Académicos analisam contradição entre discurso político e tese de Ventura
“É como se Darwin escrevesse A Origem das Espécies e a seguir defendesse o criacionismo.”
A única defesa aceitável de Ventura é dizer que mudou de ideias. Esta é a conclusão dos académicos ouvidos pelo DN sobre a contradição entre a tese de doutoramento do líder do Chega e o seu discurso político. E há mesmo quem fale em “desonestidade intelectual”.
Insistir que se pode dizer uma coisa numa tese e outra em artigos não académicos é nonsense. Seria como dizer que cientificamente a Terra é redonda mas politicamente é plana.” Professor de Direito na Faculdade de Direito da Universidade A&M do Texas (EUA) desde 2015, Nuno Garoupa não aceita a justificação que AndréVentura deu, em entrevista ao DN, para as contradições entre o que escreveu na tese de doutoramento e o seu discurso político – de que uma coisa é o discurso científico e outra a opinião: “É um argumento ridículo e uma posição incompreensível. Obviamente ele escreveu uma tese, digamos assim, ‘de esquerda’ e agora decidiu ser de extrema-direita. É como se Darwin escrevesse A Origem das Espécies e a seguir defendesse o criacionismo.”
Crê que as inconsistências diagnosticadas só teriam uma saída: “Devia admitir que mudou de ideias, e já está. O problema aqui é insistir que não se mudou de ideias.”
Pedro Magalhães, investigador no Instituto de Ciências Sociais e doutorado em Ciência Política pela Ohio State University, com uma tese sobre recursos judiciais e comportamentos judiciais em Espanha e Portugal, concorda. “Evidentemente que podemos chamar científica a uma coisa que está numa tese de doutoramento e não científico ao discurso público – mas não é assim tão simples. Porque a tese – que só conheço, é importante frisar, a partir daquilo que são as citações publicadas no DN – tem juízos de valor e opiniões, um conteúdo normativo, como é comum nas teses de Direito, que exprime a posição do autor.”
Como quando diz, exemplifica este investigador, “que na sequência dos ataques terroristas se aprovou legislação que em circunstâncias normais o bom senso não permitiria, e agora defende ainda mais legislação no mesmo sentido. É a mesma pessoa que faz afirmações que são opostas; há opiniões expressas nas citações da tese que são contraditórias com o que AndréVentura diz no espaço público, não há a mais pequena dúvida”.
“São os factos alternativos de Trump”
A tese de André Ventura, cuja investigação se terá iniciado em 2007, intitula-se “Towards a new model of criminal justice system in the era of globalised criminality: the biggest challenges for criminal process legislation” (“Para um novo modelo de sistema de justiça criminal na era da criminalidade globalizada: os grandes desafios para a lei de processo penal”) e versa sobre as políticas antiterrorismo que se seguiram ao ataque de 11 de Setembro nos EUA (e aos de Madrid e Londres em 2004 e 2005) e o modo como transformaram os sistemas judiciais e policiais do Ocidente, criando aquilo que denomina de “lei criminal do inimigo” e que considera pôr em risco os fundamentos constitucionais das democracias.
Terá sido terminada em 2013, mas apenas em 2015 foi colocada no repositório digital da Universidade de Cork (Irlanda) – onde está embargada até 2022, com a justificação de que tenciona publicá-la. Existem, em acesso público, uma cópia em papel na biblioteca de Cork e outra, digital, na Biblioteca Nacional portuguesa, onde o DN a consultou.
Como se salienta no artigo publicado a 2 de novembro neste jornal sobre o conteúdo da tese, logo em 2015 e 2016 o seu autor exprimia em público opiniões contraditórias com as expressas naquele trabalho académico. Como quando, na sequência do ataque terrorista em Nice, França, defendeu “uma redução da presença islâmica na Europa”, enquanto que na tese verberara “a estigmatização de certas comunidades que foram associadas, de modo superficial, ao fenómeno terrorista”, assim como “políticas de controlo da imigração não universais na sua aplicação, mas antes dirigidas para um grupo de comunidades ou países selecionados, onde os muçulmanos são a maioria”.
Outro exemplo das contradições apontadas pelo DN é o de a tese referir Portugal como “um dos países mais pacíficos do mundo” enquanto o programa do Chega o caracteriza como “vivendo em insegurança crónica”. Questionado sobre essas duas visões opostas da mesma realidade, André Ventura disse que a primeira é baseada no que está nos relatórios, ou seja, nas estatísticas e nos dados existentes, sendo portanto “ciência”; a segunda será fundada na “perceção”.
