Aos 77 anos, o ex-mayor de Nova Iorque aposta na experiência na câmara e na fortuna. Mas o facto de ser homem, rico e branco e as acusações de misoginia jogam contra ele.
Quando em 2016, depois de ser eleito presidente, Donald Trump lhe pediu conselho sobre o que devia fazer, Michael Bloomberg não hesitou: “Não sabes nada disto. Contrata pessoas mais inteligentes do que tu.” O milionário da construção garantiu ao milionário dos media que não havia ninguém mais inteligente do que ele. A conversa terá ficado por aqui. Após três anos, Bloomberg estará a pensar seriamente em entrar na corrida à nomeação democrata para as presidenciais de 2020. Aos 77 anos, o ex-mayor de Nova Iorque ainda não confirmou que é candidato para impedir um segundo mandato de Trump, mas já foi ao Arkansas inscrever-se nas primárias.
Será preciso um milionário para derrotar outro milionário? A pergunta impõe-se e revela o estado do Partido Democrata. Com 18 candidatos ainda na corrida à nomeação – o ex-governador do Massachusetts Deval Patrick foi o último a juntar-se à lista, há dias – a verdade é que nenhum parece convencer totalmente os eleitores. Ou ter os argumentos para derrotar Trump. Nas últimas semanas, a senadora ElizabethWarren impôs-se como favorita, surgindo em primeiro lugar nas sondagens, seguida do ex-vice-presidente Joe Biden e do senador Bernie Sanders. Depois deste trio, segue-se um enorme pelotão de candidatos, cujas hipóteses de obter a nomeação são muito remotas.
Ora se Biden, o primeiro grande favorito, muito graças às suas posições moderadas e à herança de oito anos ao lado do presidente Barack Obama, tem vindo a perder terreno, Sanders e Warren partilham do mesmo “problema”: são vistos como demasiado liberais e de esquerda para atrair o voto dos moderados e dessa classe média que em 2016 se virou para Trump, acusando os democratas de ignorarem os seus problemas.
Caso decida mesmo avançar – muito em reação contra as políticas fiscais de Warren, decidida a criar impostos pesados sobre as grandes fortunas –, Bloomberg irá posicionar-se ao centro. Nada que espante de um homem que já foi democrata, tendo deixado o partido em 2001 para se candidatar à presidência da Câmara de Nova Iorque pelos republicanos, apenas para mais tarde se registar como independente e vencer um segundo mandato. Em 2009 obteve um terceiro, tendo liderado a cidade até 2013.
Oitavo homem mais rico dos EUA, com uma fortuna que a Forbes avalia em mais de 53 mil milhões de dólares, o que faz dele a 14.ª pessoa mais rica do mundo, Bloomberg construiu um império dos media a partir do nada. Um passado que faz dele o homem ideal para destruir os argumentos de Trump quando usa o passado de empresário como prova de sucesso. Isto apesar de ter herdado o negócio da família. Nascido em Boston, Bloomberg cresceu numa família judia de classe média. Filho de um contabilista, formou-se na Johns Hopkins e em Harvard e começou a carreira na banca de investimento, antes de usar o dinheiro para fundar a sua própria empresa, a Bloomberg LP.
Com vasta experiência de gestão executiva à frente da Câmara de Nova Iorque – um colosso com um orçamento anual de 90 mil milhões de dólares que gere 8,5 milhões de pessoas –, se avançar com a candidatura, Bloomberg vai destacar-se entre rivais com muita experiência política mas menos habituados a lidar com os problemas do dia-a-dia.
Sem carisma, o frio e calculista Bloomberg seria com certeza um contraste em relação aos episódios de raiva a que Trump já habituou a América e o mundo no Twitter.
