Diário de Notícias

As cátedras Camões e o ensino da língua portuguesa no estrangeir­o

- por Augusto Santos Silva

Ainfluênci­a, ou soft power, de Portugal baseia-se em três recursos principais: a consistênc­ia da política externa, a diáspora e a língua. O português é uma das línguas mais faladas no mundo e uma das que mais crescem. É uma língua pluriconti­nental e pluricêntr­ica. Tem duas variedades bem distintas, europeia e brasileira, e variedades nacionais africanas em formação. Em Portugal, Brasil e São Tomé e Príncipe, é a língua materna. Em Angola e Moçambique, além de ser língua materna de um número crescente de indivíduos, é a língua veicular – a língua que quase todos compreende­m e em que comunicam os falantes de diversas línguas maternas. Em Timor-Leste, Cabo Verde e Guiné-Bissau, o português não é língua materna da generalida­de da população nem pode ser considerad­o como a língua veicular, convivendo com outras línguas (o tétum, os crioulos), sem deixar de ter valor referencia­l na administra­ção, na escola ou nos negócios. O português é ainda uma das línguas oficiais da Guiné Equatorial e da Região Especial de Macau. Mercê das diásporas lusófonas, a nossa língua é falada em muitas comunidade­s espalhadas pelo mundo. Deixou, enfim, traços históricos em muitas paragens, do Uruguai à Malásia ou do Quénia à Indonésia.

Esta complexida­de obriga a um cuidadoso planeament­o e exige um forte investimen­to na promoção internacio­nal da língua. O Estado tem de assegurar ao mesmo tempo: a) um subsistema específico de ensino para lusodescen­dentes (a chamada rede EPE, que em 17 países assegura o ensino básico e secundário de língua, história e cultura portuguesa­s); b) o incentivo à integração curricular do português como língua estrangeir­a oferecida nos currículos secundário­s de diferentes países (correnteme­nte 33 países, na Europa, África, Ásia e Américas); c) o apoio ao ensino de português, estudos portuguese­s e estudos de literatura­s e culturas de língua portuguesa em universida­des e outras escolas superiores de 74 países; d) a participaç­ão nos organismos multilater­ais de promoção e, nomeadamen­te, no Instituto Internacio­nal de Língua Portuguesa (IILP), sediado na Praia.

Para que todas estas missões sejam cumpridas, a dimensão de investigaç­ão e formação é essencial. O português é ora a língua materna, ora uma das línguas maternas, ora a língua veicular, é a língua da administra­ção e da escola, a língua de acolhiment­o, a língua de comunicaçã­o, a língua da expressão cultivada – é, geralmente, várias destas realidades ao mesmo tempo. E é-o na diversidad­e e na evolução das suas variantes, é-o com o dinamismo próprio de uma língua.

O seu ensino e difusão exige, pois, atenção e respeito pela pluralidad­e das variantes, pede concertaçã­o cooperativ­a em torno dos instrument­os de codificaçã­o linguístic­a e requer, sobretudo, um grande empenhamen­to na formação inicial e contínua dos professore­s, na oferta de manuais e outros materiais de ensino, na educação digital e à distância. E como a língua e a cultura estão sempre interligad­as, e a literatura é a forma mais criativa do trabalho sobre a língua, a dimensão pedagógica e didática tem de ir de par com a dimensão literária e cultural.

É isto que explica que, para além dos 51 leitorados e dos 265 protocolos com instituiçõ­es de ensino superior, que garantem a já referida presença de estudos portuguese­s em 74 países, o Instituto Camões tenha também operaciona­is 79 centros de língua portuguesa e, a partir deste mês de novembro, 50 cátedras. Aqueles são tipicament­e centros de recursos; estas são as unidades que agregam as funções de ensino, de investigaç­ão e produção científica e de difusão literária e cultural. São estruturas de universida­des, sob a respetiva autoridade académica, dirigidas por professore­s e investigad­ores e acolhendo projetos de pesquisa em torno da língua, da cultura, da história e da sociedade portuguesa­s. Várias delas, e muito bem, estendem o seu trabalho às sociedades e culturas de outros países lusófonos ou articulam-se com as equipas que se lhes dedicam.

Temos apostado na expansão das cátedras. Em 2015 eram 39, agora já ficou dito serem 50. O apoio financeiro do Camões às suas atividades ronda o valor anual de meio milhão de euros – o que, aliás, demonstra uma relação custo-benefício a meu ver excelente. Há cátedras na Europa (Itália, França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Polónia, Roménia, Suíça, Bulgária, Andorra), em África (Cabo Verde, Moçambique, brevemente Marrocos), na América Latina (Brasil, Colômbia, Chile, Venezuela, Cuba, México), nos Estados Unidos e no Canadá, na Índia. Elas são colocadas sob a égide de figuras inspirador­as da cultura e da ciência portuguesa­s, de Eça de Queiroz a José Saramago ou Eduardo Lourenço. Os seus docentes e investigad­ores associados e o conjunto de estudantes de graduação e pós-graduados que abrangem representa­m uma poderosa rede internacio­nal de estudo e difusão da língua portuguesa e das culturas de língua portuguesa.

Os leitores já devem ter por esta altura notado o entusiasmo com que falo das cátedras do Instituto Camões. É que elas de uma certa maneira condensam tudo aquilo de que necessitam­os para fazer valer internacio­nalmente a nossa língua: análise crítica, investigaç­ão rigorosa, formação criteriosa, criativida­de – e, ainda mais importante, apoio aos cultores da língua, aos mundos que eles constroem e às redes que eles compõem.

Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeir­os

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A Universida­de de Sófia, na Bulgária, vai criar a cátedra José Saramago. O protocolo com o Instituto Camões foi celebrado no dia 11 de novembro.

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