidência, o dia. Segunda, a vizinha. Mas vai haver mais. O template dos slides tem uma ilustração muito bonita do Santiago Ramón y Cajal, neurologista espanhol, de dendrites que são uma parte de neurónios. A audiência deve ter julgado que tinha a ver com o tema da descentralização, mas não, é mesmo por sermos muito obcecados com tudo o que tem a ver com cérebros lá na chafarica.
Dali tive de seguir para Sevilha, para uma conferência na universidade e umas reuniões. Nada de novo ou excitante. A não ser que o hotel onde me puseram era na Avenida Ramón y Cajal. E, além disso, é sempre bom voltar a Sevilha, já que devo ter sido o único português que não veio à Expo de Sevilha, nunca tive uma má experiência em Sevilha. A minha colega de painel começou a conferência a falar da sua história de amor de 30 anos com Espanha (suspeito que eram indiretas para outro membro do painel, mas não digam nada). A minha não é com Espanha. Nem tem 30 anos. É com várias cidades de Espanha em separado. Mas se calhar estão todas ligadas por uma teia invisível de neurónios, desenhada por Ramón y Cajal. Todas ligadas, é possível. Como tudo.
Advogado