Mas o milionário também tem pontos fracos. Muitos não lhe perdoam a forma “paternalista” como geriu Nova Iorque, proibindo fumar até em espaços públicos e banindo os refrigerantes grandes por terem demasiado açúcar. Os afro-americanos não esquecem o seu apoio ao stop and frisk, que permitia à polícia parar um suspeito na rua e revistá-lo sem acusação. Operações que acabariam por ser proibidas por um juiz federal por violarem os direitos das minorias, uma vez que tinham como alvo afro-americanos ou hispânicos.
Homem, branco e velho (dos candidatos democratas só Bernie Sanders, aos 78 anos, é mais velho do que ele), Bloomberg terá dificuldades em apelar ao voto da ala mais à esquerda e liberal do partido, muito focada nos direitos das minorias. Mas serão talvez as mulheres o seu maior desafio. Ao longo das últimas décadas, o milionário tem sido acusado de fomentar uma cultura misógina nas suas empresas. Várias funcionárias da Bloomberg LP apresentaram queixa por discriminação e assédio sexual nos anos 1990. Casado entre 1975 e 1993, Bloomberg mantém uma relação estável desde 2000. Mas o empresário confessou gostar de “jantar, ir ao cinema e perseguir mulheres”. “Deixem-me pôr as coisas assim”, confessava aos jornalistas, “sou um homem solteiro, heterossexual e milionário que vive em Manhattan. O que é que acham? É um sonho molhado!”
Para já, as reações à entrada de Bloomberg na corrida foram bastante duras. Sanders acusou o milionário de estar a tentar “comprar” a eleição para a Casa Branca, Warren afirmou-se “chocada” e Biden limitou-se a dizer que da última vez que olhou para as sondagens aparecia “bem à frente dele”.
Fiel a si próprio, Donald Trump reagiu atribuindo logo uma alcunha ao potencial adversário: “O pequeno Michael vai falhar!”, garantiu, referindo-se à pequena estatura daquele que muitos analistas apontam, no entanto, como o melhor antídoto dos democratas para tirar Trump da Casa Branca.
Apolémica entrevista de Macron à The Economist traz menos novidade do que o alarmismo causado. O Macron-analista usa termos apocalípticos para assegurar que as mensagens não passam ao lado da torrente política internacional em curso, em que o impeachment intercala com o Brexit, a morte do califa do ISIS com altas tensões comerciais, ou a nova Comissão Europeia com a passada chinesa. Deste ponto de vista, os dois objetivos principais foram alcançados. Por um lado, criou o frisson necessário para recolocar Paris no centro do pensamento estratégico europeu, no momento em que Londres está à deriva e Berlim perdeu impacto. Por outro, obrigou a reações várias que antecipam alinhamentos e dissonâncias de fundo. Mas foi o Macron-político quem mais sobressaiu.
Macron é explícito sobre a viragem da administração Trump, num bullying a aliados, à NATO e à ONU. É neste quadro de inversão com os compromissos do pós-Guerra Fria que a França, segundo Macron, tem uma oportunidade: a de forçar a autonomia da União Europeia na defesa, aproveitando o desinteresse de Washington. A novidade está aqui e não na autonomia europeia. Ela foi ensaiada ao longo da integração europeia, passando por proclamações efusivas e pela aceitação da impotência. Por contextos que motivavam um grupo mais alargado de aderentes e por momentos geopolíticos que indiciavam a certeza do caminho. Por mais complementaridade com a NATO ou por uma dissonância de interesses.
O que é novo é o momento político atual e é por isso que Macron sobe a parada, sentenciando a “morte cerebral” da NATO e propondo um “diálogo com a Rússia”.
