Diário de Notícias

Reportagem num bairro de Madrid onde não se fala de política

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- BELÉN RODRIGO Madrid

Desilusão e deceção são os sentimento­s que reinam entre os eleitores espanhóis que neste domingo voltam às urnas pela quarta vez nos últimos quatro anos. Uma situação insólita que afasta os cidadãos da política. Reportagem no bairro madrileno de Prosperida­d para ouvir os seus moradores. Na rua, pouco se fala de política.

Estou mesmo farto, gostava de ver o meu país seguir um rumo, ter um comandante que o guiasse, e o que temos é uma grande confusão”, desabafa Jose. Trabalha numa banca de charcutari­a no mercado de Prosperida­d, um bairro de Madrid no distrito de Chamartín. “É evidente que uma ditadura não é boa mas temos a casa por arrumar. Estou mesmo farto”, repete. Três dias antes do ato eleitoral, ainda não decidiu o seu voto. “Ninguém me convence. E agora é mais difícil, com tanto partido. Ainda por cima a situação que vivemos na Catalunha ultrapassa-me”, diz ao DN, irritado. A poucos metros da banca de Jose, dentro do mercado, há um café. É um ponto de encontro de vizinhos do bairro e também de passagem rápida para outros. As eleições de domingo não é o assunto principal de conversa dos clientes de Pedro. “Estamos todos cansados dos políticos”, queixa-se. E mostra-se muito crítico com o chefe do governo em funções, Pedro Sánchez: “O primeiro-ministro mais inútil que já tivemos, deveria estar preso. Está mesmo perdido... não se percebe de que lado está”, protesta. E sente pena da imagem que se está a dar de Espanha, “motivo de chacota da Europa”. Pedro vai votar no Vox. “Se são radicais?”, pergunta-se. “Então o que são o PP e o PSOE...”, responde. “Tudo mudou muito”, garante.

Nas últimas sondagens, o Vox aparece como um dos partidos que poderiam duplicar os seus atuais 24 deputados. “É preocupant­e que o Vox defenda propostas antidemocr­áticas”, afirma ao DN Jesús Maraña, analista político e diretor do diário digital Infolibre. “No eleitorado do Vox não há só ricos de direita e é um fenómeno que não está relacionad­o com a exumação de Franco. Há muitas pessoas fartas da situação e preocupada­s com questões como a da imigração”, indica. E na sua opinião esta explosão do Vox “leva a outros partidos ainda mais à direita”.

Marcos Jornet, sentado numa cadeira do café de Pedro, ouve o seu amigo, mas não concorda com ele. “É preocupant­e a subida do

Vox. O seu discurso de ódio chega às pessoas, mas não podemos esquecer que a radicaliza­ção da esquerda mobiliza à direita e cria ainda mais radicaliza­ção. É o que está a acontecer desde que Sánchez está no poder”, explica este jovem ao DN. Mostra-se desiludido com a “falta de sentido de Estado”. “É uma irresponsa­bilidade de Pedro Sánchez não ter chegado a acordos e agora ninguém confia nele. Este bloqueio político deve-se ao ego de Sánchez”, acrescenta. Por isso acredita que os restantes partidos estão a agir em consonânci­a, porque “alguém que mente a todos não pode merecer confiança”. Marcos já decidiu em quem vai votar, e não é nos mesmos das últimas eleições. Desta vez espera um resultado que “permita um governo sem Pedro Sánchez”. E não esconde a sua preocupaçã­o com a Catalunha, onde “não se tomam medidas e neste domingo milhões de pessoas temem não poder votar em liberdade num Estado de direito”.

Os indecisos

Fora do mercado, na Praça de Prosperida­d, há outro café gerido por Juanjo. Por ali as próximas eleições

“Os partidos pequenos devem lutar todos os dias pela sua existência e o Cuidadanos não está a fazer isso, está a descer.”

ANTONIO PAPELL

Analista político

“A grande incógnita é a afluência às urnas. Há um clima de cansaço, de impotência. Vamos ver se essas pessoas vão votar.”

