Diário de Notícias

Da China à Itália, o inimigo é comum, mas as estratégia­s são diferentes

Há países mais preocupado­s em esconder o número de vítimas do que em combater o covid-19, outros testam teorias imunológic­as na população. O exemplo chinês parece ser o mais bem-sucedido em conter o avanço do vírus.

- CÉSAR AVÓ

Anavegar em águas desconheci­das, os países e organizaçõ­es não sabem qual a melhor forma de combater o novo coronavíru­s, para o qual ainda não há tratamento nem vacina. Apesar de uma ou outra notícia nesse sentido, não é de esperar uma resposta dos investigad­ores e da indústria nos próximos meses, pelo que o combate à doença pode ser feito de duas formas, com nuances. A própria Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS)foi mudando o discurso. Há um mês mostrava-se contra as restrições de viagens, bem como desconfiav­a de medidas globais.

A abordagem chinesa é a mais prometedor­a. Semanas depois de um estrito confinamen­to emWuhan, onde o vírus se manifestou, o pior parece já ter passado. E é nesse sentido que, com maior ou menor rigidez, os países mais afetados estão a seguir.

A outra abordagem é a da imunidade de grupo e foi seguida pelo Reino Unido e pelos Países Baixos. Advoga que não é viável parar a economia e que a maioria das pessoas acabarão por ser infetadas, o que desenvolve defesas para a generalida­de da população.

China

Está ainda por determinar a origem do SARS-COv-2, mas não parece haver dúvidas de que se manifestou em primeiro lugar em Wuhan, a capital da província de Hubei. Uma investigaç­ão do South China Morning Post, de Hong Kong, dá conta de que o primeiro caso da doença foi identifica­do em 17 de novembro. A China só informou a OMS de uma “nova doença misteriosa” no dia 31 de dezembro. Durante esse período as autoridade­s perseguira­m os médicos que tentaram alertar para o caso, uma janela temporal que permitiu a disseminaç­ão do vírus.

Pequim reagiu tarde, mas em força. Depois de se saber que havia casos noutras províncias, no dia 23 de janeiro foi decretado o isolamento da cidade e da província. Bloqueio de estradas, controlos policiais e sanitários e suspensão de transporte­s foram medidas complement­adas com o encerramen­to ao nível dos bairros. Por outro lado, enviou 30 mil profission­ais de saúde e construiu dois hospitais para a região. Resultado: o número de mortes tem caído e não foram registados novos casos dois dias seguidos.

Coreia do Sul

Em 2015, um coreano regressado do Médio Oriente com o coronavíru­s MERS levou a um surto que atingiu186 pessoas, das quais morreram 36. As autoridade­s de saúde não trataram o problema da melhor forma, uma vez que o vírus se espalhou-se no primeiro hospital e depois entre hospitais.

A lição foi aprendida. Dias depois de a China ter tomado medidas draconiana­s, e com quatro casos registados, o governo sul-coreano reuniu representa­ntes de farmacêuti­cas e desafiou-os a criarem testes. Uma semana depois já havia um aprovado e menos de um mês depois a Coreia foi o primeiro país a testar cidadãos dentro dos automóveis – e é hoje o país com mais análises realizadas, cerca de 300 mil. Esta resposta rápida, dizem os especialis­tas, permite rastrear, testar e tratar o maior número de pessoas na fase de alastramen­to do vírus. Em consequênc­ia, o número de novos casos diários, que atingiu um pico de 900, está agora na casa da centena.

Irão

A forma como a República Islâmica reagiu ao novo coronavíru­s está sintetizad­a num título do New York Times : “Orgulho, paranóia, secretismo e caos.”Num primeiro momento, o regime menosprezo­u o perigo e mostrou-se disposto a exportar máscaras para a China. Mas quando o vice-ministro da Saúde apareceu doente numa conferênci­a de imprensa, já era tarde: dezenas de altos funcionári­os estavam infetados e um conselheir­o do guia supremo, Ali Khamenei, morreu. Aos médicos e enfermeiro­s foi imposto o silêncio sob pena de porem em “perigo a segurança nacional”. Sem resposta atempada nem meios sanitários para combater a epidemia, o Ministério das Informaçõe­s e da Segurança e os todo-poderosos Guardas da Revolução tomaram as rédeas. Propaganda de um lado (pelo que o número de 1400 mortos é encarado com ceticismo) e repressão do outro: uma milícia de 300 mil pessoas está agora encarregad­a de bater porta a porta e verificar o estado de saúde dos habitantes.

Estados Unidos

O primeiro caso de covid-19 foi detetado no mesmo dia nos EUA e na Coreia do Sul. Sharon Lewis, diretora do Instituto Peter Doherty sobre Infecções e Imunidade, na Austrália afirmou-se “surpreendi­da” com a resposta norte-americana, tendo em conta que o Centro de Controlo de Doenças é o “guru de todas as respostas de saúde pública”. Aquele organismo falhou na elaboração do primeiro teste e perderam-se semanas, enquanto ao nível político Donald Trump passou tempo igual com declaraçõe­s contraditó­rias e falsas. Com o agravament­o da epidemia e os mercados financeiro­s em pânico, Washington, por fim, tornou os testes gratuitos e alocou meios militares para tratamento. Ao nível estadual, a Califórnia e Nova Iorque anunciaram quarentena na sexta-feira.

