Diário de Notícias

Tudo ligado

- João Taborda da Gama

Avida adulta tem-me mostrado muitas coisas que são mais difíceis do que parecem e outras que são o contrário, são bem mais fáceis do que parecem. Das mais difíceis, uma das mais, é conseguir ter um template de PowerPoint que funcione. Claro que isto interessa pouco aos leitores, uns porque não usam PowerPoint, outros que usam mas a quem basta o que o Microsoft lhes dá, e outros que são de empresas tão grandes e tão estabeleci­das que os departamen­tos de marketing e de aiti já lhes personaliz­aram os templates. Ora sendo a minha chafarica recente, é coisa com a qual ainda não conseguimo­s atinar. Mas está-se a fazer o caminho. A imagem já está no ponto – agora apenas falta as funcionali­dades todas.

Na semana que passou estreámos a nova imagem em conferênci­as públicas. A primeira de todas foi no lançamento do Anuário Financeiro dos Municípios Portuguese­s, pela Ordem dos Contabilis­tas Certificad­os. Ora uma das coisas mais fáceis do que parece e que se parece muito com a idade é ver as ligações entre as coisas. E está tudo ligado. O lançamento do Anuário Financeiro era a prova que me faltava do grand slam autárquico. Já tinha feito o congresso da ATAM, o da ANAFRE (o mundo autárquico é cheio de siglas). E faltava-me este. Mas esta piada, que vale o que vale, ficou mesmo bem, porque a conferênci­a calhou precisamen­te no dia, e até na hora, em que quatro anos antes tinha tomado posse como secretário de Estado das Autarquias Locais, no XX governo, o dos 27 dias. O tema da minha intervençã­o era impostos e descentral­ização, em que mais uma vez voltei a defender impostos verdadeira­mente locais e poderes de confirmaçã­o dos impostos por parte dos municípios ou daquelas entidades que ninguém ousa dizer o nome, as regiões [shhhh]. Mas disse mais, que é preciso termos verdadeira política fiscal municipal ligando as duas partes da expressão, a política e a fiscal. E aquilo em que devemos pensar é como dotar os municípios de instrument­os que permitam ligar as duas áreas de atuação com os seus poderes tributário­s. Se um município tem de facto de resolver o problema da habitação, porque não ter poder sobre os rendimento­s prediais, incentivan­do ou desincenti­vando o arrendamen­to. Por falar nisso, a ideia de englobar obrigatori­amente os rendimento­s de rendas, sujeitando-os às taxas gerais, parece uma medida feita para dificultar ainda mais o acesso à habitação em Lisboa e no Porto.Vai levar a mais casas vendidas e casas vendidas mais depressa no curto prazo e menos no arrendamen­to, pois não me parece que possam ser entretanto criados programas de rendas controlada­s ou acessíveis em escala necessária para que sejam atrativas para os proprietár­ios. Ora bem, nessa conferênci­a conheci a bastonária da Ordem dos Contabilis­tas Certificad­os, que, além de estar a desempenha­r um excelente mandato, me disse que em jovem era minha vizinha e que se lembrava de mim pequeno a entrar e sair de casa pela janela (cresci num rés-do-chão, não se trata de ter sido homem-aranha). Primeira coincidênc­ia, o dia. Segunda, a vizinha. Mas vai haver mais. O template dos slides tem uma ilustração muito bonita do Santiago Ramón y Cajal, neurologis­ta espanhol, de dendrites que são uma parte de neurónios. A audiência deve ter julgado que tinha a ver com o tema da descentral­ização, mas não, é mesmo por sermos muito obcecados com tudo o que tem a ver com cérebros lá na chafarica.

Dali tive de seguir para Sevilha, para uma conferênci­a na universida­de e umas reuniões. Nada de novo ou excitante. A não ser que o hotel onde me puseram era na Avenida Ramón y Cajal. E, além disso, é sempre bom voltar a Sevilha, já que devo ter sido o único português que não veio à Expo de Sevilha, nunca tive uma má experiênci­a em Sevilha. A minha colega de painel começou a conferênci­a a falar da sua história de amor de 30 anos com Espanha (suspeito que eram indiretas para outro membro do painel, mas não digam nada). A minha não é com Espanha. Nem tem 30 anos. É com várias cidades de Espanha em separado. Mas se calhar estão todas ligadas por uma teia invisível de neurónios, desenhada por Ramón y Cajal. Todas ligadas, é possível. Como tudo.

Advogado

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal