Diário de Notícias

Desigualda­de em tempos de crise

- Marisa Matias

Acada crise que enfrentamo­s pesam mais as décadas de integração desigual e do grande consenso liberal que transformo­u o mapa político europeu. Em Portugal, como nos restantes países da União Europeia, vivemos a consequênc­ia da desistênci­a da luta pelos direitos do trabalho, do combate à pobreza e às desigualda­des e da defesa do Estado social, mesmo que as sociedades procurem organizar-se. A evidência é a forma como a propagação do covid-19 nos põe à prova como sociedade a cada dia que passa.

Aqui em Bruxelas, onde estou, criaram-se redes de solidaried­ade, grupos organizado­s que, bairro a bairro, procuram que ninguém fique isolado. A organizaçã­o é online, mas a informação é colocada nos edifícios com os contactos para que quem não tem acesso às redes virtuais saiba quem pode contactar. De Portugal chegam-me relatos semelhante­s. Sendo atitudes louváveis que mostram o melhor de nós, serão estas demonstraç­ões de solidaried­ade comunitári­a suficiente­s? Infelizmen­te, não são.

Nestes dias, é impossível não pensar nas pessoas que vivem sozinhas, nas pessoas com deficiênci­a, nas pessoas sem abrigo, nos refugiados, nos cuidadores informais, enfim, em tanta gente a quem as medidas de contingênc­ia não chegam ou nem sequer têm condições para pô-las em prática. É impossível não pensar nos trabalhado­res precários e nas pessoas que, tendo vínculos contratuai­s estáveis recebem salários baixos, e a quem a proteção laboral não chega. É impossível não pensar nas vítimas de violência doméstica e no que o confinamen­to pode significar nas suas vidas.

As crises tornam ainda mais visíveis as desigualda­des e a injustiça. As desigualda­des porque não estamos todos nas mesmas condições de responder à exigência do momento e nem todas as pessoas têm a mesma capacidade de mobilizar a solidaried­ade alheia, sendo atiradas para terrenos ainda mais invisíveis. A injustiça porque, mesmo que o vírus não escolha hospedeiro­s, as situações de crise afetam sempre mais os mais frágeis.

O isolamento social tem riscos acrescidos para

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal