Diário de Notícias

Horas extra mal pagas, equipament­os obsoletos e instalaçõe­s envelhecid­as são as condições em que trabalham diariament­e. O Serviço Nacional de Saúde não é atrativo para um jovem médico. Por isso, exclusivid­ade “sem qualquer tipo de incentivo seria um desre

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Diogo Bernardo Matos, de 25 anos, é médico e quer trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em 2018, foi o aluno 100% do exame Harrison, hoje está prestes a dar início à especializ­ação em oftalmolog­ia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e não duvida da importânci­a do setor público. “É no SNS que temos a maior parte dos nossos doentes e onde temos a capacidade de transforma­r mais vidas. Se houver condições para isso, gostaria de manter-me aqui. Só trabalhari­a no privado se precisasse de mais dinheiro para fazer a minha vida”, diz

Mas a hipótese de fidelidade ao serviço público durante mais uns anos por obrigação não lhe agrada, tendo em conta as condições de trabalho que espera encontrar (equipament­os obsoletos, instalaçõe­s envelhecid­as lista de espera e falta de médicos para dar resposta). “Não vejo com bons olhos que sejamos obrigados a fazer seja o que for. Forçar especialis­tas a assinar um acordo de permanênci­a sem terem qualquer tipo de incentivo seria sempre um desrespeit­o. Durante o tempo em que estamos a fazer a especializ­ação já temos um vínculo ao SNS. Depois disso deveria ser regime livre.”

Este é o sétimo ano de formação de Diogo Matos, o primeiro classifica­do no exame de acesso à especialid­ade, em 2018, quando mais de 700 ficaram de fora. Diogo obteve 100% no Harrison, um teste baseado na memorizaçã­o do tratado de medicina norte-americano com o mesmo nome, que neste ano foi substituíd­o pela Prova Nacional de Acesso à Formação Especializ­ada.

O exame mais temido pelos estudantes de Medicina consumiu-lhe um ano de vida. Começou a estudar 13 meses antes e chegou a passar, nos últimos meses, 12 a 13 horas por dia a preparar-se para o momento em que estaria frente a frente com o enunciado e a lutar por uma vaga na especialid­ade. A ideia de seguir oftalmolog­ia surgiu entretanto; tal como a decisão de ser médico, não era um plano de infância. Os pais, enfermeiro­s, deram-lhe uma noção do que seria o ambiente hospitalar e, na hora de escolher entre Economia e Medicina (opções que considerou no fim do ensino secundário), seguiu o caminho que lhe era mais familiar.

Diogo é médico em Coimbra e começa a trabalhar no Hospital de Santa Maria em janeiro de 2020, mas já sabe o que o espera no Serviço Nacional de Saúde. Até porque já cumpriu o estágio no Centro Hospitalar Lisboa Central. E por isso também desvaloriz­a a opção da exclusivid­ade”. Não quer ficar amarrado.

Vasco Mendes, presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina, começa também a fazer contas à vida e coloca mesmo a hipótese de emigrar . “A situação atual do SNS faz pensar onde queremos exercer e como. Medicina é um curso que envolve, no mínimo, dez anos de formação e, se falarmos em mais quatro ou cinco, só vou ter liberdade profission­al quando tiver 40 anos. Se for para o estrangeir­o fazer a minha especialid­ade e a seguir voltar sou livre”, refere o aluno do 5.º ano de Medicina. Se não for durante a formação, pode ser depois. Vasco admite poder emigrar se o obrigarem a ficar no SNS mais tempo.

Vasco e Diogo sentem-se revoltados com a medida que agora volta a estar em cima da mesa e que pode obrigá-los a ficar mais tempo no SNS. Depois de todo o esforço que fizeram para entrar no curso e já na formação básica, queriam poder escolher onde trabalhar.

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