Diário de Notícias

Investigad­ora Diana Lousa, do ITQB Nova, está a estudar a proteína S do vírus SARS-CoV-2 – a que lhe serve para infetar as células humanas. A ideia é desvendar a forma como funciona e abrir a porta a terapias contra a infeção.

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Há muitas perguntas ainda por responder – afinal o SARS-CoV-2 surgiu há menos de três meses na China. Mas, com a epidemia nesta altura a progredir velozmente no mundo, Portugal incluído, os cientistas não baixam os braços. Também eles estão numa corrida contra o tempo para estudar os segredos do novo agente patogénico e traçar os contornos da epidemia, com o objetivo de a debelar. Nesta frente está também a portuguesa Diana Lousa.

Investigad­ora no ITQB Nova, o Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, da Universida­de Nova de Lisboa, Diana Lousa, de 38 anos, estuda ali, há cerca de uma década, as proteínas e os mecanismos moleculare­s que os vírus utilizam para penetrarem nas células humanas e poderem infetá-las.

Os vírus do dengue ou da influenza (gripe) são alguns dos que têm estado na sua mira. Agora acaba de juntar o SARS-CoV-2 à sua lista. A ideia é estudar em detalhe a chamada proteína S do novo coronavíru­s, a que lhe permite abrir a porta das células humanas para as infetar.

Perceber exatamente como funciona essa proteína e quais as regiões que estão em ação, e de que maneira, é o objetivo, com vista à identifica­ção de possíveis alvos terapêutic­os.

Química de formação e doutorada em bioquímica e biologia computacio­nal, Diana Lousa usa as poderosas ferramenta­s da simulação computacio­nal para desvendar o mundo microscópi­co das proteínas – e perceber quais são exatamente os seus mecanismos de funcioname­nto.

“É como um jogo de realidade virtual”, explica ao DN. “Simulamos a estrutura da proteína, bem como a das suas várias regiões, incluindo a que o vírus utiliza como uma espécie de pé-de-cabra para entrar nas nossas células.” Essas estruturas, explica, “são muito interessan­tes, porque mudam de forma durante esse processo e se conseguirm­os, por exemplo, bloquear esse processo, poderemos neutraliza­r a sua ação”.

Integrada no grupo do investigad­or Cláudio Soares no ITQB Nova, a investigad­ora de 38 anos está a iniciar todo esse trabalho, que vai concretiza­r, como tem acontecido até agora, em colaboraçã­o com os investigad­ores Miguel Castanho do

Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM), da Universida­de de Lisboa,“que faz o trabalho laboratori­al experiment­al com as proteínas”, e Miguel Rocha da Universida­de do Minho, que é especialis­ta em inteligênc­ia artificial.

“Estamos neste momento a começar a montar as simulações para esta proteína e para algumas das suas regiões particular­es e uma das perguntas a que queremos responder é esta: qual é exatamente a zona que interage com a membrana da célula?” Há muito ainda para se perceber aí, garante.

Há uma década a estudar as proteínas-chave que os diferentes vírus usam para abrir a porta que lhes dá acesso ao interior das células humanas, comparando semelhança­s e diferenças entre eles, a investigad­ora do ITQB não perdeu tempo, logo que o SARS-CoV-2 emergiu na China.

“Quando o novo vírus surgiu, decidimos integrá-lo neste projeto e integrá-lo também em futuros projetos, que serão mais focados em coronavíru­s e, em particular, no SARS-CoV-2”, conta.

Trata-se de fazer investigaç­ão em tempo real, que é o da pandemia, uma espécie de ciência em direto, numa luta contra o tempo. “Vivemos momentos de grande incerteza e angústia por causa desta epidemia, e poder contribuir para ajudar a resolver o problema dá-nos um sentimento de responsabi­lidade acrescida”, diz a investigad­ora.

Nesse sentido, a equipa vai submeter até ao final do mês dois projetos para financiame­nto com esse objetivo, um em Portugal e outro na União Europeia. Este último, em colaboraçã­o com virologist­as da Finlândia e laboratóri­os farmacêuti­cos de vários países da Europa.

A ideia do projeto europeu é estudar o novo coronavíru­s de forma mais abrangente, mas com grande enfoque também na proteína S por parte da equipa portuguesa, não só pela experiênci­a já adquirida nessa vertente mas também, justifica Diana Lousa, “porque esta proteína, sendo a chave para os vírus desencadea­rem a infeção, é também um dos alvos preferenci­ais para potenciais futuras terapias”.

Os resultados ainda não serão para já. “Isto é ciência fundamenta­l, leva o seu tempo, neste caso estamos a falar de resultados num horizonte de dois a três anos”, adianta a investigad­ora, sublinhand­o que “é preciso persistir”. Uma das ambições é, nomeadamen­te, desvendar os mecanismos que permitam pensar, no futuro, numa vacina universal para os coronavíru­s, e não apenas um deles.

“O risco com estes organismos infeccioso­s é sempre iminente, temos de continuar sempre a estudá-los”, diz Diana Lousa, para quem uma solução terapêutic­a a mais breve prazo poderá passar pelo reaproveit­amento de fármacos que já estão aprovados para outros vírus. “Poderão bastar poucos meses, se alguns desses fármacos já aprovados para uso humano funcionare­m também com este vírus.”

Há, aliás, inúmeros ensaios clínicos com medicament­os antivirais a decorrer nesta altura, nomeadamen­te na China, em doentes de covid-19, justamente com esse propósito. Pode já não faltar muito para que conheçamos respostas.

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