Emergência à medida da coabitação. Nada obrigatório, tudo possível
O Presidente, saído de uma quarentena voluntária em casa e de dois testes negativos ao coronavírus, queria um estado de emergência – e o governo deu-lho. Muitas limitações – mas sem sanções.
Portugal está em estado de emergência – e nunca tal tinha acontecido desde que foi aprovada a Constituição da República, em 25 de abril de 1976. O decreto presidencial teve parecer favorável do governo e foi aprovado, sem votos contra, por larga maioria (PS, PSD, CDS, BE, PAN e Chega, na quarta-feira, no Parlamento.
Nesse dia, o primeiro passo do Presidente da República foi ouvir o Conselho de Estado (por videoconferência dadas as normas de “distanciamento social” em vigor) e, que se saiba, a única voz que se fez ouvir claramente contra foi a do histórico comunista Domingos Abrantes (no Parlamento o PCP absteve-se, tal como o PEV, a IL e Joacine Moreira).
Às 00.00 de quinta-feira Portugal entrou em estado de emergência. Não se via tal coisa desde o 25 de
Novembro de 1975 – antes, portanto, de aprovada a atual Constituição da República.
O parecer do governo foi favorável – vários dias antes já António Costa tinha anunciado que assim seria – mas o entusiasmo nenhum. Marcelo avançou para a medida sem que o primeiro-ministro lha tenha pedido. Na quarta-feira, após o Conselho de Ministros extraordinário que deu parecer favorável ao decreto presidencial – redigido, de resto, a quatro mãos, entre a Presidência e o governo –, António Costa diria mesmo: “Com ou sem estado de emergência adotaremos as medidas necessárias.” Sublinhando ainda: “Todas as necessárias, nada mais do que as necessárias.” E recordando, pelo meio, que a cerca sanitária estabelecida em torno de Ovar (ninguém entra, ninguém sai) foi estabelecida antes de ser decretado o estado de emergência, ao abrigo das normas que regulam o estado de calamidade pública.
Marcelo – que começou por enfrentar a crise colocando-se de quarentena em casa e sujeitando-se a dois testes ao coronavírus (ambos negativos) – quis um estado de emergência e o governo deu-lhe um estado de emergência. Só que exatamente à medida das resistências de Costa: quase sem medidas repressivas para quem não cumprir o determinado. “As pessoas têm cumprido tão bem [que seria] um desrespeito pelos portugueses impor um quadro sancionatório”, explicou o primeiro-ministro.
“Dever geral de recolhimento”
O decreto que põe em marcha o estado de emergência ainda estava ontem a ser discutido no Conselho de Ministros à hora do fecho desta edição. A reunião iniciou-se na quinta-feira e teve de ser prolongada para sexta, aprovando não só medidas de limitação da circulação como de encerramento quase geral de estabelecimentos comerciais e, também, de apoios sociais às famílias e empresas.
Quanto à circulação, Costa falou num “dever geral de recolhimento”. Sair de casa só para fazer o indispensável: trabalhar, assistir a família, passear os filhos e os animais domésticos, ir às compras, abastecer o carro. Mas isto serão “deveres” – ou seja, não serão obrigações (pelo menos por enquanto). Mesmo para a obrigação de encerramento de estabelecimentos comerciais (tudo menos supermercados e afins, de todas as dimensões) não há nenhum quadro sancionatório previsto. Aliás, na questão dos restaurantes, o chefe do governo quase que sugeriu que mudassem o seu funcionamento passando a operar para take away e/ou distribuição ao domicílio (este tipo de restauração está autorizada a funcionar).
Crime de desobediência
Mesmo nas normas limitadoras da circulação das pessoas com 70 anos ou mais não há multas previstas. Estas pessoas – o grupo de risco mais vulnerável ao coronavírus – estão aconselhadas a só sair de casa em situações de exceção (compras, irem ao banco ou aos CTT tratar da pensão, cuidados médicos, pequenos passeios higiénicos) mas – mais uma vez – nada está previsto como sanção para quem violar estas disposições.
Assim, a única verdadeira imposição é a do isolamento obrigatório dos doentes com covid-19 ou das pessoas em vigilância ativa por suspeitas de poderem estar infetadas. Caso violem essa obrigação serão de novo confinadas ao isolamento e haverá participação ao Ministério Público por crime de desobediência.
“Vasta base de direito”
Dito de outra forma: o que saiu da tensão entre Belém e São Bento foi aquilo que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa definiu como um “estado de emergência confinado” porque “não atinge o essencial dos direitos fundamentais”. O Presidente decretou-o, o Parlamento aprovou e agora o Governo executa – mas “o que foi aprovado não impõe ao governo decisões concretas”, apenas lhe dá “uma mais vasta base de direito para as tomar”. Dentro de duas semanas será reavaliado.
“Mais vale prevenir do que remediar. O que foi aprovado não impõe ao governo decisões concretas.” MARCELO REBELO DE SOUSA Presidente da República “Com estado ou sem estado de emergência adotaremos, a cada momento, as medidas necessárias." ANTÓNIO COSTA Primeiro-ministro