EM MOVIMENTO
Começo o artigo com dois factos. Primeiro: há quatro anos que o bipartidarismo acabou em Espanha. Segundo: Espanha vai para as quartas eleições em quatro anos. Aposto um terceiro facto, que não me parece ser matéria de opinião: a fragmentação partidária foi incapaz, nos últimos quatro anos, de oferecer uma solução estável de governo em Espanha. Arrumados os factos, arrisco alguma elaboração, até porque está em voga a discussão sobre as vantagens da fragmentação eleitoral, da divisão do espaço político em vários partidos, mais homogéneos e coerentes do que os partidos de tendência maioritária.
A fragmentação pode dificultar a criação de soluções estáveis ou maioritárias mas está longe de as tornar impossíveis ou de as tornar mais amplas e escrutináveis. Não estou, por isso, entre os que condenam, à partida, essa fragmentação, embora esta constatação dependa dos sistemas eleitorais e do fenómeno do desperdício de voto.
Para que essa fragmentação não torne impossível a estabilidade e a formação de governos, é preciso que o seu intuito, que a sua motivação, seja de agregação, de soma, de ampliação. Isto é, que o surgimento de novos partidos tenha por objetivo trazer novas perspetivas, novas formas de olhar para os problemas e, nesse âmbito, influenciar as políticas públicas. Isso sucede normalmente nas coligações de governo, nos acordos parlamentares ou até, como se viu por cá, em posições conjuntas assinadas, em que as diferenças não impedem um entendimento.
Sucede que nem sempre essa fragmentação tem intuito agregador. Muitas vezes tem um propósito excludente, discriminador, de rejeição. Formações aparecem com uma espécie de superioridade moral, de cariz regenerador, que se afirma na rejeição de tudo o resto, na acusação de que os restantes ou representam um mal intolerável ou são fracos e complacentes com esse mal.
Nesse caso, que em larga medida é o espanhol, a fragmentação não contém qualquer vocação de estabilidade, qualquer propensão executiva ou maioritária, mas tão-somente uma espécie de arrumação tribal, clubística, que transforma a discussão política num julgamento moral permanente, com acusações cruzadas, destinadas a retirar legitimidade ao outro.
Deixamos de ouvir “eu faço melhor”, eu “governo melhor”, tu “fizeste pior”, para passar a ouvir eu “sou o único que defende”, eu “sou o único que pode”, tu “representas o pior da política”, absolutizando tudo, queimando compromissos, radicalizando artificialmente o discurso para ele se tornar mais convincente. A instabilidade é o resultado, o cansaço com a democracia é a consequência.
Portugal nunca teve bipartidarismo mas tinha um sistema partidário mais ou menos arrumado e estabilizado, que começou a alterar-se com a geringonça, trazendo partidos para o sistema, e que agora se dispersa com novos partidos. Isso serão boas ou más notícias consoante o propósito de cada um deles.
Passam hoje 30 anos sobre o fim do Muro de Berlim. Nunca me pareceu muito legítimo que se falasse apenas em “queda”, quando se fala do célebre muro. A verdade é que foi derrubado, e pela mesma ação humana que o construiu. Se isto à partida pode parecer um pormenor menos importante, ganha outra dimensão se pensarmos que foi um momento que ficou histórico também porque, pela paz e por via do diálogo, a humanidade conseguiu uma transição na ordem internacional através do consenso. Deveu-se apenas a alguma fraqueza da antiga URSS? Ou foi, de facto, um momento inspirador na história da cultura democrática europeia, aquele wind of change que os Scorpions imortalizaram na sua célebre balada? Talvez um pouco de ambos. Certo é que a necessidade de acabar com os “muros” que servem de obstáculo à paz e à tolerância nunca foi tão atual como hoje.
