Portugal bloqueou lei europeia sobre impostos para multinacionais
Numa clara contradição com o que defende no seu programa e em oposição ao que os eurodeputados socialistas votaram no CE, o governo não aprovou uma diretiva sobre partilha de informação fiscal das multinacionais, bloqueada há mais de dois anos.
A diretiva sobre partilha de informação fiscal das multinacionais está parada há dois anos no Conselho Europeu, e Portugal faz parte do grupo dos que a bloquearam. É uma contradição com o que o governo defende no seu programa e mesmo em oposição ao que os eurodeputados socialistas votaram.
Ogoverno português está, desde 2017, sem decidir se aprova ou não uma lei europeia que pretende tornar conhecida a situação fiscal das grandes empresas multinacionais com operações na Europa. É a diretiva CBCR (acrónimo de Comunicação País a País), que a Comissão Europeia aprovou em 2016, o Parlamento Europeu assinou por baixo em 2017 mas está desde então parada no topo da hierarquia comunitária, no Conselho Europeu, porque vários Estados “bloquearam” a sua aprovação.
Entre esses Estados que bloquearam a decisão estão alguns dos mais conhecidos “refúgios fiscais” da Europa: Malta, Chipre, Irlanda, Luxemburgo. E... Portugal. A posição do governo de António Costa no Conselho Europeu tem sido, até agora, a de não tomar “posição” sobre a vantagem de haver uma partilha de informações entre todos os paí
ses europeus dos impostos pagos pelos gigantes empresariais.
O governo não explica a situação. Numa curta declaração escrita enviada como resposta às perguntas do DN, o Ministério dos Negócios Estrangeiros explica apenas que “no âmbito desta discussão Portugal tem tido uma postura de observação atenta da argumentação dos Estados membros e da Comissão, não tendo havido qualquer tomada de posição até ao momento, nem qualquer matéria a que se tenha obstado”.
A “observação atenta” já dura há mais de dois anos. Mas se lermos o que o mesmo governo escreveu no programa que apresentou à Assembleia da República há menos de um mês, podemos ver uma posição clara: “As crescentes sofisticação e globalização dos mecanismos de evasão e de elisão fiscal tornam indispensável uma maior cooperação europeia e internacional.” Mais: o governo português prometeu aos deputados “bater-se por uma maior justiça fiscal à escala europeia, combatendo a erosão das bases tributáveis entre diferentes Estados, a evasão fiscal e a concorrência desleal”. E para que não restassem dúvidas anunciou que iria até “propor, nas instituições europeias, uma atuação concertada a nível tributário que reduza os efeitos perversos da concorrência fiscal entre Estados membros”.
Críticas a Portugal em Bruxelas
O porta-voz dos Verdes, Sven Giegold, lamenta a situação. Em declarações ao DN, Giegold acusa Portugal de “proteger os evasores fiscais”: “Com as suas preocupações legais, o governo português está a proteger os evasores fiscais. As preocupações manifestadas quanto à base jurídica estão, de facto, a matar a proposta da Comissão. A unanimidade dos Estados membros da UE para a transparência fiscal pública das grandes empresas nunca será alcançada e não é necessária. Para os bancos, a UE já introduziu a transparência fiscal pública país por país no âmbito do processo de votação por maioria. Esta transparência tem vindo a funcionar desde há anos e não deu origem a quaisquer problemas jurídicos.”
A ex-eurodeputada do PS, Ana Gomes, recorda o sentido favorável do voto dos socialistas portugueses sobre esta matéria no Parlamento Europeu. “É inacreditável que Portugal esteja a boicotar esta diretiva. Não tenho explicação...” Para Ana Gomes, há uma “contradição total entre o que se dizia no programa e a posição do país no Conselho. Ou há uma total insensibilidade política, ou então é pior... Isto mostra como uma questão política fundamental é tratada, ao deixar os piores poderes decidir”.
As críticas não ficam por aqui. Evelyn Regner, a líder do S&D (o grupo político europeu que integra o PS), é bastante clara: “O silêncio do Conselho sobre a diretiva CBCR é ensurdecedor. Depois de dois anos e de reformas ambiciosas adotadas pelo Parlamento Europeu no ano passado, os ministros das Finanças da UE não fizeram mais do que interromper as negociações. É inaceitável que, na sequência dos casos LuxLeaks, Panamá e Paradise Papers, alguns Estados membros continuem a proteger os interesses das grandes multinacionais que estão a fugir aos impostos.”
O enigma torna-se ainda maior quando, segundo os relatos de Sven Giegold, Portugal parece defender que esta diretiva seja aprovada por unanimidade no Conselho. Isto é um objetivo irrealista, tendo em conta a posição conhecida de países como a Irlanda e o Luxemburgo, que fazem do “dumping fiscal” uma estratégia para atrair multinacionais. Neste caso, era mais realista optar por uma maioria qualificada. Segundo fontes que acompanharam o debate no Conselho, a posição “legalista” assumida por Portugal é “apenas uma forma simpática de impedir a diretiva sem dizer que o país é contra”.
Isto porque, como é público, o mesmo mecanismo de partilha de informação fiscal entre países já existe para os bancos e não foi aprovado por unanimidade no Conselho. O Parlamento já forneceu ao Conselho toda a argumentação jurídica que explica a validade da diretiva.
Os segredos do Conselho
A estranheza deste caso aumenta ainda mais quando reparamos que Portugal se opõe à posição da maioria dos seus tradicionais aliados europeus: França, Espanha, Bélgica, Dinamarca, Holanda, entre outros, estão todos a favor da diretiva. Não há sequer qualquer divisão ideológica que justifique o alinhamento político de Portugal. A diretiva é, como vimos, defendida pelos socialistas europeus, pelos Verdes, pelo grupo da Esquerda (em que estão BE e PCP) mas também pela vice-presidente da Comissão, a liberal dinamarquesa Margrethe Vestager, e pelo vice-presidente conservador letão Valdis Dombrovskis. O Parlamento aprovou um voto conjunto, em 24 de outubro, de todos os grupos parlamentares, com a exceção do ID, de extrema-direita, para apelar ao Conselho para acelerar a aprovação da diretiva.
Tudo isto sabe-se mas não é público. Porque as reuniões do Conselho, nas quais Portugal assume a sua posição, são um segredo bem guardado. O que o público pode saber é apenas isto: nesta sexta-feira, 22, o assunto foi incluído no ponto 6 da ordem de trabalhos da reunião de um grupo de trabalho de Alto Nível sobre impostos, que aconteceu em Bruxelas, no edifício Justus Lipsius. Quem integra este grupo? Que posições defendem os países? Nada disso é tornado público pela União Europeia.
O Conselho Europeu é constituído pelos chefes de Estado ou de governo dos países da UE, pelo presidente do Conselho Europeu – no caso, Donald Tusk – e pela presidente da Comissão Europeia e define as orientações e as prioridades políticas gerais da União Europeia. E tornou-se o mais opaco legislador europeu – criando regras decisivas por autores anónimos e sem qualquer debate registado.
Esta acusação é oficial e foi proferida pela provedora da União Europeia, Emily O’Reilly, em fevereiro de 2018: “A divulgação pública das posições dos Estados membros, de forma atempada e acessível, pode contribuir para reduzir o afastamento dos cidadãos das instituições da UE. Pode também ajudar a esclarecer que as decisões sobre a legislação tomada a nível da UE são tomadas por representantes eleitos e não pelos chamados burocratas sem rosto.” Por isso, O’Reilly propôs, num relatório oficial, que “o CE deverá: registar sistematicamente as identidades dos Estados membros que exprimem posições nas instâncias preparatórias”.
Portugal não o faz. A Representação Permanente do país na UE (REPER) não informa quem foi o representante do país nas reuniões sobre a diretiva CBCR. O DN perguntou, mas não obteve qualquer resposta. O Ministério das Finanças também não explica qual a posição de Portugal sobre o tema da diretiva – o DN perguntou, mas só recebemos a resposta do MNE, que garante que o país não tem posição.
Mas há exceções na Europa, que não tratam as decisões do Conselho com o secretismo que vigora em Lisboa. A Suécia tem uma atuação diametralmente oposta. Antes de cada reunião do Conselho (grupos de trabalho, COREPER), o governo sueco escreve uma “instrução” de voto e de posição sobre cada tema e esse documento é público, se solicitado. Esta posição do país é tomada numa reunião entre os vários ministérios envolvidos no tema em causa (no caso da CBCR será o das Finanças, o da Economia, os Negócios Estrangeiros, por exemplo). Depois das reuniões do Conselho, os representantes suecos escrevem um “relatório” que avalia a reunião e descreve o que lá aconteceu. Esse relatório pode ser solicitado por jornalistas, ao abrigo das leis de liberdade de informação.
Em Portugal, neste estranho caso do bloqueio à diretiva CBCR, não se sabe quem define a posição do país (se um ministério se um diplomata da REPER), quem a anuncia, porquê e com que objetivo.