Tratar-se-á, comenta uma professora de Direito ouvida pelo DN que prefere que o seu nome não seja referido, do recurso aos “factos alternativos de Donald Trump” em oposição à ciência. Ou seja: “Para a ciência citam-se os relatórios, para o discurso político inventam-se factos.”
“É indefensável dizer que uma tese não tem comparação com discurso político”
Pedro Magalhães reforça a desaprovação face à justificação dada pelo líder do Chega: “É para mim verdadeiramente indefensável dizer que uma tese de doutoramento é ciência e não tem comparação possível com o discurso político. Não se pode dizer que por uma coisa estar publicada em suporte académico não se pode confrontar com o discurso político.”
Claro, prossegue, que “as pessoas podem mudar de opinião de um dia para o outro”, e que “há muitas áreas em que o espaço de opinião é grande. Sou totalmente a favor da liberdade académica e de que as pessoas possam exprimir as suas opiniões. Já escrevi coisas no passado em relação às quais mudei de opinião”.
Nuno Garoupa invoca o exemplo de dois grandes académicos americanos, ambos prémios Nobel, Joseph Stiglitz e Paul Krugman: “Mas eles dizem que mudaram de ideias. E foi décadas depois, não foi logo a seguir.” Este professor de Direito, com um doutoramento em Economia pela Universidade de York (Reino Unido), comenta, aliás: “Eu ficaria muito incomodado caso fosse orientador da tese de alguém que uns anos depois desdiz o que escreveu.”
Helena Pereira de Melo, professora de Direito na Nova e ex-vice-diretora da faculdade (na direção de Teresa Pizarro Beleza, de 2009 a 2018), com um doutoramento pela mesma, perguntaria a um orientando o motivo da mudança de ideias. “Quereria saber o que se tinha passado, o que tinha acontecido que o levasse a dizer ou fazer aquilo.”
Até porque, frisa Vasco Becker-Weinberg, professor convidado da mesma faculdade e investigador no Centro de Investigação & Desenvolvimento Sobre Direito e Sociedade da Nova (onde Ventura é também investigador, tendo sido professor convidado da Nova até 2017), a questão, do ponto de vista académico, não está tanto na mudança de opinião mas na fundamentação dessa mudança.
“Eu ficaria muito incomodado caso fosse orientador da tese de alguém que uns anos depois desdiz o que escreveu.” Em 2009, Ventura garantiu temer pela sua “segurança pessoal” e “viver sob vigilância e proteção uma parte significativa do tempo, com importantes constrangimentos no que à minha vida pessoal e profissional diz respeito”.
“Conheço vários de casos de pessoas com uma longa carreira académica que mudaram de opinião. Uma alteração de uma opinião que tenha sido pensada ou refletida numa tese de doutoramento é legítima. Mas pressupõe que tenham surgido novos dados. A mudança de opinião deve ser científica também. E há uma obrigação reforçada de explicar porque se mudou de opinião.”
É que, argumenta este doutorado pela Universidade de Hamburgo, “uma tese de doutoramento diz muito sobre nós. E há determinados assuntos sobre os quais não se muda de opinião com facilidade. Por exemplo, o facto de em Portugal haver um limite de 25 anos nas penas de prisão – e, sendo uma pessoa de direita, [é dirigente do CDS-PP e foi quarto na lista do partido nas europeias] orgulho-me muito de que o sistema português tenha este limite máximo – tem uma razão, que tem a ver com a ideia da pena como reabilitadora, visando uma reinserção na sociedade. Propor uma alteração disso para prisão perpétua significa uma mudança na forma como a sociedade reage ao crime, uma outra filosofia”.
Quanto à alegação de que o assunto pode ser visto de uma forma num trabalho académico e de outra na política, este especialista em direito do mar assume ter “alguma dificuldade em perceber que um mesmo tema seja tratado de uma forma diferente como ciência e como discurso político”.