A administração americana é dúbia sobre a importância da NATO, a principal potência militar da UE (Reino Unido) na NATO está de saída da primeira, e o aliado com o segundo maior Exército (Turquia) é abertamente disfuncional na articulação com os restantes membros da Aliança, o que cria uma pressão permanente à segurança coletiva expressa no artigo 5.º do Tratado de Washington. Acrescem a isto um congelamento sine die de novos alargamentos, a queda em desgraça das missões “fora de área” e o congelamento da relação com a Rússia desde a invasão da Crimeia, há cinco anos. Para Macron, este é o momento para projetar a França no meio destas dinâmicas. Como? Sublinhando o seu carácter de única potência nuclear na UE. Sinalizando a dinâmica imposta na defesa europeia desde que chegou ao Eliseu, reconfigurando-a como uma cooperação estruturada permanente, sem precisar de todos, instituindo-lhe uma Iniciativa de Intervenção conjunta e um fundo capaz de servir uma indústria mais moderna, mais capaz e mais credível.
A novidade na entrevista à The Economist está nos recados enviados. Primeiro, a Washington: percebemos as legítimas opções, amigo não empata amigo, seguiremos mais autónomos. Segundo, para Berlim: reconhecemos os esforços, mas não têm sido suficientes nem de alcance satisfatório, seguiremos mais líderes. Terceiro, para Londres: aceitamos o divórcio, alertamos para o estado da NATO, mas queremos uma parceria estratégica. Quarto, para Moscovo: vincamos as linhas vermelhas ultrapassadas, percebemos a vossa lógica de poder, mas temos de saber conviver para podermos lidar na Europa com a ascensão da China e todas as ameaças comuns que proliferam na nossa vizinhança. O Macron que começa analista e acaba político recupera todos os raciocínios clássicos da cultura presidencial francesa. O facto de não ser inovador não significa que nalguns pontos não esteja correto, nomeadamente na salvaguarda da relação com o Reino Unido e na necessidade de dotar a UE de maior credibilidade geopolítica pela via da defesa. Os dois pontos mais frágeis dizem respeito a Berlim e a Moscovo.
Aos alemães, por lhes colocar novamente uma pressão contraproducente, tendencialmente promotora de mais desagregação comunitária do que de convergência. Isto é válido para a defesa, mas também para a zona euro e para as linhas vermelhas ultrapassadas por alguns Estados membros, como a Hungria, sobre a qual Macron é acrítico. Recordo que Macron já havia colocado Merkel sob tensão quando enunciou o seu roteiro de reformas do euro logo após as legislativas alemãs de 2017, sabendo que Berlim não tinha condições de acompanhar o que quer que fosse sem um governo formado, o que levou seis meses a acontecer. O momento em Berlim é hoje de enorme fragilidade na coligação, com o fardo do arrefecimento económico a impactar a zona euro e uma disputa pela liderança no SPD. Dificilmente a Alemanha se juntará às dinâmicas europeias exigidas por Macron se sentir uma pressão absolutamente incomportável como a que resulta da entrevista à The Economist.
Aos russos, porque Macron é absolutamente condescendente com o Kremlin. Não há uma condenação às intromissões nas eleições ocidentais (vamos ver como evolui o dossiê de possível conluio com os conservadores britânicos), uma vontade pelo cumprimento dos acordos de Minsk, uma valorização da política de sanções da UE, nem mesmo a recusa em pactuar com a vitimização que Moscovo usa para criar a ilusão de cerco da NATO às suas fronteiras. A verdade é que o total da fronteira russa é de 20 mil km (14 Estados), sendo apenas de 1250 km com membros da NATO (cinco), além de que os alargamentos a leste foram uma legítima, soberana e acertada decisão dos Estados que passaram a integrar a Aliança. Para premiar a Rússia de Putin, o verdadeiro infrator nesta história, Macron abriu entretanto as portas do Conselho da Europa e vetou o início das negociações de adesão da UE com a Albânia e a Macedónia do Norte. O que propõe agora é voluntarista, não assegura nenhum nível de confiança dado pelo Kremlin, e apenas premeia com um apaziguamento cínico um regime que viola a soberania de terceiros em eleições, invade território soberano e mata opositores políticos. Ninguém defende um corte com a Rússia, mas não é desculpabilizando o regime de Putin que se torna a Rússia um parceiro confiável e duradouro.