O porta-voz dos eurodeputados Verdes, Sven Giegold, acusa Portugal de “proteger os evasores fiscais”. Ana Gomes, ex-eurodeputada do PS, que votou a favor da lei, lamenta: “É inacreditável que Portugal esteja a boicotar esta diretiva. Não tenho explicação...”
*Investigate Europe é um projeto iniciado em setembro de 2016 que junta jornalistas de oito países europeus. Este trabalho foi financiado em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian. Investigate Europe tem o apoio das fundações Cariplo (Milão), Stiftung Hübner und Kennedy (Kassel), Fritt Ord (Oslo), Rudolf Augstein-Stiftung (Hamburgo), GLS (Alemanha) e Open Society Initiative for Europe (Barcelona).
Alíder da JSD recebe neste sábado, no Fundão, no II Congresso da Coesão Territorial, os três candidatos à liderança do PSD. Margarida Balseiro Lopes abre as portas a Rui Rio, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz, para que digam aos jotas ao que vêm nestas eleições diretas do partido. Mas para mobilizar e reconquistar os jovens que andam por aí sem qualquer interesse pela política, como apelou Pinto Luz no seu discurso de candidatura, basta pregar aos que já estão convencidos?
“O nosso partido perde influência eleitoral porque tem perdido influência na sociedade. Deixou de ser uma força apelativa para muitos jovens que vivem e que pertencem a geração com melhor formação de sempre. Precisamos de atrair estes jovens”, afirmou o mais jovem candidato à liderança do PSD. O politólogo José Adelino Maltez concorda com a primeira frase do discurso de Pinto Luz. “O problema do PSD é mesmo de perda de influência na sociedade portuguesa. Era um partido que tinha muita junto dos grupos orgânicos e inorgânicos que surgiram fora da esfera do poder político e tem perdido isso.” Entre estes grupos orgânicos, claro, incluem-se, por exemplo, as organizações estudantis que não se identificam com a esquerda.
Margarida Balseiro Lopes, que também é uma das jovens deputadas do PSD, trilha o caminho da mesma ideia. “Um partido com a vocação do PSD deve ser um partido de todas as gerações, somos muito melhores quando temos a capacidade de as agregar todas.”
Mas, mesmo sendo líder de uma organização de juventude, entende que o seu papel para mobilizar este eleitorado não é o de falar e propor só temas que atravessam a vida dos jovens, como a educação, o desemprego, a habitação. O tema da corrupção, em que se tem empenhado, “é fundamental para a minha geração, até porque, embora não tenhamos contribuído para a degradação da imagem dos partidos e dos políticos, acabamos por ser prejudicados por isso”, frisa.
A “credibilização” da atividade política também é uma das peças-chave para cativar as camadas mais jovens, na opinião da vice-presidente da JSD, Sofia Matos. “Cabe-nos a nós fazer mais por essa credibilização”, diz a jovem deputada social-democrata, que apoia Rui Rio nesta corrida à liderança. Sofia Matos sublinha que os primeiros passos estão dados com a nova geração de políticos que têm uma vida profissional e não vivem de e para a política. “É por isso que acho que esta atividade deve ser temporária”, defende.
O ex-eurodeputado Carlos Coelho, que tem organizado a Universidade de Verão do PSD, também entende que os maus exemplos levam muitas vezes os jovens a afastar-se da política. “Quando era pequeno vendiam-se heróis. Acabámos com isso, mas é preciso‘vender’ os bons exemplos, as boas práticas”, nomeadamente as do poder autárquico.
Alexandre Poço, também vice-presidente da JSD, diz que é preciso sobretudo um contacto direto com os jovens nas escolas, nas universidades, nas empresas. Só assim, diz o também jovem deputado social-democrata, que está ao lado de Miguel Pinto Luz, se consegue captar mais pessoas para a participação cívica e política.
Margarida Balseiro Lopes exemplifica. “Faço imensas sessões nas escolas”, garante. Na semana passada tinha estado na Escola Secundária Filipa de Lencastre a falar sobre política para 200 jovens, e no Instituto Superior de Contabilidade de Matosinhos a fazer o mesmo. E as redes sociais? “Claro, são importantes para chegar às camadas mais jovens, mas depois temos de estar junto das pessoas”, defende a líder da JSD.
Carlos Coelho prefere analisar o modo como os jovens interagem nas redes para perceber por que motivo não aderem à participação política. “Estão nas redes, podem partilhar publicamente a sua opinião apenas ao carregar num botão. É uma interação fácil e dinâmica. Na política é o inverso, não incentivamos a participação das pessoas, nem que possam intervir nas decisões.”