Tanto mais que, como frisa mais uma académica da área do Direito que prefere não ser nomeada, “as teses em causa, as que são defendidas no trabalho académico, são políticas. Trata-se de política criminal. Do ponto de vista ético, a defesa que faz dessa dualidade não é muito aceitável, nem a contradição. É a unidade da pessoa que está em causa”. E isso tem alguma consequência em termos académicos? “É algo para que não existe, do ponto de vista regulamentar, uma solução – a tese está feita e entregue, não se trata de uma fraude como seria um caso de plágio, por exemplo. Mas belisca a credibilidade académica.”
“Se quer exibir desonestidade intelectual, é lá com ele”
Sobre se a credibilidade académica de André Ventura ficou afetada, Helena Pereira de Melo prefere não se pronunciar. “Fomos colegas. Licenciou-se na Nova e foi professor convidado até há muito pouco tempo, é uma pessoa inteligente e trabalhadora, sempre cumpriu as suas obrigações, os alunos gostavam dele. Só posso dizer que, no que me diz respeito, acho que como professora e académica devo ter o mesmo rosto no dia-a-dia. Não há duas pessoas diferentes, a académica e a outra.”
Preferivelmente, pelo menos. “Obviamente que a escola e o centro onde André Ventura fez o doutoramento têm fama de ser “progressistas” na área do direito criminal e dos direitos humanos, e ele escreveu uma tese ‘progressista’”, diz Nuno Garoupa. “Foi para isso que foi para lá fazer o doutoramento. Se fosse para ser ‘conservador’ ia para outra escola. Depois mudou de ideias mas não quer admitir.”
Terá mesmo mudado de ideias? Afinal, afirmou no Expresso da Meia-Noite, logo após ser eleito, que há muito defendia, “dentro do PSD” (partido em que militou de 2001 a 2018), a prisão perpétua.
Isso já entra na especulação”, responde o professor da Universidade do Texas. “Pode-se até pensar que ele escreveu aquilo para obter o grau académico, portanto, que foi um posicionamento meramente instrumental. Como alguém que acha que a Terra se move mas está disposto a dizer que não se move só para ganhar a indulgência de que precisa.”
Em todo o caso, considera Garoupa, seja qual o motivo e seja qual for a opinião “verdadeira” de Ventura, é objetivo que há uma inconsistência entre o que disse na tese e o que passou a defender a seguir. Algo que no meio académico americano “resultaria apenas na perda de reputação.” Não haveria, assegura, “consequências formais: a tese está escrita e escrita está. A minha única preocupação se estivesse numa escola onde ele lecionasse era de que não fizesse propaganda nas aulas. De resto, se alguém quer exibir desonestidade intelectual em público, isso é lá com a pessoa.”
Pedro Magalhães também não crê que uma situação como a de Ventura “tenha de operacionalizar consequências em termos académicos”. Mas, acrescenta, “não deixa de ser estranho que a mesma pessoa exprima juízos de valor completamente diferentes no espaço público – porque a tese também está no espaço público. Isso gera-me mais dúvidas sobre a seriedade da pessoa do que o seu discurso político”.
O investigador do ICS confessa até que depois da revelação deste caso ficou “curioso sobre os trabalhos académicos de políticos. Porque sabemos que a carreira académica pós-graduada tem atraído muitos políticos e era quase um trabalho de campo saber o que dizem nos seus trabalhos. Fiquei com muita curiosidade em saber se os juízos de valor e de facto aí vertidos se coadunam com o seu discurso público”.
“Foi uma grande surpresa para mim que tenha fundado um partido de direita”
Muito interessante perante o exposto seria conhecer a reação da orientadora da tese, Caroline Fennell, professora de Direito em Cork. Fennell faz parte da direção do Centro de Direito Criminal e Direitos Humanos de Cork, do qual André Ventura foi até 2014 investigador associado, e de acordo com o site da universidade os seus principais interesses relacionam-se com “género, construção de direitos e justiça em crises, justiça criminal e a lei baseada na prova”.
Numa entrevista publicada no mesmo site, diz sentir “uma afinidade e empatia pelos que são considerados ‘outro”’, marginais ou diferentes. A minha reação é sempre questionar a pronta classificação dos que são vistos como párias pela maioria, e é nesse contexto que o nosso compromisso com o nosso sistema de valores é verdadeiramente posto à prova. Tenho o que considero uma saudável indiferença pelo consenso e preocupo-me sempre com ‘ideias feitas’ e pensamento de manada”.
