A credibilidade é o modelo de negócio do jornalismo
Na semana passada, numa aula de jornalismo, uma das minhas alunas apresentou um trabalho sobre Joacine Katar Moreira. A ideia era debater temas polémicos – o que, entre alunos que se propõem ser jornalistas, é basilar. O tema era livre, e a aluna escolheu a deputada do Livre – que era assunto polémico q.b., na altura, por causa da gaguez, inédita no Parlamento e que fez correr rios de tinta, provocou muitas opiniões divergentes e trouxe, mais uma vez, para o debate público uma violência e uma polarização como há muito não se viam.
A aluna contou o número de notícias falsas, ou falsas informações que foram relacionadas com a deputada do Livre. E, reparem, ela percorreu as notícias, fidedignas, dos órgãos de comunicação social. Havia a história da bandeira da Guiné na noite eleitoral, a questão da falsa gaguez, o curso tirado à custa do erário público português. A jovem desconstruiu todas as histórias. Mas foi assustador verificar que aquelas informações, falsas ou falseadas, tinham sido também difundidas pela comunicação social dita tradicional. E foram-no como tema de histórias. E até eram para dizer que aquelas informações eram falsas, e como eram falsas. Mas foram na mesma.
Isto representa uma mudança tectónica: dantes, os jornalistas sabiam de uma informação, confirmavam essa informação, iam atrás de todos os pormenores para saber se lhes tinha escapado alguma coisa, mas quando apuravam a sua falsidade, simplesmente ignoravam-na. Não davam a notícia.
E era isso que distinguia o jornalismo: dar informações verdadeiras. Hoje, os jornalistas têm necessidade de ir atrás das informações falsas para as desmentir. E isto é, como se diz na gíria, um pau de dois bicos: porque ao desmentir uma informação o jornalismo está também a veicular a informação falsa que pretende desmentir. E isso sabem-no bem todas as fontes de informações falsas, das mais ingénuas às mais maléficas.
Isto também acontece porque o jornalismo vive no mesmo ecossistema das notícias falsas – o ambiente digital, as redes sociais, as plataformas. Onde tudo chega aos consumidores de notícias com a mesma forma, e nos mesmos timings. Como distinguir, portanto? Esta é a razão principal por que não podemos deixar de nos preocupar com o movimento da desinformação no mundo. E também explica porque ela não pode ser resolvida com jornalismo, ou muito menos fact checking – uma versão inferior de jornalismo ou, digamos mesmo, pelas razões atrás referidas, a sua antítese. Talvez, aliás, a resposta do jornalismo às notícias falsas não deva ser aquela que temos todos dado, no jornalismo. A sua desconstrução contribuiu para a sua difusão.
Mas talvez a resposta para toda esta onda de desinformação não seja a sua desconstrução, mas a ignorância sobre ela. Desprezar. Deixar de lado o zunzum das redes. E regressar ao jornalismo 1.0. O jornalismo sério, investigativo, a olhar de frente para o mundo. O único em que as pessoas acreditam. O jornalismo sempre foi um negócio cujo modelo se baseia na sua credibilidade: os consumidores de informação só a valorizam ao ponto de pagá-la se lhe derem verdade. Perdê-la é perder tudo. Até o negócio.
Talvez a resposta para a desinformação seja a ignorância sobre ela e não a sua desconstrução. Voltar ao rigor e ao jornalismo 1.0.