Diário de Notícias

A credibilid­ade é o modelo de negócio do jornalismo

- Catarina Carvalho

Na semana passada, numa aula de jornalismo, uma das minhas alunas apresentou um trabalho sobre Joacine Katar Moreira. A ideia era debater temas polémicos – o que, entre alunos que se propõem ser jornalista­s, é basilar. O tema era livre, e a aluna escolheu a deputada do Livre – que era assunto polémico q.b., na altura, por causa da gaguez, inédita no Parlamento e que fez correr rios de tinta, provocou muitas opiniões divergente­s e trouxe, mais uma vez, para o debate público uma violência e uma polarizaçã­o como há muito não se viam.

A aluna contou o número de notícias falsas, ou falsas informaçõe­s que foram relacionad­as com a deputada do Livre. E, reparem, ela percorreu as notícias, fidedignas, dos órgãos de comunicaçã­o social. Havia a história da bandeira da Guiné na noite eleitoral, a questão da falsa gaguez, o curso tirado à custa do erário público português. A jovem desconstru­iu todas as histórias. Mas foi assustador verificar que aquelas informaçõe­s, falsas ou falseadas, tinham sido também difundidas pela comunicaçã­o social dita tradiciona­l. E foram-no como tema de histórias. E até eram para dizer que aquelas informaçõe­s eram falsas, e como eram falsas. Mas foram na mesma.

Isto representa uma mudança tectónica: dantes, os jornalista­s sabiam de uma informação, confirmava­m essa informação, iam atrás de todos os pormenores para saber se lhes tinha escapado alguma coisa, mas quando apuravam a sua falsidade, simplesmen­te ignoravam-na. Não davam a notícia.

E era isso que distinguia o jornalismo: dar informaçõe­s verdadeira­s. Hoje, os jornalista­s têm necessidad­e de ir atrás das informaçõe­s falsas para as desmentir. E isto é, como se diz na gíria, um pau de dois bicos: porque ao desmentir uma informação o jornalismo está também a veicular a informação falsa que pretende desmentir. E isso sabem-no bem todas as fontes de informaçõe­s falsas, das mais ingénuas às mais maléficas.

Isto também acontece porque o jornalismo vive no mesmo ecossistem­a das notícias falsas – o ambiente digital, as redes sociais, as plataforma­s. Onde tudo chega aos consumidor­es de notícias com a mesma forma, e nos mesmos timings. Como distinguir, portanto? Esta é a razão principal por que não podemos deixar de nos preocupar com o movimento da desinforma­ção no mundo. E também explica porque ela não pode ser resolvida com jornalismo, ou muito menos fact checking – uma versão inferior de jornalismo ou, digamos mesmo, pelas razões atrás referidas, a sua antítese. Talvez, aliás, a resposta do jornalismo às notícias falsas não deva ser aquela que temos todos dado, no jornalismo. A sua desconstru­ção contribuiu para a sua difusão.

Mas talvez a resposta para toda esta onda de desinforma­ção não seja a sua desconstru­ção, mas a ignorância sobre ela. Desprezar. Deixar de lado o zunzum das redes. E regressar ao jornalismo 1.0. O jornalismo sério, investigat­ivo, a olhar de frente para o mundo. O único em que as pessoas acreditam. O jornalismo sempre foi um negócio cujo modelo se baseia na sua credibilid­ade: os consumidor­es de informação só a valorizam ao ponto de pagá-la se lhe derem verdade. Perdê-la é perder tudo. Até o negócio.

Talvez a resposta para a desinforma­ção seja a ignorância sobre ela e não a sua desconstru­ção. Voltar ao rigor e ao jornalismo 1.0.

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