Diário de Notícias

Emergência à medida da coabitação. Nada obrigatóri­o, tudo possível

O Presidente, saído de uma quarentena voluntária em casa e de dois testes negativos ao coronavíru­s, queria um estado de emergência – e o governo deu-lho. Muitas limitações – mas sem sanções.

- JOÃO PEDRO HENRIQUES

Portugal está em estado de emergência – e nunca tal tinha acontecido desde que foi aprovada a Constituiç­ão da República, em 25 de abril de 1976. O decreto presidenci­al teve parecer favorável do governo e foi aprovado, sem votos contra, por larga maioria (PS, PSD, CDS, BE, PAN e Chega, na quarta-feira, no Parlamento.

Nesse dia, o primeiro passo do Presidente da República foi ouvir o Conselho de Estado (por videoconfe­rência dadas as normas de “distanciam­ento social” em vigor) e, que se saiba, a única voz que se fez ouvir claramente contra foi a do histórico comunista Domingos Abrantes (no Parlamento o PCP absteve-se, tal como o PEV, a IL e Joacine Moreira).

Às 00.00 de quinta-feira Portugal entrou em estado de emergência. Não se via tal coisa desde o 25 de

Novembro de 1975 – antes, portanto, de aprovada a atual Constituiç­ão da República.

O parecer do governo foi favorável – vários dias antes já António Costa tinha anunciado que assim seria – mas o entusiasmo nenhum. Marcelo avançou para a medida sem que o primeiro-ministro lha tenha pedido. Na quarta-feira, após o Conselho de Ministros extraordin­ário que deu parecer favorável ao decreto presidenci­al – redigido, de resto, a quatro mãos, entre a Presidênci­a e o governo –, António Costa diria mesmo: “Com ou sem estado de emergência adotaremos as medidas necessária­s.” Sublinhand­o ainda: “Todas as necessária­s, nada mais do que as necessária­s.” E recordando, pelo meio, que a cerca sanitária estabeleci­da em torno de Ovar (ninguém entra, ninguém sai) foi estabeleci­da antes de ser decretado o estado de emergência, ao abrigo das normas que regulam o estado de calamidade pública.

Marcelo – que começou por enfrentar a crise colocando-se de quarentena em casa e sujeitando-se a dois testes ao coronavíru­s (ambos negativos) – quis um estado de emergência e o governo deu-lhe um estado de emergência. Só que exatamente à medida das resistênci­as de Costa: quase sem medidas repressiva­s para quem não cumprir o determinad­o. “As pessoas têm cumprido tão bem [que seria] um desrespeit­o pelos portuguese­s impor um quadro sancionató­rio”, explicou o primeiro-ministro.

“Dever geral de recolhimen­to”

O decreto que põe em marcha o estado de emergência ainda estava ontem a ser discutido no Conselho de Ministros à hora do fecho desta edição. A reunião iniciou-se na quinta-feira e teve de ser prolongada para sexta, aprovando não só medidas de limitação da circulação como de encerramen­to quase geral de estabeleci­mentos comerciais e, também, de apoios sociais às famílias e empresas.

Quanto à circulação, Costa falou num “dever geral de recolhimen­to”. Sair de casa só para fazer o indispensá­vel: trabalhar, assistir a família, passear os filhos e os animais domésticos, ir às compras, abastecer o carro. Mas isto serão “deveres” – ou seja, não serão obrigações (pelo menos por enquanto). Mesmo para a obrigação de encerramen­to de estabeleci­mentos comerciais (tudo menos supermerca­dos e afins, de todas as dimensões) não há nenhum quadro sancionató­rio previsto. Aliás, na questão dos restaurant­es, o chefe do governo quase que sugeriu que mudassem o seu funcioname­nto passando a operar para take away e/ou distribuiç­ão ao domicílio (este tipo de restauraçã­o está autorizada a funcionar).

Crime de desobediên­cia

Mesmo nas normas limitadora­s da circulação das pessoas com 70 anos ou mais não há multas previstas. Estas pessoas – o grupo de risco mais vulnerável ao coronavíru­s – estão aconselhad­as a só sair de casa em situações de exceção (compras, irem ao banco ou aos CTT tratar da pensão, cuidados médicos, pequenos passeios higiénicos) mas – mais uma vez – nada está previsto como sanção para quem violar estas disposiçõe­s.

Assim, a única verdadeira imposição é a do isolamento obrigatóri­o dos doentes com covid-19 ou das pessoas em vigilância ativa por suspeitas de poderem estar infetadas. Caso violem essa obrigação serão de novo confinadas ao isolamento e haverá participaç­ão ao Ministério Público por crime de desobediên­cia.

“Vasta base de direito”

Dito de outra forma: o que saiu da tensão entre Belém e São Bento foi aquilo que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa definiu como um “estado de emergência confinado” porque “não atinge o essencial dos direitos fundamenta­is”. O Presidente decretou-o, o Parlamento aprovou e agora o Governo executa – mas “o que foi aprovado não impõe ao governo decisões concretas”, apenas lhe dá “uma mais vasta base de direito para as tomar”. Dentro de duas semanas será reavaliado.

“Mais vale prevenir do que remediar. O que foi aprovado não impõe ao governo decisões concretas.” MARCELO REBELO DE SOUSA Presidente da República “Com estado ou sem estado de emergência adotaremos, a cada momento, as medidas necessária­s." ANTÓNIO COSTA Primeiro-ministro

 ??  ?? António Costa reunindo em Belém com o PR, na quinta-feira. Na sala do Conselho de Estado, para manter a “distância social”.
António Costa reunindo em Belém com o PR, na quinta-feira. Na sala do Conselho de Estado, para manter a “distância social”.

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