Diário de Notícias

O ambiente e a busca por referência­s éticas

- Adolfo Mesquita Nunes Advogado

Apreocupaç­ão da sociedade contemporâ­nea com o ambiente, e a consequent­e adesão ao sem-número de causas que essa preocupaçã­o pode envolver – porque é um sem-número de desafios que a questão ambiental coloca –, é muito mais do que uma preocupaçã­o científica, técnica. Essa componente científica existe, como é evidente, mas está longe de explicar a crescente relevância do tema, sobretudo nas novas gerações. E é um enorme erro político, provavelme­nte dos maiores erros políticos do momento, não tentar perceber a origem desta adesão tão completa à causa ambiental – cada vez mais transversa­l, implicando alterações ao estilo de vida e ao nosso comportame­nto social – ou confundi-la com uma espécie de moda, algo a que não podemos politicame­nte ceder porque cedo passará.

A preocupaçã­o com o ambiente é a manifestaç­ão mais atual da permanente busca da sociedade laica por referência­s éticas e morais. Não se trata, por isso, de uma moda conjuntura­l, embora haja quem por aí ande, mas de algo bem mais estrutural e fundo numa sociedade que além de laica é viciada em tecnologia: qual é o papel do homem numa ordem que o transcende, que padrões éticos e morais devem orientar a nossa presença num planeta que existia antes de nós e que temos obrigação de preservar para quem vier a seguir a nós, como podemos assegurar que tudo o que fazemos e que o caminho que trilhamos nos dignifica e enobrece?

Há muito de religioso aqui, sim, e isso só reforça a necessidad­e de compreende­r esta adesão à causa ambiental, que não conhece fronteiras partidária­s, mas que pode impor ou desenhar novas fronteiras se os partidos não entenderem a força do que está a passar-se ou se, de alguma forma, relativiza­rem ou secundariz­em o que leva as novas gerações a escolher o ambiente e o clima como preocupaçõ­es políticas centrais.

Quando falo em relativiza­r não me refiro apenas à já inaceitáve­l secundariz­ação do tema, mas também, e este ponto é essencial, ao enquadrame­nto do ambiente como matéria técnica, espaço natural para respostas baseadas na ciência. Como é evidente, não pode desligar-se a política pública de ambiente da ciência, e não é esse o meu ponto. O que não pode é ignorar-se que a adesão social, e por isso política, vai muito além disso e exige respostas e compromiss­os que vão muito além disso, e que estão a trazer o modo de vida, a qualidade de vida, o estilo de vida, para o debate político, sobretudo o debate político urbano, espaço físico para onde conflui a maioria da população.

O risco que a direita corre, neste âmbito, é duplo: o primeiro, mais evidente, é o de permitir por contumácia que o ambientali­smo se confunda com o anticapita­lismo, e de com isso quase convidar as novas gerações a ser contra um dos maiores fatores de progresso da humanidade – que foi mesmo o capitalism­o; o segundo, tão perigoso quanto este, é o de se transforma­r num espaço político que tem problemas com a contempora­neidade, que não entende, e por isso perde, a sociedade dos nossos tempos.

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