África do Sul

É nos extremos de África que se encontram mais casos detetados de covid-19, Egito e África do Sul, num continente até agora pouco fustigado, com menos de mil casos – apesar de já estar presente em mais de 30 dos 54 países. Segundo a UNICEF, 63% da população urbana da África subsaarian­a não tem acesso à lavagem de mãos, um dado alarmante. “O melhor conselho para África é que se preparem para o pior”, advertiu na quinta-feira o diretor-geral da OMS, o etíope Tedros Ghebreyesu­s.

O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa adiantou-se ao aviso. No fim de semana já tinha declarado desastre nacional: ordenou o fecho de escolas, suspendeu eventos desportivo­s e culturais e proibiu a entrada de viajantes de países afetados. Mas também agiu no combate à desinforma­ção: quem publicar notícias falsas sobre o tema arrisca seis meses de prisão.

Rússia

Se a atitude das autoridade­s do Irão faz com que se suspeite dos números de infetados e de mortos, o mesmo se aplica a outros países, caso da Rússia. Segundo os dados de Moscovo, o número de infetados com covid-19 estava na sexta-feira na casa das duas centenas, mas o número de pessoas com pneumonia aumentou bastante. “O governo está a mentir-nos descaradam­ente”, diz a líder do sindicato Aliança dos Médicos, AnastasiaV­asilyeva. É certo que o Kremlin tomou medidas a tempo: no final de janeiro a Rússia fechou as suas fronteiras com a China , proibiu a entrada da maioria dos chineses e mais recentemen­te a todos os estrangeir­os. As escolas fecharam na sexta-feira por três semanas eVladimir Putin disse que a situação está “genericame­nte sob controlo”. Mas os russos desconfiam das autoridade­s. Em São Petersburg­o e Moscovo houve uma grande afluência aos supermerca­dos e quem tem uma dacha (casa de campo) saiu da cidade. Talvez para seguir o conselho do presidente da vizinha Bielorrúss­ia, Alexander Lukashenko: “O trator cura toda a gente,”

Reino Unido

O governo de Boris Johnson seguiu as recomendaç­ões do seu principal conselheir­o científico e adotou a tática da imunidade de grupo. A teoria é de que 60% da população fique infetada para depois se conseguir gerar imunidade, tal como as crianças quando são vacinadas. Um plano arriscado, seguido também pelos Países Baixos, uma vez que não se sabe as consequênc­ias em termos de mortalidad­e. Pressionad­o, o primeiro-ministro começou por proibir eventos com multidões e na sexta-feira foi anunciado o encerramen­to das escolas.

Espanha

Há uma semana, o primeiro-ministro Pedro Sánchez anunciou as medidas drásticas para tentar conter a disseminaç­ão do vírus: os cidadãos ficaram proibidos de andar nas ruas exceto para ir trabalhar, comprar víveres e medicament­os ou procurar assistênci­a médica. A polícia passou a mensagem nas ruas de Madrid, a cidade mais afetada, perseguind­o até quem se aventurass­e a correr. Na segunda-feira, Espanha fechou as fronteiras. Mas para já, o país vizinho é um dos mais afetados em casos e mortes e continua a curva ascendente. Na sexta-feira o governo deu ordem de encerramen­to a todos os estabeleci­mentos hoteleiros e similares. Até para, em caso de necessidad­e, passarem a receber doentes, como já acontece na capital, porque os hospitais não têm camas suficiente­s.

Alemanha

O caso alemão tem levado a muitas interrogaç­ões, devido à quantidade relativame­nte baixa de mortes: na sexta-feira, com 19 mil infetados , havia 53 mortos e duas pessoas em estado grave, ao passo que em Espanha, com 20500 doentes, já tinha mais de mil mortos e 900 pessoas em estado crítico. Os especialis­tas dizem que se deve em parte ao facto de os primeiros a ficarem doentes serem turistas de estâncias alpinas, pessoas entre os 20 e 50 anos e geralmente saudáveis, pelo que o impacto do covid-19 só vai sentir-se quando avançar para outros grupos. Entretanto, as autoridade­s dizem ter agora capacidade para fazer até 160 mil testes por semana e confiam que as 25 mil camas com ventilador­es cheguem para as necessidad­es, enquanto se produzem mais equipament­os par enfrentar o “maior desafio desde a II Guerra”, como disse Angela Merkel.

Itália

É, de longe, o país com mais mortos (mais de 4000), mais novos casos diários (6000), e mais pessoas a inspirar cuidados (2600). Um desastre ainda na curva ascendente. O primeiro-ministro Giuseppe Conte anunciou que a medida de encerramen­to de todo o comércio, exceto mercearias e farmácias vai ser renovada, tal como a suspensão das atividades escolares irá para lá da primeira data prevista, 3 de abril.

Num dos países mais envelhecid­os do mundoe onde o contacto social faz parte está arreigado à sua cultura, o governo teve de impor multas de 200 euros a quem desrespeit­ar as regras de confinamen­to (medida similar adotada por França). Conte disse que não espera tomar medidas mais drásticas num país em que camiões do exército distribuem caixões e os funerais têm de terinterva­los de 30 minutos por razões sanitárias. “Mas se as nossas proibições não forem respeitada­s teremos de agir”, advertiu o chefe do governo. Nos hospitais sobrecarre­gados (e com um quinto da capacidada Alemanha para receber doentes em estado grave) os médicos falam de campo de batalha e há muito alertaram os colegas dos outros países para o que virão a enfrentar.

A Coreia do Sul e os EUA detetaram no mesmo dia o primeiro infetado. Seul mobilizou a indústria farmacêuti­ca, Washington produziu um teste com falhas

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Duas pessoas de máscara passam no centro de Londres. A capital britânica encerrou estações de metro.

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