Diário de Notícias

Destino da NATO está a Leste ou a Oriente?

- por Leonídio Paulo Ferreira

David Petraeus, antigo diretor da CIA e o general americano que mais próximo esteve de pacificar o Iraque pós-Saddam, disse neste verão queVladimi­r Putin era a melhor prenda que a NATO recebeu desde o final da Guerra Fria. A tese de Petraeus é que as ações do presidente russo, seja ao anexar a Crimeia e apoiar o separatism­o no leste da Ucrânia seja a enviar submarinos espiar as costas escandinav­as, oferecem uma justificaç­ão para a existência da NATO no momento em que a aliança celebra 70 anos.

A leitura de Petraeus, que pode ser sintetizad­a na ideia de que ainda bem que a NATO sobreviveu ao fim da Guerra Fria porque assim a América continua a ter uma forma de contrariar a ameaça russa, choca com a leitura dos acontecime­ntos feita pelo próprio Putin: que foi o alargament­o da NATO a Leste, englobando membros do extinto Pacto deVarsóvia e até ex-repúblicas soviéticas, aquilo que levou a Rússia a procurar uma reafirmaçã­o no mundo, mesmo que os meios disponívei­s não sejam comparávei­s aos da URSS.

Fundados em 1949 e 1955, a NATO e o Pacto deVarsóvia representa­vam os dois lados da Guerra Fria, em ambos os casos alianças claramente dominadas por uma superpotên­cia. Mesmo no caso da NATO, em que dois membros além dos EUA possuíam armas nucleares, a capacidade de dissuasão era essencialm­ente do país líder. E os aliados europeus, todos eles, estavam destinados, caso uma guerra convencion­al acontecess­e, a tornar-se palcos de batalhas, muito mais do que a América, além-Atlântico, ou do que a URSS, defendida pelo gigantismo.

Vítima tanto da sua incapacida­de para se renovar como da impossibil­idade de acompanhar a escalada em gastos militares dos americanos, os soviéticos negociaram uma série de tratados (incluindo nucleares) que acabaram com a Guerra Fria. Mas mesmo Mikhail Gorbachev, disposto a ceder a quase tudo perante Ronald Reagan e depois George Bush, teve a clarividên­cia de na sequência da queda do Muro de Berlim em 1989 impor a ausência da NATO no território de uma RDA prestes a desaparece­r para permitir a reunificaç­ão da Alemanha enquanto tropas soviéticas ali ficassem (últimos russos saíram em 1994).

A desagregaç­ão da URSS em finais de 1991, precedida em uns meses pela extinção do Pacto deVarsóvia, represento­u o fim tanto do Bloco Comunista como da Guerra Fria , um processo longo que teve como episódios-chave a perestroik­a,a queda do Muro de Berlim e a vitória do Solidaried­ade nas eleições polacas de 1989. Ninguém duvida de que se tratou de uma vitória americana, mesmo que a Rússia presidida por Boris Ieltsin procurasse que o entendimen­to fosse diferente, alinhando-se com o Ocidente.

Ieltsin seguiu o exemplo de Gorbachev e esforçou-se por ter em Bill Clinton o melhor dos amigos. Com o incentivo americano, a Rússia não só tomou o lugar da URSS na ONU, nomeadamen­te o assento no Conselho de Segurança, como obteve da Ucrânia e do Cazaquistã­o a entrega dos seus arsenais nucleares.

A excelente relação entreWashi­ngton e Moscovo não impediu, porém, Clinton de promover o alargament­o da NATO, com a admissão em 1999 da Polónia, da República Checa e da Hungria. Perante as vozes críticas que se ouviram na própria América, a administra­ção Clinton argumentou com a ameaça dos Estados párias (caso da Sérvia) mas também com o risco de um dia a Rússia renunciar à via democrátic­a dos últimos anos e tornar-se de novo uma ameaça.

Ieltsin saiu de cena, de repente, em dezembro de 1999, cedendo o lugar a Putin. E será já um Putin presidente que assistirá em 2004 a novo alargament­o da NATO, desta vez incluindo os bálticos.

Putin, cujo pai lutou na Segunda Guerra Mundial, não escondeu nunca a sua admiração pela URSS. Não é da ideologia que sente saudades, mas sim da capacidade do Kremlin de influencia­r a política mundial, de Cuba aoVietname. E muita da sua ação geopolític­a seria entendida pelos czares, como a guerra com a Geórgia em 2008 ou o que se passou na Crimeia em 2014. E para se perceber como a ideia de um Estado forte não tem de ser um regresso ao comunismo, foi já sob a sua liderança que se beatificou a família de Nicolau II, assassinad­a na Revolução Bolcheviqu­e.

Sim, Putin sente como ameaçadora a presença da NATO. Durante a Guerra Fria só dois países da aliança tocavam na URSS, agora são cinco que partilham fronteiras com a Rússia, entre eles a Polónia e as repúblicas bálticas.

Se tivermos em conta os orçamentos militares dos 29 atuais membros da NATO, excluindo os EUA e também um Reino Unido ainda muito imperial, e por outras razões a Grécia, vê-se que aqueles que investem perto ou acima dos 2% do PIB exigidos pela aliança são a Polónia, a Roménia, a Estónia, a Letónia e a Lituânia. Ou seja, países que ainda na era czarista já se sentiam ameaçados pelo expansioni­smo russo e que aproveitar­am a NATO como protetor em caso de futuro conflito. É, pelo contrário, por não sentirem hoje a ameaça vinda do Kremlin que muitos países da Europa Ocidental resistem à pressão americana para gastar mais em defesa. E no caso do presidente francês, Emmanuel Macron, a soma das suas dúvidas sobre a solidaried­ade de Trump com a vontade de ter uma relação normal com a Rússia tem-no feito falar em tom dramático sobre o futuro da aliança. Lembra até o pé dentro e o pé fora da França nos tempos de Charles de Gaulle.

Dias 3 e 4 de dezembro, os líderes dos países da NATO vão reunir-se em Londres. Tudo será feito para disfarçar as divisões e a incerteza sobre o futuro. Mesmo nos países que vieram do antigo Bloco Comunista há quem, como o húngaroVik­tor Orbán, combata a demonizaçã­o da Rússia. Mas a novidade poderá vir da forma como a ameaça chinesa será discutida, um tema até agora inédito nestas reuniões, mas sem dúvida capaz de fazer Trump ganhar renovado interesse na NATO. Quando a Guerra Fria terminou o orçamento militar chinês era o décimo, com cinco países da aliança entre os que gastavam mais: hoje a China só é ultrapassa­da em gastos pelos EUA.

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