Seja Macron-analítico ou Macron-político, ficou clara a sua estratégia: ter os americanos fora, os alemães em baixo e os russos dentro. Portugal não deve alinhar nisto.
Presente na inauguração do canal de Suez, Eça de Queiroz, então um jovem repórter ao serviço do DN, não esconde nos seus escritos a admiração por Ferdinand de Lesseps. “É diplomata, orador, engenheiro, financeiro e soldado. Tem tudo isto e esta harmonia de qualidades é o segredo da sua inquebrantável força e do seu constante triunfo nesta obra do Suez”, diz do francês graças a cujo engenho, a partir de 17 de novembro de 1869, os navios em rota da Europa para a Ásia passaram a poupar milhares de quilómetros, desistindo da Rota do Cabo.
Mas, agora que se comemoram os 150 anos da façanha de engenharia é a Rota do Suez que sofre a ameaça de velhos e novos concorrentes. Por um lado, os recentes aperfeiçoamentos no canal do Panamá (iniciado em 1880 por Lesseps também, mas concluído pelos americanos em 1914), por outro, a Rota do Ártico (ou passagem do nordeste) , vêm propor às grandes companhias de navegação alternativas à passagem do mar Vermelho para o Mediterrâneo. Sobretudo o degelo que está em curso nas imediações do Polo Norte, possível consequência do aquecimento global, permite uma poupança de sete mil quilómetros na viagem de um navio entreYokohama, no Japão, e o porto holandês de Roterdão. Em vez de viajar 20 700 quilómetros, os cargueiros passariam a fazer 13 600. A redução drástica dos quilómetros significa uma redução também drástica de custos e países como Japão, China, Coreia do Sul e Rússia sentem uma óbvia atração por esta alternativa. O ponto fraco é que se trata de uma rota aberta só nos meses mais quentes e mesmo assim a precisar de navios corta-gelos em certas partes do percurso.
Da parte das autoridades egípcias tem havido consciência da competição e, por isso, já com o presidente Abdel Fatah al-Sissi , em 2015,uma obra de modernização do Suez foi concluída, com a abertura de duas vias. Também do ponto de vista comercial o Suez tomou medidas para se manter competitivo, com descontos.
Grande fonte de divisas do Egito, junto com o turismo e as remessas dos emigrantes, o canal de Suez (já sonhado pelos faraós) tem correspondido às expectativas de Al-Sissi, com os rendimentos no ano fiscal de 2017-2018 a serem de 5,6 mil milhões de dólares, um crescimento de mais de 10% em relação ao ano anterior.
País de civilização antiquíssima, por tradição dependente das águas do Nilo para a sua prosperidade, o Egito olha para este outro espaço marinho, artificial, como garante também de prosperidade. Com quase cem milhões de habitantes, e com uma taxa de natalidade ainda muito elevada, o Egito necessita de que a sua economia cresça mais do que os 5,5% de 2019 ou os 5,8% previstos para 2019.
O bom desempenho da economia tem relação direta com a capacidade do Estado em atenuar as desigualdades que geram frustrações aproveitadas por elementos extremistas islâmicos depois da Primavera Árabe de 2011, que tanto têm as Forças Armadas como alvo como a própria minoria copta, cristãos que representam cerca de um décimo dos egípcios. Dessa forma, o destino do Suez está muito relacionado com o destino do próprio país, o que não é propriamente uma novidade.
Já quando Lesseps, com capitais franceses mas também com a boa vontade do quediva Ismail, construiu o canal se adivinhava que o desenvolvimento do Egito se alicerçaria nas receitas deixadas pelos navios. E a nacionalização de 1956, que levou a uma intervenção militar conjunta franco-britânica-israelita desautorizada pela ONU, foi também da parte do presidente Gamal Abdel Nasser tanto uma questão de dignidade nacional como uma busca de maiores receitas para os cofres egípcios.