O DN tentou chegar à fala com Fennell por telefone, sem sucesso, e depois por e-mail. Por essa via, a 30 de outubro informava a jurista de que o seu orientando é líder de um partido e foi eleito deputado, explicitando o que este defende – prisão perpétua, castração química de agressores sexuais, mudança na lei para que a polícia possa usar força letal quando não há vidas em risco (quer que o crime de “excesso de legítima defesa” não se aplique à polícia) e leis de imigração que não permitam conceder cidadania a refugiados, etc. Referia-se também o seu desejo de “redução da presença islâmica na Europa” e o seu ataque à comunidade cigana portuguesa.
Considerando que essas ideias parecem contradizer as expressas numa tese em que se critica o “populismo penal” e os perigos, para os direitos humanos, trazidos pelo ultrassecuritarismo da guerra contra o terrorismo, assim como a estigmatização de comunidades “associadas de modo superficial” a fenómenos criminais, pedia-se a Fennell um comentário sobre a ética académica de uma situação em que o autor de uma tese defende publicamente a aplicação de medidas que descreveu no seu trabalho académico como perigosas. Por fim, o DN questionava a professora sobre se iria, ela ou a faculdade, dirigida por Ursula Kilkelly (a quem o e-mail foi também endereçado), tomar alguma posição pública sobre o assunto. Meio mês de silêncio depois, parece pacífico concluir que a resposta é não.
O DN contactou também dois ex-alunos de doutoramento de Cork citados na tese de André Ventura, na secção de agradecimen
“As teses defendidas no trabalho académico são políticas, de política criminal. Do ponto de vista ético não é muito aceitável a contradição.” “Foi uma grande surpresa para mim que tenha fundado um partido de direita. Parece que é contra o aborto, não é? Nunca imaginaria do que conheço dele.”
tos. Um é o espanhol Pablo Cortés, professor na Universidade de Leicester, Reino Unido. Cortés diz não se recordar da tese do colega, com quem pouco tem falado desde os tempos do doutoramento – “Só temos contacto pelo Facebook” –, mas sabe que ele fundou um partido. “Fui a Lisboa e vi a cara dele em cartazes. Foi uma grande surpresa para mim que tenha fundado um partido de direita, o Chega. Pensei que era mais liberal. Parece que é contra o aborto e contra o casamento dos homossexuais, não é? Estou muito surpreendido com isso, nunca imaginaria do que conheço dele.”
Outro colega de Cork citado na tese como tendo dado para a mesma “inestimáveis conselhos e feedback” é Olufemi Amao, de origem nigeriana, atualmente professor na Faculdade de Direito da Universidade de Sussex, Reino Unido. Este assumiu ser amigo de Ventura, que descreve como “a nice guy” (um tipo porreiro), mas, igualmente, diz não falar com ele há muito. E mostra-se bastante surpreendido quando informado sobre o que o ex-colega, agora deputado, defende e o facto de dirigir um partido com ideário de extrema-direita. “Não sei de nada disso, já não contactamos há muito. E, sabe, sou negro, portanto... Nem sei o que dizer.”
O livro “proibido” e Ventura Rushdie
Amao, que ainda em outubro participou num seminário no Centro Irlandês de Direitos Humanos sobre refugiados e leis de imigração, ficou ainda mais embaraçado quando questionado sobre o seu papel na promoção de A Última Madrugada do Islão, o segundo romance que Ventura publicou na Chiado Editora (este em 2009, o anterior, Montenegro, em 2008, ambos na altura em que estava a fazer o doutoramento).
Este livro foi à época objeto de bastante controvérsia, já que a editora anunciou a suspensão da sua publicação devido a “ameaças” e “pareceres inflamatórios” de “académicos”, o que suscitou protestos de vários comentadores – entre os quais Pacheco Pereira e Francisco José Viegas, que a acusaram de censura – tendo inclusive surgido uma petição pública a exigir à editora que publicasse o livro e Ventura exarado um comunicado no qual asseverava temer pela sua “segurança pessoal” e “viver sob vigilância e proteção uma parte significativa do tempo, com importantes constrangimentos no que à minha vida pessoal e profissional diz respeito”.
Os ditos “pareceres inflamatórios” foram atribuídos pela editora a “comentários de professores universitários, entre os quais o Professor Pablo Cortés (University of Leicester) e o Professor Olufemi Amao (Brunel University) e membros da comunidade muçulmana que nos pediram expressamente a não divulgação dos respectivos nomes com receio de represálias”, “pessoas consultadas” que “terão considerado ter o livro um potencial incendiário de consequências imprevisíveis”.
