O fim de semana em que Jorge Jesus pode ganhar tudo e ser ”o rei do Rio de Janeiro”
Amigos há 60 anos, António Ramalhete, ex-glória do hóquei português, jantou com Jesus antes da final da Libertadores deste sábado. E testemunhou a enorme popularidade do treinador.
Na terça-feira à noite, véspera da viagem para Lima, no Peru, palco da final da Taça libertadores deste sábado entre o Flamengo e o River Plate, Jorge Jesus foi jantar com um amigo português de longa data num restaurante do Rio de janeiro. O amigo é António Ramalhete ,72 anos, grande figura do hóquei em patins português, guarda-redes de eleição do Benfica, do Sporting e da seleção nacional. A amizade tem 60 anos.
“Somos amigos de infância daVenda Nova, apesar de eu ser mais velho, pois tenho 73 anos e o Jorge 65. A amizade surgiu porque trabalhei durante muitos anos com o pai dele e os seus dois irmãos numa fábrica de cabos elétricos, a Cell-Cat”, revela. Ramalhete, tal como Carlos e José (os irmãos de Jesus), fazia trabalho administrativo, enquanto o pai,Virgolino, trabalhava como operário.
Jorge Jesus “escapou” de trabalhar a tempo inteiro na fábrica de cabos elétricos, pois desde muito novo mostrou jeito para o futebol. Estava escrito que iria seguir as pisadas do pai, que jogou no Sporting, onde foi contemporâneo dos CincoViolinos. Aos 16 anos, o dia-a-dia de Jorge era preenchido com a escola e com os treinos no Estrela da Amadora, onde representava a equipa de juvenis. “Eu, o Jorge e os seus dois irmãos juntávamo-nos quase todos os dias para jogar futebol de salão. Mas o Jorge era de facto o que tinha mais jeito para a bola e por isso seguiu carreira. Eu optei pelo hóquei e ainda bem…”, recorda.
O jantar entre os dois amigos de longa data foi possível porque Ramalhete está de férias no Brasil. Aproveitou o facto de estar no Rio de Janeiro e deu um telefonema ao amigo, que, apesar de toda a azáfama em torno da importante final deste sábado, fez questão de o convidar para jantar. “Aceitei com todo o gosto. Sabe como são os amigos que vêm dos tempos de criança… Podemos ficar anos sem nos vermos que a relação fica para sempre, e quando nos encontramos parece que nos tínhamos visto ontem. É isso que acontece entre mim e o Jorge”, disse ao DN.
Jorge Jesus tem provavelmente esta noite o jogo mais importante da sua carreira. A viver um conto de fadas no Flamengo, clube que o contratou no verão passado, o treinador português pode neste sábado fazer história e vencer a segunda Taça dos Libertadores do palmarés do clube carioca. A primeira e única data de 1981, há 38 anos, portanto, com uma equipa onde pontificavam nomes como Júnior, Mozer, Zico, Leandro e Andrade, treinada por Paulo César Carpegiani. Hoje, Jesus pode voltar a dar uma enorme alegria aos adeptos, que há muito estão rendidos ao trabalho do mestre da tática, que nos tempos do Benfica chegou a atingir duas finais europeias (Liga Europa), mas perdeu ambas para o Chelsea e para o Sevilha.
António Ramalhete teve a oportunidade de presenciar o enorme nível de popularidade de que Jesus goza no Flamengo. E não apenas pelo sucesso que está a ter na Libertadores. Atualmente, o emblema rubro-negro, que tem mais de 40 milhões de seguidores, lidera confortavelmente o campeonato brasileiro, com 13 pontos de vantagem sobre o Palmeiras, o segundo classificado. E até pode festejar a dobrar no espaço de 24 horas – a Libertadores no sábado; o Brasileirão no domingo, mesmo sem jogar, caso o Palmeiras não vença na receção ao Grémio.