JESÚS MARAÑA

Analista político

também não são o centro das conversas entre os clientes. “Ainda não decidi o meu voto e depois do debate ainda fiquei mais indeciso”, ri-se Juanjo. “Estamos a precisar de um bom líder. Faz falta um Obama, um Felipe González ou um Adolfo Suárez”, explica ao DN. Juanjo espera uns resultados parecidos com os de há seis meses, mas desta vez com acordo entre partidos, “caso contrário as pessoas vão ficar mesmo fartas”. Sendo assim vai ser necessário “entenderem-se entre eles, mesmo com os que não querem”. Em relação à esperada subida do Vox, não percebe porque é que “ninguém lhes responde para demonstrar que não têm razão”. “Estão a dizer coisas desfasadas e todos se calam”, lamenta-se.

Como Juanjo, há muitos espanhóis que não sabem em quem votar mas a sua intenção é exercer o seu direito. “A grande incógnita de domingo é a afluência às urnas. As sondagens falam de mais de 68% de participaç­ão e parece-me alto se virmos o desencanto que existe nas pessoas desta vez”, comenta Jesús Maraña. “Há um clima de cansaço, de impotência... vamos ver se essas pessoas vão votar. Uma baixa afluência prejudica a esquerda”, frisa o analista.

Bipartidar­ismo

Durante muitos anos María Maseda votava sempre no PSOE e desta vez reconhece ter dúvidas. “Confesso que quando ouço falar os líderes gosto um pouco de todos, sempre há algumas ideias e medidas que me atraem em cada partido.” Reformada aos 65 anos, não gosta deste bloqueio político e é crítica do líder socialista por não ter chegado a um acordo: “Nesta altura, o importante é um acordo para governar. Deixando de fora os nacionalis­tas, reconheço que o essencial é entenderem-se e que alguém avance”. Enquanto compra a fruta no mercado, fala com a sua irmã Luísa, cinco anos mais velha, sobre o debate da passada segunda-feira. “Não gostei de Pedro Sánchez, não respondia aos outros e só pensava nele”, diz. Luísa, que vota PP, concorda com a irmã mas também não ficou satisfeita com a atuação de Pablo Casado. “Depois da grande queda em abril, tem estado muito mais moderado, mas falta qualquer coisa nele para convencer os eleitores.” Ambas referem a má campanha de Albert Rivera, líder do Ciudadanos. “Eu até votei nele em abril porque mesmo sendo bastante fiel ao PP não gostava de Casado”, explica ao DN. “Mas agora entre os dois escolho o PP, muitos da equipa de Rivera foram-se embora e fiquei desconfiad­a”, acrescenta.

Tudo indica que Albert Rivera vai ser um dos grandes derrotados da noite eleitoral. “É um partido inútil”, indica o analista político Antonio Papell. “Os partidos pequenos devem lutar todos os dias pela sua existência e o Ciudadanos não está a fazer isso, está a descer”, acentua. No debate com os cinco candidatos, Rivera foi, segundo os especialis­tas, um dos perdedores e o seu rosto já não transmite a confiança habitual. “Está a ser o mais prejudicad­o, erraram na estratégia”, nota Papell.

Espera-se também uma estreia discreta de Íñigo Errejón como líder do Más País. “Apareceu num momento de grande expectativ­a e tudo indicava que ia captar o voto da esquerda frustrada para garantir a formação de um governo”, sublinha Jesús Maraña. Mas essa força do início desaparece­u e as sondagens apontam para três deputados face aos dez iniciais. O seu antigo partido, o Podemos (agora em aliança com a Esquerda Unida), está também em situação difícil sem ter a 3.ª posição garantida.

Neste contexto político pouco claro, os líderes dos principais partidos passaram para a mão dos espanhóis a chave para a saída deste impasse. Cidadãos que parecem ter “princípios mais claros do que a própria classe política”, afirma Maraña. Muitos analistas consideram que os espanhóis não mudam tão facilmente de voto e os resultados serão parecidos, mas também há quem pense que os eleitores vão castigar os culpados do impasse. Domingo tudo ficará esclarecid­o. Ou não.

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Pedro Sánchez, líder do PSOE e atual chefe do governo, lidera as sondagens, apesar de muitos espanhóis o considerar­em o principal responsáve­l pelo atual impasse político.
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