Olufemi Amao foi citado como tendo afirmado ser o livro – que se supõe ter sido escrito em português, língua que Amao não falará – “um poderoso manifesto contra o fundamentalismo islâmico de um dos mais promissores escritores da nova geração” e referido como um dos académicos que tinham feito uma análise do livro que levara a editora a temer publicá-lo devido ao seu ‘potencial incendiário de consequências imprevisíveis’”.
O académico nigeriano, que no seu site pessoal se apresenta como poeta além de especialista em direito comercial, sindical e empresarial, assegurou ao DN não se lembrar de tal episódio: “O André Ventura era um amigo, não me lembro do que fiz na altura. Mas não terei feito nenhum comentário sobre a substância do livro.”
Já Pablo Cortés assume que não leu o livro todo, “só partes” (“Sou da Galiza, consigo ler português”), e que Ventura o contactou a pedir para o citar “para ajudar na promoção do livro”.
O outro académico citado nos comunicados da editora – e por decorrência nos jornais – sobre o livro em questão é o turco Onder Bakircioglu, igualmente à época aluno de doutoramento na Faculdade de Direito de Cork.
“A incomensurável estupidez que gera preconceitos”
Outra “autoridade” referida na controvérsia sobre o livro foi o xeque da Mesquita Central de Lisboa, David Munir, a quem a editora anunciou ir pedir “um parecer sobre o eventual conteúdo ofensivo da obra em causa e eventuais consequências da sua publicação.” Contactado pelo DN, Munir assegurou nunca ter lido o livro – “Nunca me deram para ler ou dar opinião. Nem me lembro de terem falado comigo” –, que acabou por ser publicado sem qualquer problema. Já Ventura diz não saber nada sobre isso, que “teve a ver com a editora”, e explica que decidiu por ele próprio retirar uma parte do livro “sobre o profeta Maomé, não por medo da violência mas por receio de ser considerado ofensivo” e “por respeito pelos sentimentos religiosos”.
Questionado sobre o critério da escolha daqueles três professores universitários para comentar o livro, o autor diz: “O livro não era sobre o islão propriamente dito, era sobre a vida nos subúrbios da Europa e fazer uma comparação com o que se passava também em Israel. E quis perceber, porque não sou especialista nessa matéria, se as referências religiosas que fazia ou as referências emocionais que fazia podiam ser consideradas sensíveis e violentas.”
Confrontado com o facto de nenhum dos três académicos ser especialista em islão ou em literatura mas antes juristas seus colegas em Cork, admite. “Não, não são. Foi apenas uma perspetiva cultural que queria ter. Era uma análise que entendi que lhes devia pedir. São pessoas com uma vivacidade cultural muito grande e com uma sensibilidade bastante grande e entendi que devia pedir.” E acrescenta: “Já aí tentava demonstrar a perigosidade do fundamentalismo islâmico.”
A trama de base do livro, que o DN consultou, é sobre a morte de Arafat, que Ventura atribui ao homicídio perpetrado por um jovem médico com quem o líder palestiniano teria uma relação íntima.
Já Montenegro, o primeiro romance, de 2008, conta, explicou Ventura ao JN, a vida de Luís Montenegro, “nome escolhido ao acaso”, um ciclista em luta contra o VIH e “a incomensurável estupidez que gera preconceitos dificilmente removíveis”. Preconceitos e discriminação cujos fundamentos e efeitos lamentava com calor em 2008, num blogue de promoção do livro: “Discriminação e repulsa que não são apenas notórios a um nível macro, isto é, a um nível institucional, formal ou legal. Não, é no quotidiano da vida, no desenrolar comum da actividade diária que aquelas se fazem sentir em toda a sua brutalidade e arrogância, ao desconsiderar e marginalizar permanentemente grupos de pessoas em função da sua presença ‘diferente’ no seio da comunidade. Algumas vezes, fruto de uma arrogância social e económica impossível de ignorar; outras, apenas de um espesso manto de ignorância que ainda permanece fortificado na sociedade moderna, em Portugal e por esse mundo fora.”
“A alteração de uma opinião refletida numa tese de doutoramento é legítima. Mas pressupõe novos dados. A mudança de opinião deve ser científica também.”