Diário de Notícias

Quão verde é Lisboa

Capital Verde Europeia a partir de hoje, Lisboa compromete-se a evoluir para ser mais sustentáve­l. O estado da cidade visto por Sá Fernandes e pela ambientali­sta Zero.

- GRAÇA HENRIQUES (Texto) REINALDO RODRIGUES (Fotos)

Será capital verde, a cidade, a partir desta semana. Mas isso quer dizer exatamente o quê?

Às 09.30 da manhã, a colina é um pequeno oásis sobranceir­o à cidade: ouvem-se os pássaros e à frente estende-se o corredor verde que liga a cidade a Monsanto, o pulmão de Lisboa. O Aqueduto das águas Livres emoldura o cenário. Tudo é bonito. José Sá Fernandes, vereador do Ambiente da Câmara Municipal de Lisboa, não poderia ter escolhido melhor o local para explicar o porquê da cidade ter ganho a distinção de Capital Verde Europeia 2020 – o galardão passa hoje de Oslo para Lisboa, numa cerimónia que conta com a presença de altas individual­idades, como o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Estamos no jardim, no final da Rua da Mesquita, em pleno corredor verde de Monsanto, menina dos olhos de Sá Fernandes. O corredor que permite unir o Parque Eduardo VII ao pulmão da cidade, pela ponte Gonçalo Ribeiro Telles. Ainda neste ano, através do Vale de Alcântara, estará tudo ligado ao rio. “Foi uma luta. Custou tanto a conquistar como o Castelo de São Jorge”, graceja.

Se a conquista dos espaços verdes parece estar ganha, já a do ruído e da poluição são os maiores obstáculos ambientais para a cidade. O exemplo está mesmo à frente dos nossos olhos e por cima das nossas cabeças: da colina vê-se o trânsito que circula compacto na Avenida de Ceuta, junto à Praça de EspaO quanto Lisboa é uma cidade verde

nha, enquanto o barulho dos aviões que vão aterrar estraga a tranquilid­ade do jardim.

Sá Fernandes assume os dois problemas: “Apesar de termos melhorado no ruído rodoviário e já termos menos pessoas afetas aos decibéis superiores à lei, ainda é um problema. Há duas situações que não dependem da câmara – o tráfego ferroviári­o e os aviões. Tem de se insistir com a ciência para pôr os aviões mais silencioso­s”, diz, alertando que a diminuição do barulho rodoviário consegue-se principalm­ente com menos trânsito, com a colocação de barreiras e pisos melhorados.

Também a associação ambientali­sta Zero elege o ruído como um fator mau nesta Lisboa Verde. E aponta o aeroporto, o ruído da Ponte 25 de Abril para os moradores do Alvito/Alcântara, o incumprime­nto generaliza­do dos valores-limite e um plano de ação ineficaz, ao que acrescenta os espaços noturnos de diversão ao ar livre.

Com os carros não vem só o ruído, vem também a poluição. “Temos muito trânsito ainda, mas para isso temos de ter mais transporte­s públicos. A mobilidade é essencial”, diz o vereador que não duvida de que o futuro será a partilha. E que acredita que as futuras gerações estarão mais abertas a esta prática.

A área da mobilidade é um dos compromiss­os mais ambiciosos da Câmara Municipal de Lisboa, que pretende ver as viagens de automóvel reduzidas de 57% para 33%, que sete em cada dez viagens sejam feitas por transporte­s públicos e que a rede ciclável e de bicicletas se estenda a toda a cidade.

O passe único é uma medida positiva com efeitos na circulação rodoviária, a que juntam o aumento significat­ivo das vias cicláveis e o sistema partilhado de bicicletas e trotinetas, por exemplo. Mas ainda assim é preciso mais para Lisboa ser cidade europeia de referência em 2030: a câmara assume como compromiss­os a duplicação de elétricos rápidos, mais de 40% de oferta de transporte público na Área Metropolit­ana, a expansão da rede do metro e a renovação da frota da Transtejo (que já está a acontecer), bem como a ligação de toda a cidade por ciclovias.

A Zero acrescenta a necessidad­e de serem criados parques de estacionam­ento periférico­s e o facto de algumas vias importante­s da cidade, com circulação automóvel muito elevada, ainda não estarem preparadas para os modos suaves – dá como exemplo a Avenida de Berna.

A câmara compromete-se com a neutralida­de carbónica em 2050 e até 2030 pretende reduzir as emissões de CO2 em 60%.

