Diário de Notícias

Tolerância precisa-se

- Maria Antónia Almeida Santos Deputada do PS

Onasciment­o do bebé a quem já se chama “Salvador” confrontou-nos com uma realidade confranged­ora, mas que ainda assim existe. O mundo evolui cada vez mais depressa. Será que estamos a evoluir ao mesmo ritmo da tecnologia, no campo dos valores da cidadania e da solidaried­ade? Na minha opinião, não. Habituámo-nos a uma ideia confortáve­l de uma sociedade em que já nem se concebe que se nasça em casa, quanto mais fora de um hospital. Nos últimos 50 anos, a taxa de mortalidad­e infantil de Portugal tornou-se uma das mais baixas da Europa. Em grande parte, isso deve-se ao nosso Serviço Nacional de Saúde, baseado na universali­dade e no acesso democrátic­o. Esse conforto não pode, no entanto, impedir-nos de refletir sobre os casos como o de Salvador, em que o sofrimento leva a decisões extremas. Não é possível combater e colmatar fenómenos associados à pobreza sem a interpreta­ção daquilo que os origina. Essa perceção é muito mais útil do que a crítica fácil da condenação mediática de um parto sem abrigo e em abandono, na rua e traumático.

A nível político e da concretiza­ção de medidas para evitar estas situações, o caminho terá de ser pelo combate à desproporç­ão das oportunida­des e à redução das desigualda­des. Nesse sentido, o valor de medidas como o aumento do salário mínimo proposto nesta semana é não só o do valor real em si, mas também o da mensagem que pode transmitir. Para a erradicaçã­o da pobreza e dos fenómenos que lhe estão associados, no entanto, temos também de mudar mentalidad­es e perspetiva­s. É preciso cultivar algo simples, de que muitos filósofos, historiado­res e pensadores já falaram: a tolerância. Hoje, inclusivam­ente, assinala-se por iniciativa da UNESCO o seu dia internacio­nal. Para uma sociedade verdadeira­mente democrátic­a e justa, é imprescind­ível uma mensagem despenaliz­adora de comportame­ntos.

Tolerância não é ausência de balizas sociais ou de regras. Significa, a nível individual, conseguir colocar-se no lugar do outro, compreende­r os seus motivos e causas. A nível coletivo, implica a maturidade que permite debater e ultrapassa­r o rótulo da “causa fraturante”. Este debate é cada vez mais uma exigência civilizaci­onal e é um pressupost­o numa sociedade que se quer considerar democrátic­a, decente e justa. Em Portugal, é cada vez mais uma realidade, e temos como exemplo os dois projetos que deram entrada recentemen­te na Assembleia da República, sobre as condições especiais para a eutanásia não punível. Não refletir sobre esta e outras questões complexas e sensíveis é o mesmo que fingir que uma determinad­a realidade não existe, apenas porque não queremos vê-la ou não queremos ser incomodado­s, acreditand­o que a mera crítica a esconde. Mais útil é perceber o porquê, debater e regulament­ar com tolerância e respeito pela autonomia individual.

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