Há muito que as relações internacionais não se viam tão complexas como agora. Entre a incerteza quanto ao papel dos EUA enquanto potência global de manutenção da paz, o Brexit, os populismos e oVox, celebrar a reunificação de Berlim nunca fez tanto sentido. Estaremos a ser alarmistas se decretarmos, em termos globais e políticos e um pouco à semelhança do que acontece com o clima, uma “emergência democrática”? Estaremos pelo menos a tempo de sermos prudentes e de percebermos que os populismos não se alimentam apenas da manipulação de factos, informação e notícias, mas também, e cada vez mais, da manipulação da própria história e da memória coletiva.
Em 2016, durante a Web Summit, correu mundo a frase “In the free world you can still find a city to live, invest and build your future. Making bridges. Not walls.We call it Lisbon”. Foi uma forma eficaz de promovermos Lisboa e uma maneira de responder a uma pergunta cada vez mais premente: como promover a cultura democrática e da paz em termos concretos?
Na Web Summit, que terminou na quinta-feira, Katherine Maher, CEO da Wikimedia Foundation, cujo maior projeto é a bem conhecidaWikipédia, afirmou, com alguma ironia: “Não, o mundo não vive uma crise do conhecimento. O mundo vive uma crise de confiança.” Essa crise – de valores – traz consigo a substituição do espírito crítico pela polarização tendenciosa, com os efeitos nefastos que já conhecemos. A resposta ao populismo não poderá nunca descurar a educação. Neste ano letivo, em Portugal, os alunos do 12.º ano passaram a ter a opção de escolher uma nova disciplina. Pretende-se abordar a história contemporânea e que os estudantes consigam interpretar o presente e agir de forma crítica: “História, Culturas e Democracia.” A repetição da história e dos erros do passado não tem de ser uma fatalidade no futuro. A ponte, no entanto, é no presente que tem de ser feita.
Como as sucessivas eleições têm demonstrado há um divórcio claro entre eleitos e eleitores. Uma das principais reivindicações que as pessoas fazem é o reforço da transparência na atividade política. A anterior legislatura foi uma oportunidade perdida para a legalização do lobbying. Depois de anos a debater o tema na comissão eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, no final o Parlamento acabou por desperdiçar a oportunidade de legislar sobre esta matéria.
Esta regulamentação possibilitará a participação dos cidadãos e das empresas nos processos de formação das decisões públicas, algo fundamental num Estado de direito democrático. Além dos efeitos práticos que terá o controlo desta atividade, a sua regulamentação poderá ser uma mensagem muito importante para a sociedade: a de que também a classe política está empenhada em aumentar a transparência e em restaurar a confiança dos cidadãos no poder político.
Erradicando, desde já, quaisquer possíveis preconceitos sobre este tema, importa ressalvar que legalizar o lobbying não é permitir qualquer comportamento que, atualmente, esteja tipificado penalmente como um ilícito criminal. O objetivo é apenas regular a atividade de decisão política, que, obviamente, é influenciada pela sociedade e pelos contactos que os decisores com esta estabelecem, tornando a informação pública e acessível a todos.
Naturalmente que a legalização do lobbying não representará o fim do combate à opacidade de algumas decisões. Mas será um passo em frente num caminho que tem como meta algo essencial para a nossa democracia: o aumento da transparência nas decisões políticas e o combate à corrupção.
Nesta discussão há três pontos centrais que devem estar assegurados: o registo de interesses, a agenda pública e a pegada legislativa. Assim, será possível assegurar que todos os interesses têm a mesma possibilidade de serem conhecidos e ponderados, em igualdade de circunstâncias, e que os cidadãos podem consultar, de forma fácil, os procedimentos de formação das decisões públicas.
Tanto no passado como agora, a JSD defende que esta é uma das matérias que podem contribuir para a credibilização do sistema político e para o incremento da qualidade da tomada de decisão política. Daí que a tenha escolhido como tema para a primeira iniciativa legislativa a apresentar na Assembleia da República. Para começar, será este o nosso primeiro contributo.