“Depois de acabarmos de jantar, quando nos levantámos para ir embora, todo o restaurante se levantou para aplaudir o Jorge. E estamos a falar de bem mais do que cem pessoas!”, descreveu Ramalhete ao DN, que depois, na quarta-feira, teve a oportunidade de assistir nas ruas do Rio de Janeiro à autêntica loucura que foi a partida da comitiva no autocarro das instalações do clube até ao aeroporto. “Foi uma loucura como eu nunca vi. Estamos a falar de milhares e milhares de pessoas que acompanharam a equipa, num ambiente de enorme festa. O Jorge é nesta altura o rei do Rio de Janeiro!”, atirou.
Durante o jantar, e apesar da proximidade da final da Taça Libertadores, Ramalhete garante que não sentiu Jesus ansioso: “Estava até muito tranquilo, não o senti minimamente nervoso. Sabe, já é uma carreira de muitos anos, com inúmeros jogos decisivos. Até lhe digo mais, quase nem falámos de futebol durante o tempo em que estivemos juntos no Rio.”
Curiosamente, o hóquei em patins português até ocupou mais tempo de conversa do que propriamente a final da Libertadores. “Ele não se fica pelo futebol, gosta muito das outras modalidades. Sempre que nos encontramos pergunta-me como estão o Sporting e o Benfica no hóquei, vê-se que se interessa verdadeiramente pela modalidade e também sei que aprecia basquetebol e andebol, por exemplo”, conta.
Ficar ou não no Fla, eis a questão
Muito se tem falado da permanência ou não de Jorge Jesus no Flamengo a partir de dezembro. Um tema que certamente vai ser alvo de grande discussão a partir da próxima semana, aconteça o que acontecer ao Flamengo na Libertadores. “Ele está muito feliz no Flamengo e no Rio de Janeiro, mas não lhe
“Ele está muito feliz no Flamengo, mas não posso dizer se irá continuar no Brasil ou voltar à Europa.” ANTÓNIO RAMALHETE Ex-jogador de hóquei em patins
posso dizer se irá continuar no Brasil ou se vai voltar à Europa. A ver vamos o que irá acontecer”, atirou, sem desvendar se o tema foi ou não falado ao jantar.
Ramalhete não seguiu em direção a Lima para apoiar o amigo no grande jogo deste sábado, mas sim para Salvador da Bahia, onde vai continuar a gozar férias. Será nesta cidade do nordeste brasileiro que irá assistir à final da Taça dos Libertadores nesta noite. “Espero que ele traga a taça para o Brasil! Uma coisa é certa: o Flamengo já ganhou mais dois adeptos, eu e a minha filha!”, atirou, esperando também que o Flamengo possa festejar no domingo a conquista do campeonato, façanha que não alcança desde 2009.
A finalizar, e para aqueles que não conhecem bem o amigo de longa data, Ramalhete, vencedor de vários títulos nacionais e internacionais por Sporting e Benfica, e campeão do Mundo por Portugal em duas ocasiões, deixa uma certeza: “Eu sei que muitos pensam que ele é uma pessoa presunçosa e até um pouco convencida. Mas posso assegurar que fora do futebol é uma joia de pessoa. É amigo do seu amigo e está sempre disponível quando alguém precisa da sua ajuda.” E, como treinador, também o coloca num pedestal: “Para mim, é o melhor do mundo, a sua carreira fala por ele. Aliás, são inúmeros os jogadores que confessam que foi com ele que mais evoluíram.”
Quando em junho foi apresentado oficialmente como treinador do Flamengo, Jorge Jesus deixou um aviso em forma de recado: “O meu passado como treinador está escrito, está feito. Sou o treinador em Portugal que mais títulos ganhou e quero mostrar no maior clube do Brasil o meu valor. O meu nome é Jorge Jesus e o meu testemunho é apresentado no trabalho.” Neste sábado, depois de ter lidado com críticas, desconfiança e até uma certa inveja e ciúme dos treinadores brasileiros, tem a palavra Jesus.
Última Libertadores ganha pelo Flamengo foi em 1981. Hoje, Jesus pode fazer história e juntar-lhe no domingo o título de campeão brasileiro.