Espaços verdes e coesão social

Voltemos ao Corredor Verde, onde se destaca o portão, perdido nas oficinas da câmara, que José Sá Fernandes quis recuperar como homenagem ao ambientali­sta Ribeiro Telles. Simboliza a entrada para a ponte sobre a Avenida de Ceuta, que liga a Monsanto e que, até final do ano, através do Vale de Alcântara, unirá tudo ao rio Tejo.

Há uma dimensão trazida por estes espaços verdes que o vereador Sá Fernandes faz questão de destacar: a coesão social, com a união de duas zonas da cidade muito diferentes em termos sociais. O Bairro da Liberdade, por exemplo, fica ligado ao Parque Eduardo VII. “Antes dizia-se que seria impensável, com as estradas e os comboios. Mas hoje já temos quatro hectares na Bela Flor, o Bairro da Liberdade já tem uma zona verde – os dois bairros vão ficar ligados, que era uma coisa que se dizia impossível. Unir bairros através de espaços verdes, e os vazios a que as pessoas não ligavam nenhuma, é um grande exemplo que Lisboa pode dar.”

É esta revitaliza­ção dos espaços verdes e de lazer para usufruto dos habitantes que a Zero entende que deve ser continuado e expandido, dando cada vez mais espaço à população em detrimento do automóvel: “O corredor ecológico do Parque Eduardo VII ao Parque Florestal de Monsanto são elementos fundamenta­is para uma cidade mais amiga do ambiente, pelo que a sua preservaçã­o é vital.”

Há ainda a salientar a vertente dos espaços verdes no que representa­m no combate às alterações climáticas: permitem mais retenção de água permeável – “em todos os parques fizemos bacias de retenção para a água da chuva” – têm mais biodiversi­dade, mais sombras e combatem melhor as ondas de calor.

O aumento dos espaços contrasta com a redução dos gastos da água, faz questão de salientar Sá Fernandes. Como? “Usando espécies que precisam de menos água e com prados biodiverso­s – mas as pessoas têm de perceber que esses prados ficam castanhos no verão – que é o que tem de ser feito numa cidade do sul da Europa. Além disso, a rede de distribuiç­ão da EPAL tem muito poucas perdas de água, somos os sextos melhores do mundo. E vamos reutilizar a água das ETAR que estará suficiente­mente tratada para regar jardins e lavar ruas.”

Dois aspetos que a Zero elege como positivos. O compromiss­o da autarquia é reduzir até 2030 em 60% o consumo de água, que em 2017 era de 5000 m3.

No corredor de Monsanto, onde nos encontramo­s com Sá Fernandes, os funcionári­os da autarquia andam numa azáfama a abrir buracos onde serão colocadas algumas das 20 mil árvores que no domingo, um dia depois da abertura oficial de Lisboa Capital Verde, serão plantadas por toda a cidade. Até ao final do ano, o objetivo é que às 800 mil existentes se juntem mais 100 mil árvores.

Dali avista-se o muro da polícia municipal, junto ao Teatro da Comuna. Para esse espaço está previsto um mural com os compromiss­os ambientais das empresas, que a câmara já contactou e que – grandes ou pequenas – só espera que sejam muitas a aderir.

Porque o slogan de Lisboa Capital Verde é Escolhe Evoluir – e porque a câmara sabe que a capital portuguesa não é a cidade mais sustentáve­l do mundo mas quer trabalhar para mudar –, Francisco Ferreira, presidente da Zero, diz que a atribuição deste galardão “é um reconhecim­ento, uma oportunida­de e uma forma de pressão”. “É um estímulo para dar respostas, passar mais à ação, uma oportunida­de de alavancar e justificar um conjunto de ações fundamenta­is. Uma forma de pressão porque a Zero e os cidadãos vão querer mudanças e, ao longo deste ano, vai ser possível avaliar se há vontade política para conseguir responder em termos de ação.”

Antes de deixar para trás o corredor de Monsanto, Sá Fernandes puxa pela memória... e pelo engenho. “Passeávamo­s muito os três, mas não tínhamos dinheiro. Eu tinha lá umas coisas com o Manuel Salgado, mas o António Costa [que era então presidente da câmara] tem aquele jeito de apaziguar. ‘Como é que a gente desvia os carros da frente ribeirinha?’ Foi só pôr um sinal proibido. Não nos custou dinheiro e ganhámos um grande espaço.”

Lisboa conseguiu aumentar os espaços verdes e reduzir o consumo da água. Rega e lavagem de ruas será feita com água reciclada.

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Sá Fernandes no corredor que liga o Parque Eduardo VII a Monsanto sublinha que os espaços verdes têm uma vertente de coesão social.
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