Lembra a sua experiência na Universidade deVerão, que reúne todos os anos dezenas de jovens para formação política, e que lhe permite dizer que o trabalho que mais é valorizado pelos alunos é o de grupo, em que definem estratégias. “Os jovens afastam-se porque não veem a atividade política como sendo deles. Hoje a malta está mais virada para o que pode fazer e não são espectadores passivos.”
A deputada Sofia Matos entende que o problema do alheamento das novas gerações, em particular o distanciamento relativamente ao PSD, “só se resolve quando os jovens perceberem que o seu voto vale para alguma coisa”. E insiste na ideia de que os políticos devem ter uma vida profissional, como ela, que é advogada, e passar pelos mesmos problemas da sua geração para que tenham sensibilidade para os tratar. “Estar dependente do sistema político, como aconteceu durante muito tempo, só alheia dos problemas reais.
Tanto Sofia Matos como Alexandre Poço sentem que há abertura no grupo parlamentar do PSD, que foi muito renovado nesta legislatura, para dar voz e protagonismo aos jovens deputados. Mas Alexandre diz que é um trabalho mútuo. “Quem chega de novo tem de procurar espaço, ser proativo, procurar os temas por que se quer bater.” As comissões parlamentares, que no seu caso são três – Educação, Finanças e Cultura –, são espaços, afirma, de participação ativa dos deputados e onde podem marcar território. E há temas a que os mais jovens são sensíveis? O deputado elege três: a falta de residências universitárias; as alterações climáticas; e os novos desafios da economia digital.
Nas últimas eleições legislativas, de 6 de outubro, o PSD teve um dos seus piores resultados, não conseguindo atingir os 28%. Ainda assim, analisados os dados eleitorais por estratos etários, os jovens eleitores, com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, confiaram mais no partido liderado por Rui Rio do que nos outros, com 30% dos votos conseguidos, seguido do PS, com 25%, e do BE, com 13%.
Depois de chegados os resultados, é sempre fácil ver os erros. Relembro que no fim do ano passado, início deste, tinha resultados na ordem dos 10%. E desde aí foi sempre a cair nas intenções de voto. O principal problema do partido nesta eleição foi a dificuldade em explicar qual a razão para votar no CDS. Ou seja, qual a utilidade do voto no CDS. Isto na estrita medida em que tudo se centrava em como se iria formar uma maioria à volta do PS, os acordos que o PS poderia fazer – e o CDS retirou-se deles. Ao fazê-lo, gerou uma dificuldade que não se conseguiu ultrapassar para que o eleitorado pudesse perceber uma razão para votar no CDS. Em segundo lugar, criou-se uma lógica de que o PSD poderia fazer algum contraponto ao PS, numa lógica de alguma bipolarização.
Sim, nas últimas semanas. Não acho nada que se chegue ao período oficial da campanha [duas semanas antes das eleições] já com os resultados predeterminados. É provável que tenha havido um erro de cálculo em relação à forma de fazer o discurso. Se fizermos uma análise histórica, o CDS quando apresentou um slogan “Para a maioria”, com Adriano Moreira, apresentando-se como tentando ser verdadeiramente a alternativa [ao PS], não é percecionado pelo eleitorado como tal. Por isso mesmo acho que é importante o CDS retomar aquela que é a sua função no espaço não socialista ou do centro-direita.
O CDS deve funcionar com um partido federador e capaz de fazer pontes, com o seu espaço político mas também quando seja necessário para se alcançar objetivos que são seus (no Serviço Nacional de Saúde ou na carga fiscal, por exemplo).
Diria que tem de ser combatida a ideia de que há um partido, o PS, que consegue dialogar com todos ou quase todos. E o CDS deve fazer parte disso. Dou um exemplo: se o PS considerar que as propostas fiscais do CDS são positivas, não vejo uma razão para o CDS não aceitar esse voto. O CDS tem de naturalmente ir assumindo uma lógica mais federadora. Depois do resultado das legislativas é a mais correta.
Não. O CDS não tem “centro” no seu nome por acaso. Foi uma questão pensada em re
naturalmente deve explicar por que razão agora pretende retomar.
Sim. Houve a formação de um partido contra o CDS, houve uma saída quando a carta de princípios e o programa são os mesmos – e o principal dever de um filiado do CDS é defender estas duas coisas. Será estranho tudo se passar como se nada fosse...
Quero que o candidato que vencer o congresso seja alguém com uma linha muito clara e uma grande capacidade de unir o CDS e de lhe dar esta lógica federadora no espaço em que está e na política em geral. Isso faz-se com grande experiência política e uma enorme capacidade de dar esperança, até porque sinto que os militantes estão preocupados.