Diário de Notícias

Baralhar e dar de novo

- Marisa Matias

Na próxima semana irá finalmente a votos a ComissãoVo­n der Leyen. Depois de propostas de nomes rejeitadas, depois de várias controvérs­ias associadas aos novos portfólios apresentad­os pela presidente eleita, finalizou-se o processo sem, contudo, eliminar a ameaça de conflitos de interesses ou mudar significat­ivamente os portfólios. Nas contas finais, parece que tudo não passou de um jogo de equilíbrio­s partidário­s, muito longe dos interesses dos cidadãos.

O novo comissário francês, Thierry Breton, não pode apagar do currículo o passado como CEO da Atos. Será, no mínimo, difícil acreditar que de um dia para o outro o seu foco deixará de ser o das grandes corporaçõe­s para passar a defender os interesses dos cidadãos europeus. Por alguma razão, passou apenas por um voto no crivo da Comissão de Assuntos Jurídicos e, mesmo assim, pouca gente acreditará que tem menos problemas a esse respeito do que a sua antecessor­a de prova, Sylvie Goulard. A missão de Breton é clara: investir ao máximo no Fundo Europeu de Defesa. Os seus poderes são quase ilimitados.

O comissário húngaro, OlivérVárh­elyi, próximo do governo do seu país, continuará a ser o responsáve­l pelo alargament­o e a política de vizinhança. Tendo em conta a sistemátic­a violação do Estado de direito e os ataques aos direitos humanos por parte do governo húngaro, é difícil perceber como poderá ele assegurar que a democracia e o respeito pelos direitos humanos não serão enfraqueci­dos na política de vizinhança dos próximos anos.

Feitas as contas, nenhum dos problemas tidos como “estruturai­s” pelas principais famílias políticas foi resolvido, mas, para que tudo possa acabar bem, vende-se a tese de que o impasse foi resolvido. Se juntarmos a alteração meramente cosmética dos nomes dos portfólios, facilmente percebemos que, mais do que responder verdadeira­mente aos problemas que enfrentamo­s, andámos entretidos num jogo de sombras. Para os socialista­s e democratas parece suficiente que a pasta “Proteger o nosso modo de vida europeu” passe a chamar-se “Promover o nosso modo de vida europeu”, ou que a pasta “Empregos” passe a incluir “Direitos sociais”, para mudar o sentido de voto. Publicamen­te parece haver uma cedência por parte da senhoraVon der Leyen e, para todos os efeitos, o que parece passa a ser.

Diz-se com frequência que uma imagem vale mais do que mil palavras. Neste caso, parece aplicar-se na perfeição. A Comissão que vai a votos até pode ter mudado algumas palavras, mas não eliminou a suspeita sobre a idoneidade de alguns membros que a integram ou a incerteza face à orientação política que, mais do que apaziguar, parece querer reforçar os problemas que trespassam o projeto europeu. Fechar-nos num casulo não é solução. Experiment­ar com um projeto já de si em situação de fragilidad­e é perigoso. É, por isso, que votar uma Comissão não deveria ser um ato de fé, já que não estamos em tempos de milagres. É mesmo a política que está em jogo e essa não mudou apesar dos disfarces.

Eurodeputa­da do BE

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